“You Love Me, You Love Me Not”. O nome dado pela artista queniana Wangechi Mutu a uma das suas peças foi o escolhido por Sindika Dokolo para a exposição que inaugurou esta quinta-feira na Galeria Municipal Almeida Garrett, no Porto. O marido de Isabel dos Santos trouxe cerca de 70 peças de arte contemporânea de 50 artistas diferentes, não só de África, mas também da Europa e dos Estados Unidos. Entre eles estão Nástio Mosquito, Samuel Fosso, Seydou Keita, Nick Cave, Marlene Dumas e, claro, Wangechi Mutu. Porto e Luanda querem mais proximidade no futuro, mas qualquer semelhança com uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) à cultura portuguesa é pura coincidência, ironizou o colecionador.

O momento era de Sindika e da sua coleção de arte contemporânea, uma das maiores de África. Mas o empresário congolês de 42 anos e as obras da exposição quase passaram para segundo plano quando Isabel dos Santos, a filha do presidente angolano, apareceu na inauguração, sem que a presença tivesse sido previamente anunciada. O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira e o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, também compareceram naquela que foi uma das inaugurações mais concorridas a uma exposição a que a cidade assistiu nos últimos tempos.

A Câmara Municipal do Porto descreve a coleção de Sindika Dokolo como “uma das maiores e melhores coleções de arte contemporânea do mundo” e “You Love Me, You Love Me Not” como “a mais importante mostra da coleção da Fundação Sindika Dokolo alguma vez concretizada”. A angolana Suzana Sousa e o português Bruno Leitão, curadores da exposição, mergulharam no catálogo de mais de 3.000 obras reunidas pelo congolês. “A maioria estava em caixotes, tivemos de pedir para abrirem, e isso aconteceu tanto em Bruxelas como em Luanda”, contou ao Observador Suzana Sousa.

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Suzana Sousa selecionou as obras para a exposição, juntamente com Bruno Leitão. © Sara Otto Coelho

Houve peças de arte que ambos queriam ter levado ao Porto, mas que por estarem emprestadas ou por necessitarem de restauro não puderam fazer parte do conjunto que tenta ter entre si pontos de contacto mas que, ao mesmo tempo, levanta cisões. O percurso inclui temas como o amor, a identidade, o território, a política.

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A exposição, que poderá ser visitada gratuitamente até 17 de maio, dedica especial atenção aos artistas africanos contemporâneos, consagrados ou por descobrir, como Samuel Fosso, Seydou Keita, Cameron Platter, William Kentridge, Yonamine, David Goldblatt, Kendell Geers e Nástio Mosquito. Mas também inclui obras de artistas não africanos, como Marlene Dumas, Kara Walker e Nick Cave. São dele as bonecas voodoo e os galhos que se encontram logo à entrada da Galeria, da famosa série de esculturas “soundsuit”.

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Em Angola, a Fundação Sindika Dokolo esteve na origem da primeira Trienal africana, em 2006, em Luanda, evento que deverá ter a terceira edição este ano. No ano seguinte, liderou a conceção e materialização do primeiro pavilhão africano na 52ª Bienal De Veneza. Este ano, Moçambique vai participar pela primeira vez na sua história naquela que muitos consideram a Bienal de arte mais importante do mundo. “It’s time for Africa”?

Suzana Sousa não nega que a arte contemporânea africana possa estar na moda, num mundo que, na opinião da curadora, se tem movido bastante por modas. “Eu acho que isso é promovido por fluxos de dinheiro e de investimento que existe na arte. Assistimos a isso por exemplo com a arte chinesa e estamos a assistir por exemplo com os países árabes. No caso de África acho que há mais fogo-de-artifício do que feitos na realidade”, sublinhou, lembrando que, em termos de preços, os artistas africanos “ainda vendem muito abaixo da média mundial”. Quanto a infraestruturas, estudos e centros de pesquisa de arte no continente, Suzana Sousa nota desenvolvimentos, mencionando como países mais fortes a África do Sul e a Nigéria.

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Sindika Dokolo recebeu a medalha ao lado da mulher, Isabel dos Santos, e da mãe, a dinamarquesa Hanne Taabbel Kruse. © Artur Machado / Global Imagens

Uma “OPA sobre a cultura portuguesa”

Momentos antes da inauguração da exposição, Sindika Dokolo foi aos Paços do Concelho receber a Medalha de Mérito da Cidade, grau ouro. No seu discurso, Rui Moreira não ignorou a polémica em torno da decisão, motivada pelo facto de o congolês nunca ter tido ligações ao Porto.

O presidente da Câmara do Porto começou por lembrar que a decisão está “suportada no voto unânime do Executivo Municipal”, que a 23 de fevereiro aprovou em reunião de câmara a decisão. E disse que a homenagem é merecida porque a cidade “agradece sempre a quem lhe faz bem”. Neste caso, a medalha justifica-se pelo facto de a exposição permitir um “acesso privilegiado e livre a obras” de alguns dos principais artistas contemporâneos, e também porque Sindika Dokolo “não escolhe qualquer cidade nem qualquer galeria para expor ao mundo obras tão preciosas e de valor artístico tão transcendente”.

Sindika Dokolo agradeceu o “gesto simbólico e corajoso” e defendeu que atualmente existem “laços cada vez mais fortes e mutuamente benéficos a apertarem-se entre Angola e Portugal”. De acordo com a Lusa, o colecionador disse em tom de brincadeira que “não faltarão alguns céticos que verão aqui os sinais de uma OPA mais ou menos amigável lançada sobre a cultura portuguesa”. Ao seu lado esteve sempre a mulher, Isabel dos Santos, que tem inúmeros negócios em Portugal, que no ano passado lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) à Portugal Telecom SGPS, e que esta quinta-feira rejeitou a OPA ao BPI feita pelos espanhóis do CaixaBank.

“Aos argumentos retóricos dos céticos sempre acreditei que mais valia responder com atos palpáveis. Considero, neste caso, que o gesto de amizade e consideração dirigido ao trabalho da fundação não deve ser um ponto de chegada, mas antes a linha de partida de uma colaboração cultural que tenha por epicentros as cidades de Luanda e do Porto”, afirmou Sindika Dokolo.

O vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, avançou que se está a “elaborar um programa em articulação com a Fundação que vai permitir a artistas da cidade frequentarem o contexto africano e a artistas africanos virem até ao Porto”. “Há todo um conjunto de possibilidades interessantes que se abrem e que podem transformar o Porto numa espécie de capital europeia da discussão do tema África”, disse.