Alguns capítulos na Reforma do Estado estão a ser aplicados através de projetos-piloto, ou seja, experiências locais que mais tarde, mediante o seu sucesso, podem ser aplicadas à generalidade do território. Uma das faces mais visíveis deste tipo de projetos é a descentralização nas áreas da Educação, Saúde e Cultura que está a ser acordada com vários municípios e passa algumas das competências do Estado central para o poder autárquico, mas outras soluções estão a ser procuradas na sociedade civil e no setor privado, de forma articular as respostas públicas.
Uma das pastas no Governo com mais projetos-piloto a decorrer é o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. E também é aquela onde estão, por via de projetos-piloto, a serem acrescentadas novas funções que o Estado não desempenhava mas que está agora a contratualizar com privados.
Ajudar os bebés prematuros e as famílias a viver
É o caso do projeto SobreVIVER, um projeto-piloto que está a ser levado a cabo pela associação XXS (Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro) em três hospitais no país – maternidade Alfredo da Costa e São Francisco Xavier em Lisboa, e maternidade Júlio Dinis, no Porto.
Esta associação, fundada em 2008, visa ajudar os bebés prematuros e os pais nas primeiras etapas da vida destas crianças, mantendo vários voluntários nas principais maternidades do país e este novo projeto, em parceria com o POPH (Programa Operacional Potencial Humano), quer melhorar a relação entre os bebés, os pais e os profissionais de saúde desde o nascimento.
Paula Guerra, responsável por este projeto na XXS, disse ao Observador que “a sociedade civil tem como objetivo melhorar estas áreas” e que há necessidade de “colmatar o investimento nestas áreas com os fundos estruturais”. Por ser uma associação sem fins lucrativos e onde o trabalho é voluntário, Paula Guerra defende que o financiamento é gerido com critério e que não há “esbanjamento” de dinheiro.
A XXS está assim a implementar um novo método de tratamento dos bebés prematuros que promove o contacto pele-a-pele ou a redução de luz e ruído em Unidades de Cuidados de Intensivos Neonatais nos três hospitais em Lisboa e no Porto. A formação é ministrada aos profissionais de saúde, mas também aos pais das crianças e o projeto tem o financiamento total de 1.800.000 euros.
A primeira fase deste projeto decorreu entre outubro de 2014 e março de 2015, podendo haver alargamento do período de tempo destas formações e também do número de maternidades em que elas acontecem. Ao Observador, fonte oficial do Centro Hospitalar de Lisboa Central afirmou que “o projeto Sobreviver terá impacto na Neonatologia do Centro Hospitalar pois enquadra-se nas exigências do presente, numa assistência neonatal que permita não só uma sobrevivência acrescida, mas também uma sobrevivência com qualidade”.
Lares para crianças com comportamento disruptivo
A mesma filosofia está a ser aplicada na abertura de Lares de Infância e Juventude Especializados (LIJE) em várias zonas do país. Estes lares para crianças institucionalizadas que apresentam comportamentos disruptivos, com caráter tutelar e educativo, estão previstos na lei 147/99 que regula a proteção de crianças e jovens em perigo. Os lares estão a ser organizados pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social com Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).
Estes novos lares estão a ser criados desde o fim de 2012, mas a passagem de gestão de outros lares antes geridos pela Segurança Social, acontece já desde 2008. “A sociedade civil consegue agilizar as decisões”, garante Susana Martins Branco, assessora do Presidente da União as Misericórdias. Com a criação destes novos lares e estas alterações no acompanhamento das crianças institucionalizadas, foi constituído um grupo de trabalho que, segundo Susana Martins Branco, “está a rever as regras e comparticipações em Lares de Infância Juventude” e é constituído pela Direção geral de Segurança Social, pelo Instituto da Segurança Social, pela União das Misericórdias, União das Mutualidades, pela Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social.
Substituição: sai o Estado, entram privados
Se por um lado, estes projetos não estão a substituir as funções do Estado, mas sim a acrescentar competências, baseando-se no conhecimento que vários parceiros já têm no terreno, outros servem para passar competências que antes eram do Estado.
No final do ano passado foi lançada a Rede Local de Intervenção Social que visa garantir alargar o número de prestadores de ação social, contratualizando com parceiros locais o acolhimento social imediato em situações de emergência social, o acompanhamento social das situações de vulnerabilidade e o reforço da cooperação estabelecida com as instituições que desenvolvem respostas sociais em cada local. Esta rede tem 12 projetos-pilotos em nove distritos do país.
No entanto, um dos programas que deveria começar neste regime e foi um dos mais polémicos ligados à Reforma do Estado, ainda está para tomar forma. Trata-se da possibilidade de as empresas de recursos humanos colocarem desempregados de longa duração no mercado de trabalho, auxiliando assim o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Apesar de a medida constar no guião da Reforma do Estado apresentado pela primeira vez no final de 2013 e com mais detalhe em maio do ano passado, as negociações entre o IEFP e a Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego (APESPE) começou só no início de abril, com várias empresas do setor a mudarem a sua denominação para poderem encetar contratos com o Estado.
A iniciativa arrancará com dois projetos-pilotos, nas zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, abrangendo um número máximo de 10.000 desempregados que estejam sem trabalho há mais de 12 meses ou tenham mais de 45 anos. Segundo fonte oficial do IEFP, já houve duas reuniões entre este instituto público e a APESPE, estando previsto “criar as condições para o arranque formal dos procedimentos legais nos próximos dois meses”. “Os trabalhos com a APESPE estão a correr bem e dentro de um espírito colaborativo com o objetivo de estabilizar mais um instrumento de combate ao desemprego de longa duração”, faz saber o IEFP em resposta ao Observador.
Antes do início destas negociações, Afonso Carvalho, presidente da APESPE, disse ao Observador que o setor privado tem capacidades diferentes das instituições públicas para otimizar a colocação de desempregados. “Cada um tem o seu papel a desempenhar, mas o setor privado, pelo seu dinamismo pode tornar mais ágil a colocação de desempregados”, afirma Afonso Carvalho, admitindo que o projeto pode ser “mais do que o habitual” devido às pessoas a que se destina. No entanto, o presidente da APESPE, cita países onde as experiências foram positivas como Austrália, Reino Unido e Espanha.
Nova substituição: sai o Estado, entram autarquias
Uma das faces mais visíveis dos projetos-piloto é a descentralização de competências do Estado central para os municípios. O Governo começou por utilizar esta transferência de responsabilidades através do programa Aproximar que visa a reestruturação das Lojas do Cidadão e a abertura de Espaços do Cidadão, o seu alargamento no território e a passagem de competências para as autoridades locais que estão mais próximas dos cidadãos. Segundo dados oficiais do ministro do Adjunto e do Desenvolvimento Regional, que está a implementar esta mudança, já foram assinados 129 protocolos para estes espaços e 50 estão para ser assinados. Estes Espaços do Cidadão vão ocupar o mesmo espaço dos CTT ou espaços municipais e os funcionários são das Câmaras Municipais ou dos CTT.
Agora, com a mesma estratégia do Aproximar, o Executivo está a proceder à descentralização de competências nas áreas da Educação, Saúde e Cultura, negociando estas medidas com vários municípios. A área mais avançada é a Educação, que conta já com 13 municípios – Águeda, Amadora, Batalha, Cascais, Crato, Matosinhos, Óbidos, Oeiras, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Souselo, Vila de Rei e Vila Nova de Famalicão – que no próximo mês de setembro terão escolas geridas por si. Estes municípios vão assim poder decidir sobre a constituição das turmas, horários e calendário escolar, assim como definir a oferta de disciplinas na escola, desde que cumpram as metas curriculares definidas pelo Ministério da Educação. As assembleias municipais vão agora deliberar sobre o contrato destes municípios com o Estado, tendo sido Cascais o primeiro município a conseguir esta aprovação.
As responsabilidades na Saúde e na Cultura continuam a ser negociadas. Ao Observador, Álvaro Amaro, presidente da Câmara da Guarda, diz que até agora sempre tinha havido resistência por parte da administração central de fazer esta partilha de competências. “Custa-me perceber como é que os meus colegas do PS discordam disto, a não ser de um ponto de vista político”, refere o autarca social-democrata. A Guarda está em negociações para descentralizar as responsabilidades sobre o museu local que poderá passar para a autarquia. Amaro diz que se trata de “um processo” e que a partir do momento em que houver um contrato estabelecido, “não vai ser possível recuar”, mesmo que, no futuro, outro Governo pretenda retomar estas responsabilidades.