Anders Fogh Rasmussen abandonou o cargo de secretário-geral da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em outubro de 2014. Desde que foi sucedido por Jens Stoltenberg, fundou a Rasmussen Global, uma empresa de consultoria para assuntos militares e internacionais. Tem sede na Dinamarca, país do qual foi primeiro-ministro entre 2001 e 2009.

Quando deixou a liderança da NATO, já se tinha tornado evidente que o conflito entre as tropas pró-russas e o exército da Ucrânia não seria de fácil resolução. Logo após a anexação russa da Crimeia, em março de 2014, não poupou nas palavras para explicar a dimensão do atual contexto: “Está é a maior ameaça à segurança e estabilidade da Europa desde o final da Guerra Fria”.

Sentado com o Observador para uma curta entrevista a propósito das Conferências do Estoril, Rasmussen insistiu que, perante “o ataque russo à Ucrânia”, as “nações europeias devem gastar mais dinheiro na sua defesa”. Portugal, que ajudou a fundar a NATO em 1949, entra nestas contas, por mais distante que a Rússia fique. “Se um dia Portugal for ameaçado por um país do Norte de África, então terá a ajuda dos seus aliados”, contrapõe.

Tem dito várias vezes que os países da NATO devem gastar mais dinheiro no setor da defesa. Já liderou um governo, por isso sabe certamente que não é fácil vender esta ideia. Como é que os líderes políticos, sobretudo os europeus, podem convencer a opinião pública dos seus países de que uma fatia maior dos seus impostos devia ir para a defesa, ao mesmo tempo que lhes são cortados os salários e as pensões?

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O meu passado ensinou-me que não é de facto fácil vender essa ideia, tem razão. Mas o ataque russo à Ucrânia é um facto novo a ter em conta. Isto é um alerta e um lembrete para não pensarmos que na Europa a segurança, a estabilidade e a paz são dados adquiridos. Tem de se fazer alguma coisa. E uma das coisas que a NATO decidiu foi estabelecer a Força de Reacção Rápida, uma resposta militar que pode chegar ao local desejado em poucas horas. Posso dizer-lhe que isto é muito caro. Porque se é preciso destacar 5 mil soldados em poucas horas, são necessárias outros 10 mil para dar apoio e permitir uma rotatividade entre eles. É muito caro. E é por isso que as nações europeias devem gastar mais dinheiro na sua defesa.

A Rússia e Portugal estão em pontas opostas da Europa. Perante esta distância, tanto geográfica como de percepção, como é que espera que o Estado português gaste mais na defesa?

O ideal da NATO é a solidariedade. Ajudamos-nos uns aos outros. Mesmo que a Rússia seja muito longe de Portugal e apesar de não se sentir diretamente ameaçado pela Rússia, Portugal é membro de uma aliança solidária. Temos o 5º artigo que diz que um ataque a um [dos membros da NATO] é um ataque a todos. Por exemplo, se um país báltico for atacado, todos teríamos a obrigação de ajudá-lo. E se um dia Portugal for ameaçado por um país do Norte de África ou por um grupo terrorista, então Portugal teria a ajuda dos seus aliados.

Quanto aos países bálticos, disse numa entrevista que há uma “alta probabilidade” de a Rússia intervir naquela zona. É um facto que a Rússia tem uma influência considerável nesta região, tanto política, cultural ou histórica. Ainda assim, será assim tão provável que a Rússia arrisque entrar num destes países, que são membros da NATO?

Não há nenhum ataque iminente e eu nunca sugeri isso. Antes pelo contrário. Eu disse que o cenário mais realista é uma guerra híbrida. Homenzinhos verdes [soldados pró-russos, como no Leste da Ucrânia], juntamente com campanhas de propaganda e contra-informação sofisticadas. Não devemos esquecer que a doutrina de Putin indica que a Rússia tem o direito de intervir noutros países para proteger o que consideram ser os interesses das comunidades russas. E nos países do Báltico há comunidades russas grandes, particularmente na Estónia e Letónia.

Quão importante tem sido a contra-informação de que fala para a estratégia russa?

É um elemento muito importante na estratégia russa. Na Ucrânia vemos soldados russos a agir de forma ativa. Mas também vemos aquilo que eu posso chamar de guerra de informação, que é a combinação de várias coisas. Há os media russos a comunicarem em várias línguas, como a Russia Today e, mais recentemente, a Sputnik [disponível em 30 línguas, incluindo português]. Também existe uma rede de trolls na Internet que usam as redes sociais para espalhar notícias falsas. Tudo isto pode parecer um movimento de poucas pessoas ou até de indivíduos, mas é totalmente financiado pelo Kremlin.

Fora da Europa, o Estado Islâmico está cada vez a conquistar mais território. Mais recentemente tomaram Ramadi, no Iraque, e Palmira, na Síria. A guerra civil na Síria começou em 2011 e tornou-se incontrolável. Porque é que a NATO foi tão rápida a intervir na Líbia no mesmo ano e ao mesmo tempo não age na Síria?

Porque não há nenhum mandato das Nações Unidas (ONU) para uma ação militar. Quando entrámos na Líbia foi em resposta a uma decisão de Conselho de Segurança da ONU. E nesse mandato levámos a cabo uma operação militar com bastante sucesso. Mas na Síria, tal não existe.

Mas, entretanto, o Estado islâmico já chegou à Europa, de certa forma. Recruta pessoas e reivindicou os atentados em França. Não será isto uma consequência da ausência de uma tomada de ação internacional quanto à guerra na Síria?

Isto preocupa-me e tenho muita pena de a comunidade internacional ainda não ter reagido na Síria. Mas não há a possibilidade de tomar uma medida através do Conselho de Segurança da ONU. Mas a NATO deve estar, e está, concentrada na defesa da Turquia [país membro da NATO]. É este o nosso objetivo principal.