Mais de 20 mil jihadistas recrutados, vindos de mais de 90 países diferentes: entre eles mais de 3.400 cidadãos ocidentais (12 a 15 deles portugueses). Um recrutamento sem precedentes: segundo um depoimento de Nicholas Rasmussen, o diretor do Centro de Contraterrorismo norte-americano, recolhido pela CNN em fevereiro deste ano, o número de terroristas que viajaram para a Síria “excede o número dos que foram para o Afeganistão, Paquistão, Iraque, Iémen e Somália” em qualquer momento dos últimos 20 anos.

As técnicas de recrutamento do Estado Islâmico têm tido resultados avassaladores, o que permitiu o crescimento do grupo terrorista até ao ponto em que está hoje. Para isso muito contribuiu a sua máquina de propaganda: “Uma máquina como nunca vimos” na história, disse em fevereiro o porta-voz do departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki, à CNN. Os métodos de recrutamento são variados, mas altamente profissionais. E a ação na Internet é uma das chaves.

Dabiq – uma revista em inglês

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Uma das ferramentas mais importantes para cativar pessoas a viajarem até à Síria é a Dabiq, uma revista mensal, escrita em inglês, que já vai no 12º número – o primeiro foi partilhado em julho de 2014, o último a 18 de novembro de 2015.

Disponibilizada online, a revista é um dos principais instrumentos de propaganda do autodenominado Estado Islâmico, e procura cativar o seu público-alvo, quer com retratos que legitimam as ações do grupo terrorista, quer com sugestões de uma vida agradável na Síria. Num dos números, por exemplo, lê-se que “existem muitas casas e recursos para te receber – a ti e à tua família”. E convidam “juízes, pessoas com capacidades militares ou administrativas, médicos e engenheiros” a viajarem até à Síria.

O “Cibercalifado”

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A Internet é o meio chave para o Estado Islâmico: sobretudo em territórios onde o número de jihadistas é menor. Como explica o professor universitário, e porta-voz do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, Felipe Pathé Duarte, num artigo de opinião no Observador, é do ciberespaço “que parte a agressiva estratégia de comunicação do DAESH”: “O verdadeiro centro de gravidade do jihadismo global” é o mundo digital, diz. 

Segundo um artigo publicado em Março pela CNN, o orçamento do Estado Islâmico estima-se em cerca de 1.8 mil milhões de euros: um valor que permite a produção de vídeos altamente profissionais (e apelativos) e o investimento em centros de propaganda, como o conhecido al-Hayat Media Center, o departamento de media do Estado Islâmico, a já mencionada revista Dabiq ou a Zora Foundation, uma organização destinada especificamente às mulheres islâmicas.

A preocupação do Estado Islâmico com a propaganda e a promoção de conteúdos persuasivos é tão grande que, segundo o Washington Post, as cenas de batalha e as decapitações públicas levadas a cabo pelos terroristas estão tão pensados e encenados que os guerrilheiros e carrascos muitas vezes protagonizam a cena em vários takes, lendo discursos escritos em papéis propositadamente ocultos das câmaras.

No departamento media do Estado Islâmico existem, segundo a publicação norte-americana, vários cidadãos estrangeiros e ocidentais, cujas competência na produção de conteúdos deriva geralmente dos seus anteriores trabalhos: em canais noticiosos ou em empresas de tecnologia, por exemplo. 

“Existe todo um exército de trabalhadores no departamento de media“, relatou ao Washington Post Abu Abdullah al Maghribi, um ex-membro do Estado Islâmico. E diz mais: “As pessoas dos media [na Síria] são mais importantes que os soldados. O seu rendimento mensal [salário] é maior. Têm melhores carros. Têm o poder de encorajar os que estão em combate e o poder de trazer mais recrutas para o Estado Islâmico”, conta Abu Abdullah al Maghribi.

Como atuam na Internet

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A disseminação dos conteúdos pelas redes sociais é a fase posterior: e os números são avassaladores. Segundo afirmou à CNN o porta-voz do departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki, “todos os dias vemos cerca de 90 mil tweets diários” de propaganda do Estado Islâmico. Ao todo, segundo a Yahoo, que estima que existam 45 mil contas no Twitter de membros do Estado Islâmico, há em média 200 mil publicações partilhadas diariamente por jihadistas nas redes sociais. 

As redes utilizadas pelos jihadistas vão muito para além do Twitter. Whatsapp, Tumblr e Ask.fm, por exemplo, são outras conhecidas redes sociais que utilizam. Mas há outras, como o Suresot, o Telegram e o Off-the-record messaging, que, pelo seu grau de encriptação, explica Felipe Pathé Duarte no seu artigo de opinião, permitem “comunicar em segurança”. Também usavam a Dawn, uma aplicação que coordena as milhares de contas afetas ao Estado Islâmico, de forma a que enviem mensagens de propaganda à vez, e o 5elabook, um Facebook próprio da organização, até ao momento em que foi bloqueado pelos Anonymous, relatou o especialista Andrés Ortiz ao jornal espanhol El Mundo. 

E têm ainda desenhos animados e videojogos, com conceitos pensados especificamente para a promoção do islamismo radical, explica o especialista, que dá ao El Mundo o exemplo de um videojogo muito semelhante ao popular jogo norte-americano Gran Theft Auto. A diferença é que, no GTA do Estado Islâmico, as missões dos jogadores são diferentes: numa delas, por exemplo, o jogador encarna o papel de um jihadista que tem como objetivo fazer um atentado “num comboio nos Estados Unidos”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o número de militantes do Estado Islâmico é menor que em países como Inglaterra, Bélgica ou França, cerca de 80% das 69 pessoas que abandonaram o país para se alistarem ao grupo terrorista foram persuadidas através das redes sociais, segundo um relatório de uma equipa de investigadores do Centro de Segurança Nacional da Faculdade de Direito da Universidade de Fordham (Nova Iorque), citado pela Yahoo. Nos EUA, explicou à Yahoo o diretor-assistente do FBI, Michael Steinbach, a mensagem dos recrutas é simples: “Junta-te ao califado; se não puderes, faz um atentado [terrorista] nos Estados Unidos”. Tudo se legitima numa ideia central, explica à mesma publicação um ex-recruta do Estado Islâmico, Mubin Shaikh: “O Ocidente está em guerra com o Islão e com os muçulmanos. Nós temos de responder. E todos os muçulmanos têm a obrigação de o fazer“.

Os relatos do modus operandi de recrutamento dos terroristas são muitos. O autor do livro “Como o Estado Islâmico conquistou as redes sociais e os meios de comunicação”, Andrés Ortiz, infiltrou-se em fóruns jihadistas para perceber como atuam. Instalou-se na deep web, onde pôde manter o seu anonimato, graças à ocultação do IP. Em vários fóruns afetos ao Estado Islâmico, conta ao jornal El Mundo, encontrou muita informação e propaganda do Estado Islâmico: quer a convidar pessoas a viajarem para a Síria, quer a pedir contributos financeiros para a organização. A jornalista Anna Erelle, por sua vez, descobriu um outro método de atuação, ainda mais simples: após ter partilhado um vídeo do Estado Islâmico, num perfil falso, recebeu em poucas horas três mensagens privadas, que a convidavam a entrar em redes privadas controladas pelo grupo terrorista, relata o jornal espanhol.

Primeiro os homens, depois as mulheres

Inicialmente, relata a revista Time, a estratégia de propaganda do Estado Islâmico era direcionada para os homens. O objetivo era convencer potenciais guerrilheiros a alistarem-se na jihad: as mulheres não tinham lugar, e eram “ativamente desencorajadas a alistar-se”. “Os membros do Estado Islâmico ativos nas redes sociais”, explica a Time, “encorajavam as mulheres a apoiar a jihad com coletas de dinheiro e com pedidos aos seus companheiros para que se juntassem à luta”. Mas o grupo terrorista tem mudado de política e procura agora convencer mulheres ocidentais, quer para trabalhar (como enfermeiras, por exemplo), quer para casarem com guerrilheiros (e criarem uma futura geração de combatentes do Estado Islâmico).

A estratégia tem sido bem sucedida, como explica Sasha Havlicek, a diretora executiva do Instituto para o Diálogo Estratégico, à CNN: “Estamos a ver jovens mulheres de países ocidentais quer a expressar apoio quer a viajar para a Síria, em números históricos. Diria que isto é o resultado de uma máquina de recrutamento e propaganda extremamente sofisticada, que está direcionada especificamente para jovens mulheres”, diz. 

Uma das mais importantes figuras na estratégia de persuasão de mulheres do Estado Islâmico é Aqsa Mahmood, uma jovem de Glasgow (Escócia) que terá viajado para a Síria em 2013. Tinha 19 anos em novembro de 2013 quando abandonou o país para se alistar ao Estado Islâmico e casar uns meses depois com um guerrilheiro local. O seu blogue, “Diário de uma Muhajirah (viajante)”, escrito em inglês, tornou-se uma das principais ferramentas de propaganda do grupo terrorista. Segundo a Business Insider, Aqsa Mahmood convencia diversas mulheres a alistarem-se, dizendo-lhes, por exemplo:

“Nós não pagamos renda aqui. As casas são oferecidas. Não pagamos contas de eletricidade ou água. Soa óptimo, não soa? (…) São-nos oferecidas mercearias mensalmente. Spaghetti, massa, laticínios, arroz, ovos (…) Aos recém-casados é-lhes dada uma prenda de 600 dólares [cerca de 563 euros à taxa de câmbio atual]. Não temos fogo-de-artifício mas celebramos os casamentos com tiros e muitos gritos de Deus é grande”

Aqsa Mahmood é um dos elementos chave na captação de mulheres para a Síria. A sua estratégia passa por tranquilizar potenciais alvos femininos, dando respostas aos seus receios mais triviais. Numa das suas publicações, citada pela CNN, Aqsa Mahmood descansa as suas leitoras quanto aos cuidados femininos que lhes são permitidos na Síria: “Vão poder encontrar shampôs, sabonetes e outras necessidades femininas aqui, portanto não se preocupem se receiam encontrar uma vida de mulher das cavernas aqui”.

A importância de um mediador é essencial para convencer os jovens a alistarem-se no Estado Islâmico. Como explica à CNN o professor universitário, e especialista em temas relacionados com o Médio Oriente, Fawaz A. Gerges, “a presença de alguém que sirva como mediador ou mediadora entre jovens mulheres e jovens homens ocidentais, e militantes do Daesh no Iraque e na Síria”, é essencial na estratégia de recrutamento do Estado Islâmico.

Quem atraem

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A maior parte das pessoas podem ser descritas como “bedroom radical”: um termo utilizado pelo advogado dos pais de Aqsa Mahmood, uma jovem “normal”, como qualquer outra, que abandonou a Europa para se alistar no Estado Islâmico. Gente jovem, com estudos e um nível médio de vida, retrata o El Mundo. E que se radicaliza na Internet. O testemunho dado pelo jihadista Abu Anwar à CNN, em 2014, permite perceber a forma como jovens ocidentais são persuadidos pelos recrutas do Estado Islâmico e instrumentalizados pelo grupo terrorista.

“Sou do sul de Inglaterra. Cresci numa família de classe média. A vida que tinha era fácil. Tinha uma vida. Tinha um carro. Mas a questão é que não podemos praticar o Islão a partir de casa. Vemos maldade à nossa volta. Vemos pedófilos. Vemos homossexualidade. Vemos crime. Vemos violações.”

A maior parte dos não-sírios que se alista no Estado Islâmico fá-lo por diversas razões: ou para se tornar um mártir de guerra, e dar assim um sentido transcendente à vida, ou para ir em busca de uma vida melhor, que lhes é prometida quer na Internet quer por guerrilheiros infiltrados em outros países. Muitos são jovens muçulmanos, que vivem uma crise de identidade, entre uma religião de que o Estado Islâmico se tenta apropriar e um Ocidente que não os reconhece como iguais, e em que (também por isso) não se conseguem integrar.