É um conflito institucional que está a assombrar a tomada de posse do Governo de António Costa. A Assembleia da República tinha marcado a discussão sobre as medidas extraordinárias que alteram o corte na sobretaxa e nos salários da função pública para as 15 horas. Mas foi surpreendida com a marcação por Cavaco Silva da tomada de posse do novo Governo para uma hora depois. Muitos dos atuais deputados socialistas vão para o Governo (21 no total) e não podem estar nos dois sítios ao mesmo tempo.
O caso é este, mas já teve direito a críticas do PCP e de um vice-presidente da Assembleia da República e uma resposta oficial de Belém. Jorge Lacão, vice de Ferro Rodrigues, culpou o Presidente – e explicou que a conferência de líderes decidiu não alterar nada. Uma fonte da Presidência diz, por seu lado, que “uma cerimónia de posse de um Governo não é, obviamente, marcada unilateralmente pelo Presidente. É combinada com o primeiro-ministro a ser empossado”.
O assunto em debate é importante: as primeiras medidas de cariz orçamental do PS com o apoio dos partidos à esquerda: a redução da sobretaxa e a reposição faseada, no espaço de um ano, dos cortes salariais da função pública. Ora, à hora do início do debate, há 21 deputados do PS, – incluindo António Costa, Mário Centeno, oito outros ministros e doze secretários de Estado – que formalmente ainda são apenas deputados, mas para serem empossados ou faltam ao debate parlamentar ou saem a meio da discussão.
Apesar do imbróglio, os líderes parlamentares não chegaram a consenso para mudar ou adiar a sessão plenária. A sugestão chegou a ser feita pelo líder da bancada parlamentar do PCP, João Oliveira: “Consideramos que não é adequado haver uma tomada de posse sabendo que ia haver uma reunião plenária. E por isso sugerimos que a sessão plenária começasse mais tarde”, disse. A sugestão, no entanto, não foi acolhida pelo Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues. A verdade é que as outras bancadas não sugeriram o mesmo e a questão não se pôs.
Jorge Lacão, o vice-presidente socialista da AR, argumenta que não houve alteração da agenda com o “princípio da estabilidade da ordem do dia” que é como quem diz: foi marcada em conferência de líderes e por isso não foi alterada. Já em termos pessoais não esconde o desconforto com a decisão de Cavaco Silva: “Talvez tivesse sido prudente que o senhor Presidente da República tivesse levado isso em consideração”. De Belém, a resposta: “O Presidente, como é do conhecimento público, esteve reunido esta manhã com o dr. António Costa, após o que foi marcada a data e hora da referida cerimónia”. Não é dito, mas fica nas entrelinhas: se Costa é o líder da maioria e Ferro Rodrigues o Presidente da AR, a descoordenação passou pelos dois.
Miguel Santos, vice-presidente da bancada do PSD, afirmou ao Observador que é “normal” não haver suspensão dos trabalhos parlamentares, ainda que normalidade seja coisa que falta no atual tempo político. Certo é que não é habitual um governo tomar posse com a Assembleia já em pleno funcionamento.
O problema coloca-se sobretudo porque estes deputados não podem ser substituídos de imediato. Têm de apresentar a suspensão de funções e os substitutos têm de ser validados pela subcomissão de Ética, que terá de se reunir durante o dia de amanhã, para que quando na sexta-feira houver votação, os substitutos já estejam em plenas funções. O mesmo acontece com o regresso dos governantes atuais do PSD e do CDS, nomeadamente Passos Coelho e Paulo Portas. Ou seja, também eles têm de fazer o pedido para regressar e serem substituídos a tempo da votação de sexta-feira.