À medida que se aproximam as eleições mais adversas para o chavismo desde o seu início dem 1999, é possível que o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tenha um provérbio nacional na cabeça: “A guerra avisada não mata soldado — e se o matar é por descuido dele”. A batalha é no domingo, dia de eleições parlamentares — as primeiras que preveem uma derrota estrondosa do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

A sondagem da Venebarometro para as eleições de 6 de dezembro dá 27,6% das intenções de voto aos candidatos do chavismo e 42,7% aos 27 partidos da oposição de direita que se reúnem na Mesa da Unidade Democrática (MUD) — em 2010, o PSUV venceu com 48,1% dos votos, seguido de perto pela MUD com 47,2%. A confirmarem-se os estudos de opinião, não só há uma inversão de poderes no parlamento venezuelano, como a diferença entre os dois blocos se acentua.

Maduro já está avisado para a guerra — e até já começou por admitir a possibilidade de derrota. “Se se der o pesadelo de perdermos, a revolução adquiriria novos caminhos e um novo carácter”, disse no seu programa de televisão semanal, Contacto con Maduroum spin-off do Alo Presidente de Chávez, onde, atrás das costas de Maduro, aparece uma figura em tamanho real do ex-Presidente. Que novos caminhos são esses? “Se perdermos as eleições, a revolução continua e vamos passar à luta a partir da rua”, disse o sucessor de Chávez, que morreu em 2013.

contactoconmaduro

No programa semanal “Contacto con Maduro”, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, dirige-se durante mais de duas horas à nação. As referências a Chávez são mais do que frequentes.

É uma afirmação emblemática em duas dimensões. Primeiro, porque é admitida uma derrota ainda antes de ela chegar — algo raro em Maduro. Depois, porque é feita uma promessa de combate contra a nova ordem parlamentar que pode vir a surgir depois de domingo — as sondagens não colocam de lado uma maioria absoluta da oposição. A batalha entre o parlamento e o Presidente (a Venezuela funciona num sistema presidencialista) poderá resultar numa divisão ainda maior na população, dividida entre chavistasescuálidos, como são conhecidos os apoiantes da oposição.

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Existe, porém, algo que reúne consenso entre a maior parte dos venezuelanos: a insatisfação.

85% de insatisfeitos com o rumo do país

A Venezuela e o chavismo vivem tempos de dificuldades ímpares. Depois de beneficiar dos preços elevados do petróleo (em junho de 2014 um barril custava 115 dólares), a queda do preço do crude para menos de 40 dólares está a ter graves consequências na economia deste país, que está entre os 15 maiores produtores de petróleo do mundo. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro deste ano, “está previsto a Venezuela entrar numa recessão profunda em 2015 e em 2016 (-10% e -6% de crescimento, respetivamente), por causa da queda do preço do petróleo desde junho de 2015”. Além disso, o FMI prevê que a inflação em 2015 fique “bem acima dos 100%”.

O resultado prático destes números é o descontentamento dos venezuelanos, também ele ímpar desde os primeiros dias de Chávez, segundo um estudo de opinião divulgado na quinta-feira pelo Pew Research Center. Dos 1 000 entrevistados, 85% disseram estar “insatisfeitos com o rumo do país, contra 14% de pessoas que disseram estar “satisfeitas”. E torna-se claro quais são os principais problemas do país, segundo a opinião dos inquiridos, naquilo que mais parece um elencar do calvário da Venezuela de 2015: 92% queixam-se da subida de preços (estima-se que o país tenha a taxa de inflação mais alta do mundo); 85% da falta de oportunidades de emprego; 84% da escassez de bens básicos; 82% da criminalidade (a Venezuela tem a segunda maior taxa de homicídios no mundo, a seguir às Honduras) e 78% da dívida pública.

People queue up outside a supermarket in Caracas on January 20, 2015. Venezuela suffers from shortages of nearly a third of all basic goods, inflation that ballooned to 64 percent in 2014 and a recession triggered in part by a scarcity of hard currency that limits imports of essential goods. AFP PHOTO/FEDERICO PARRA (Photo credit should read FEDERICO PARRA/AFP/Getty Images)

As filas para o supermercado tornaram-se parte do quotidiano na Venezuela. (FEDERICO PARRA/AFP/Getty Images)

Uma das concretizações do mau momento atravessado pela economia venezuelana, que tem dificuldades em importar produtos, é a escassez de bens de primeira necessidade. Assim, as filas em frente aos supermercados passaram a fazer parte do dia-a-dia na Venezuela — e também num dos maiores instrumentos de descontentamento contra o governo de Nicolás Maduro. Por sua vez, o chefe de Governo acusa os grandes supermercados de terem escondido produtos nos últimos dias, de modo a influenciarem a votação de domingo. Assim o fez no seu último programa semanal, dirigindo-se a Lorenzo Mendoza, o empresário mais rico da Venezuela:

Não serves para nada, Lorenzo Mendoza. És um diabo. E a cada diabo um dia chega a sua água benta. És um diabo, rapaz, um burgês (…). Dirigiu esta campanha toda para esconder os produtos do povo. Ah, mas a cerveja nunca falha. Nunca falha, Lorenzo Mendoza. Diabo.”

Na mesma comunicação, dirigindo-se aos “irmãos e compatriotas” que o escutam, anunciou que após investigações dos serviços secretos mandou prender gerentes de alguns supermercados. “Estavam cheios de produtos, mas estavam umas 100 pessoas do lado de fora, sofrendo. Aplicam a técnica de organizar filas para fazer sofrer o povo e gerar mais filas. É uma técnica psicológica que aplicam estes bandidos, estes burgueses”, disse. “Já está preso o gerente do supermercado que ontem fechou as portas ao povo aqui em Guarenas. Eu não me importo, vão chamar-me de ditador, mas vou impor a lei para que se respeite o povo. Já basta.”

Político da oposição assassinado em vésperas de eleições

Ainda assim, as detenções e prisões que mais têm marcado a antecipação destas eleições parlamentares na Venezuela têm sido as de políticos de topo da oposição. O nome mais sonante de todos é o do dirigente de direita Leopold López, que em setembro deste ano foi condenado a quase 14 anos de prisão por ter convocado uma manifestação que resultou em confrontos com a polícia e na destruição de propriedade estatal, em fevereiro de 2014. López foi detido logo após essa manifestação e o seu julgamento decorreu à porta fechada.

Além das prisões e detenções, houve também os casos dos políticos da oposição que foram impedidos de se candidatarem a um lugar no parlamento. Foi assim com María Corina Machado, também ela uma figura de proa na oposição mais radical a Chávez, que segundo a Human Rights Watch foi impedida pelos tribunais de ir a votos por não ter incluído senhas de racionamento na sua declaração de rendimentos — falha que a própria nega.

Mais extremo foi o assassinato de Luis Manuel Díaz, secretário-geral do partido Ação Democrática, que faz parte da MUD. O ativista da oposição foi morto a tiro a 25 de novembro, enquanto participava numa ação de campanha.

Rapidamente o homicídio de Díaz se tornou num assunto político, a menos de duas semanas das eleições. Nicolás Maduro foi rápido a falar da investigação: “O ministério de Interior recolheu indícios fortes de que o que se passou foi um confronto entre gangues criminosos rivais”.

A reação não se fez tardar. A Organização de Estados Americanos (OEA), que, ao contrário do que tem sido comum nas outras eleições venezuelanas, não vai poder observar o decorrer da votação de domingo, falou de “uma estratégia que procura amedrontar a oposição”. E dos EUA surgiu um comunicado oficial:

“Este foi o golpe mais mortífero entre os ataques e atos de intimidação dirigidos aos candidatos da oposição. Apelamos ao Governo da Venezuela para proteger todos os candidatos políticos e apelamos ao Conselho Nacional Eleitoral que assegure que esta campanha é conduzida de forma a encorajar a uma participação plena por parte do povo venezuelano. Além disso, dizemos que campanhas de medo, violência e intimidação não têm lugar na democracia.”

Maduro respondeu às acusações em mais um discurso perante uma plateia de apoiantes: “Não podemos chegar a uma conclusão precipitada. E não vamos aceitar qualquer tipo de provocação”.