Durante a campanha para as eleições legislativas, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa falaram inúmeras vezes e um e outro deixaram escapar essa informação. Na campanha para as presidenciais, o candidato nunca negou que falava com o primeiro-ministro, apenas que “não fazia sentido” que o fizesse. O que quer isto dizer? Que a relação entre os dois começou ainda nem um nem outro tinham sido eleitos e que Marcelo se esforçou para pôr a mão por baixo do Executivo de António Costa sempre que pôde. Até quando? Pelo menos, de intenções estão agora Belém e São Bento cheios.
Nos 15 dias de campanha eleitoral, Marcelo fez questão de suportar o Governo cada vez que falou sobre os assuntos do dia a dia, mas também em alguns dos discursos. E quando não defendeu abertamente a posição de António Costa, preferiu não espetar farpas e defender consensos e compromissos. Foi assim sobre as 35 horas, sobre o Banif, sobre a estabilidade financeira, sobre o Orçamento do Estado ou mesmo sobre as pressões de Bruxelas. Mas também sobre as políticas para a Educação, terceiro setor ou equilíbrio justiça social/estabilidade financeira. Se na campanha se procurasse um tema fraturante, não se encontrava um. Marcelo encostou-se ao Executivo, disse que ser Presidente não era ter “programa de governo”. Ou seja, preferiu conter o discurso antes para não ter de se contradizer no futuro.
No discurso de tomada de posse, Marcelo seguiu a mesma bitola, garantindo em Belém estabilidade para São Bento. Disse que o Presidente eleito queria que “o Governo governe com eficácia e com sucesso” e que a oposição seja “ativa e representativa”. Mas mais, traçou alguns desígnios para o futuro que passam por muita “convergência” e muito “compromisso”, tudo em nome de cinco anos que não sejam “tempo perdido”.
No curto discurso, Marcelo deu apenas um toque ao Governo que fez exultar muitos dos partidários sociais-democratas presentes no átrio da Faculdade de Direito. Foi quando garantiu que uma das ideias será a de garantir equilíbrio entre justiça social e estabilidade financeira: Que “não se comprometa a solidez financeira pela qual tantos portugueses se sacrificaram”, disse.
A relação entre os dois continua agora ao mais alto nível, sendo certo que fizeram gáudio dos compromissos a que chegaram no passado. Durante a campanha das legislativas, Costa puxou dos galões para falar dos inúmeros compromissos que tinha feito no Governo de Guterres. Marcelo falou dos compromissos que fez quando era líder da oposição. Não disseram que os compromissos tinham sido feitos um com o outro, mas querem repeti-los agora.
Prova disso foi não só o discurso de Marcelo, mas a reação de António Costa. O primeiro-ministro foi rápido a mostrar “máxima lealdade e a plena cooperação institucional” com o Presidente eleito. Mais, ou melhor, muito diferente, do que tinha feito com Cavaco Silva quando tomou posse como primeiro-ministro.
Se a relação entre Marcelo e Costa promete ser próxima, o mesmo não se pode dizer da relação Marcelo-PS. Os recados ao Presidente eleito saíram da boca de Ana Catarina Mendes. A secretária-geral adjunta falou no Rato para dizer que “o professor Marcelo Rebelo de Sousa não era o candidato preferido dos socialistas” e lá deixou o pedido para que Marcelo “saiba agora corresponder aos compromissos que assumiu com os portugueses, sendo um Presidente de todos, independente e próximo dos cidadãos”.
A relação institucional só começa daqui por um mês, mas os dois já fizeram juras um ao outro à partida. António Costa tem agora dois casos de amor por gerir: o Governo apoiado pela esquerda, onde pode vir a ter problemas conjugais com o PCP, que será agora uma incógnita depois dos resultados eleitorais; e os primeiros tempos da relação com o novo Presidente da República.