Os socialistas saem das jornadas parlamentares com a intenção de mostrar que o partido tem vida própria além do Governo e que não se funde nos apoios do PCP e do Bloco de Esquerda. Tarefa difícil quando o Parlamento discute na segunda e terça-feira o Orçamento do Estado, que deverá ser apoiado pelos parceiros que apoiam o Governo. Mas em dois dias de discussão, raras foram as referências aos partidos da esquerda e mais foram os ataques ao PSD. No final, fica a declaração de Ana Catarina Mendes em jeito de conclusão: este Governo “não significou que o PS perdesse a sua identidade. É bom que tenhamos sempre presente que o programa que está a ser executado pelo Governo é o programa com que o PS se apresentou nas eleições”.
Na prática, esta vontade do PS vai concretizar-se nos “fins de tarde no Largo do Rato”, conferências do PS sobre variados temas e que servirão para o partido se preparar além Governo. Já em março, António Guterres será o convidado. Guterres que não esteve neste encontro de parlamentares socialistas, aliás, em vez disso, esteve nas jornadas do PSD.
Depois destas jornadas parlamentares, nas quais António Costa não participou por ter ficado retido em Bruxelas por causa do prolongamento do Conselho Europeu, o partido esforçou-se para mostrar que quer estar mais próximo dos eleitores. Já está o PS em campanha? A avaliar pela especificidade dos dois dias de jornadas e por um jantar comício que juntou 672 pessoas, pode dizer-se que (pelo menos) está a aquecer as máquinas para isso.
Mas não foi apenas na forma que o partido deu mostrar de se estar a preparar para o que der e vier. Nos discursos ao longo dos dois dias notaram-se duas tendências: a de ataque, mesmo que sem a violência de outros tempos, ao PSD (quanto ao CDS, já lá vamos); e as parcas referências aos parceiros que apoiam o Governo, desvalorizando até as iniciativas que estes apresentaram logo no arranque da reunião dos deputados socialistas.
Parte 1 – O principal alvo de críticas dos socialistas foram os sociais-democratas. Na verdade, houve referências à “direita” e ao “anterior Governo”, mas sempre que houve referências isoladas foi ao ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, ou ao líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro. O CDS? Não chegou a ser mencionado.
Carlos César, o líder parlamentar do partido, foi dos primeiros a falar para lançar o mote: responder às crítica de asfixia democrática pelos ataques ao Governador do Banco de Portugal, devolver na mesma moeda relembrando a guerra do anterior Governo com o Tribunal Constitucional e fechando a porta a “alianças” com os sociais-democratas.
“Chamaram-nos de vergonhosos – já é tempo de falarmos mais e melhor uns com os outros. Não queremos – é bom que saiba e se reafirme – não queremos nem propomos ao PSD alianças ou conjugações espúrias, apenas espreitamos a oportunidade que nos deram se eles determinarem a sua condita pelo interesse nacional e melhorarem a sua conduta democrática”.
“É normal e natural pedir uma solução rápida. O que não é normal nem natural, nem próprio de um Estado direito e revela falta de cultura democrática, foi afrontar o Tribunal Constitucional nestes últimos anos”, disse.
Mas o ataque mais cerrado acabaria por sair do eurodeputado Pedro Silva Pereira que na primeira tarde de debate acusou a direita de “agir na sombra” para prejudicar o país, dando como exemplo a posição do eurodeputado do PSD, José Manuel Fernandes, sobre o plano de investimento de Jean-Claude Juncker e a “chuva de telefonemas” a pressionar a agência de rating DBRS. Entretanto, o social-democrata respondeu às acusações dizendo que Silva Pereira mentiu.
Para terminar, foram os “números dois” de António Costa, Ana Catarina Mendes no partido, e Augusto Santos Silva no Governo, a apontar baterias, sobretudo ao PSD. A secretária-geral adjunta do PS puxou das críticas ao primeiro-ministro acusando-o de se esquecer do que fez nos últimos quatro anos: “O ex-primeiro-ministro deve sofrer e amnésia, quando pede melhores condições para os portugueses. Seria para rir se não fosse tão trágica a marca de retrocesso social que imprimiu em Portugal nos últimos quatro anos”.
Já Augusto Santos Silva também falou de esquecimentos, mas de contas. “Não consigo esconder a minha perplexidade. Qual a autoridade daqueles que falharam todos os objetivos orçamentais para falarem agora dos nossos objetivos orçamentais?”.
Parte 2 – Se a tentativa de posicionamento de frente oposta ao PSD é prática corrente, foi de admirar as poucas vezes que nas jornadas se falou dos parceiros de Governo, PCP, Bloco de Esquerda e PEV. Objetivo: mostrar autonomia e o trabalho do partido. Aliás, foi o próprio líder parlamentar que insistiu na ideia que as jornadas poderiam até ter escolhido temas menos mediáticos, mas que serviriam para o partido mostrar com o que se preocupa.
O BE e o PCP até foram os causadores do primeiro dissabor noticioso para o PS logo no arranque das jornadas. No jornal i saiu a notícia da aprovação de um documento interno da fação de Catarina Martins que colocava dúvidas na aprovação do Orçamento do Estado para 2017 se não houvesse uma renegociação da dívida e que dizia que o PS não poderia mais desculpar-se com a Europa. E o PCP apresentou a meio da manhã uma iniciativa para relançar a discussão sobre a renegociação da dívida.
Ora a renegociação da dívida foi sempre um tema de difícil gestão para António Costa, que tem no seu núcleo duro alguns membros que apoiam um tipo de reestruturação da dívida. O primeiro-ministro defende que possa haver uma renegociação, mas sempre apontou uma solução para o plano europeu, nunca unilateral. Contudo, a decisão dos socialistas foi a de não dar gás ao assunto e desvalorizaram as iniciativas. Como dois parlamentares do PS diziam ao Observador, foram movimentações dos dois partidos da “guerra” entre eles à qual o PS quer ser alheio.
Houve referências, mesmo que ligeiras, à responsabilidade dos dois partidos e de como “entendem” a decisão do PS neste último Orçamento do Estado, como disse Carlos César, mas pouco mais. Nestas jornadas, o PS quis reunir as tropas para se certificar que o partido não se perde no meio do Governo apoiado pelos três partidos da esquerda. “O acordo com os três partidos não significou que o PS perdesse a sua identidade. É bom que nós socialistas tenhamos sempre presente que o programa que esta a ser executado pelo Governo é o programa com que se apresentou a estas eleições legislativas e o Orçamento, que é o principal instrumento de uma governação, é ao mesmo tempo um exercício de escolhas, assim como governar é um exercício de escolhas. Estas escolhas têm de cumprir em primeiro lugar a história do PS aquilo que o PS defende, o compromisso do PS com os seus eleitores”, disse Ana Catarina Mendes.
Mas se em primeiro lugar defende o que defende o PS, depois, há a certeza que será para a legislatura se não descurar o equilíbrio interno e externo: “Não pode esquecer que no atual quadro, esse desafio tem de ser cumprido com aqueles que aceitaram o desafio e connosco colaboram nesta governação para uma legislatura. Mas também o compromisso com a Europa”, referiu.
As próximas jornadas do PS serão em junho, nos Açores. Até lá, o partido tem de fazer passar o Orçamento do Estado para este ano que começa a ser discutido amanhã, segunda-feira, o Plano de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, discutidos em abril.