A contratação de Maria Luís Albuquerque pela Arrow Global motivou uma chuva de críticas da esquerda à direita da política portuguesa. Jorge Machado, do PCP, falou em questão de legalidade duvidosa; Catarina Martins, do Bloco, descreveu a situação como “inaceitável”; Marques Mendes, por sua vez, falou em “tiro no pé”. Mas seriam Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das Finanças e antiga líder social-democrata, e Carlos César, presidente do PS, a lançarem-se com mais dureza a Maria Luís: “Um bocadinho de bom senso“, pediu a primeira; “é no mínimo embaraçoso“, criticou o segundo. Curiosamente, no entanto, os dois já foram alvo de críticas por motivos semelhantes.

Confrontada com as semelhanças entre o seu caso e o caso de Maria Luís Albuquerque, Manuela Ferreira Leite rejeita comparações. Ao Observador, faz questão de lembrar que agiu em conformidade com a lei, ao mesmo tempo que descarta a hipótese de ilegalidade na contratação de Maria Luís pela Arrow Global.

O que aqui está em causa, insiste Ferreira Leite, é o curto período de tempo entre uma função e outra – e não as novas funções da antiga ministra. “Uma pessoa não pode deixar de trabalhar o resto da vida“, justifica, em declarações ao Observador. Ou seja, Maria Luís podia ter assumido as mesmas funções, mas devia ter esperado mais tempo, defende.

Em 2006, dois anos depois de deixar o cargo de ministra das Finanças de Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite foi contratada pelo Santander para ocupar o cargo de administradora não-executiva do banco espanhol – exatamente a mesma natureza do cargo que agora Maria Luís vai ocupar na Arrow Global.

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Na altura, a contratação de Ferreira Leite motivou especial polémica porque, pouco antes de deixar o cargo, no verão de 2004, o ministério das Finanças concedera um regime de neutralidade fiscal à reestruturação do grupo Totta. A ex-líder social-democrata defendeu-se sempre, lembrando que o cargo era não-executivo. O caso acabaria por ser esquecido e, um ano depois de ter entrado no banco, a social-democrata deixaria o cargo para liderar o PSD.

O caso de Carlos César é mais recente. Durante mais de um ano – janeiro de 2014 a junho de 2015 -, o ex-presidente do Governo regional dos Açores foi consultor da Globestar Systems Unipessoal, Lda., uma empresa detida pela Globestar System Inc., controlada pelo português David Tavares – um empresário com boas relações naquela região autónoma.

Acontece que a Globestar conseguiu seis contratos contratos por ajuste direto com entidades públicas açorianas – dois desses contratos foram celebrados durante o período em que Carlos César foi presidente do Governo Regional – 1996 a 2012.

O primeiro, de setembro de 2010, foi celebrado entre o Serviço de Proteção Civil e de Bombeiros dos Açores e a Globestar Systems Unipessoal, para “fornecimento e implementação do sistema integrado de gestão de avisos e alertas”. O outro chegaria mais tarde, em fevereiro de 2011, e foi celebrado entre a Saudaçor (empresa de gestão de recurso e equipamentos de saúde dos Açores) e a mesma empresa de Daniel Tavares – em causa, esatava a aquisição de uma plataforma de comunicações. Os dois contratos custaram qualquer coisa como 130 mil euros.

Depois de iniciar funções na empresa, a Globestar (a holding e a subsidiária) conseguiria mais dois contratos com entidades públicas dos Açores: o primeiro, assinado em janeiro de 2014, foi acertado com a Secretaria Regional do Turismo e Transportes e passava pela aquisição e instalação de uma plataforma alarmística no valor de 33 mil euros. Ainda com Carlos César como consultor, a empresa conseguiria um novo contrato por ajuste direto, desta vez com a autarquia de Ribeira Grande. A implementação de um sistema de comunicações entre reservatórios em baixo custaria 70 mil euros.

As novas funções de Carlos César fizeram notícia no jornal Sol a 25 de fevereiro de 2014. Nessa altura, e segundo a mesma publicação, o socialista preferiu não comentar o caso. Na última quinta-feira, no mesmo dia em que o presidente do PS se pronunciou sobre o caso “Maria Luís Albuquerque”, o Observador tentou obter um comentário junto de Carlos César sobre esta mesma questão – e também não obteve resposta.

A relação anterior entre a Globestar e Carlos César acabaria por ser notícia no Diário de Notícias (link para assinantes) e motivaria uma reação oficial emitida pelo gabinete de imprensa do PS. Os socialistas acabaram rejeitar qualquer comparação entre um caso e outro e lembraram o percurso de César. “É simplesmente ridículo comparar a situação profissional que Carlos César teve com a situação da ministra cessante das Finanças.”

Depois de sair do governo regional, onde esteve 16 anos, o antigo presidente recusou ofertas de trabalho de pelo menos duas empresas privadas regionais com as quais o governo tinha desenvolvido relações de proximidade” e ainda que Carlos César – cujo último mandato no executivo regional terminou em outubro de 2012 – não teve funções que se reportassem à atividade da Globestar (onde esteve entre janeiro de 2014 e junho do ano passado) no arquipélago”, esclarecem os socialistas.

As explicações do PS não se ficam por aqui. “A relação profissional que manteve no período indicado não tem, evidentemente, qualquer relação com os reduzidíssimos negócios da empresa nos Açores, nos quais evidentemente não interferiu nem tinha que interferir, nem representou alguma vez qualquer conflito de interesses (…) [A Globestar é uma] propriedade e gerida por um açoriano [David Tavares] residente no Canadá, presente em países de vários continentes com negócios de milhões de dólares [e] tem cerca de 40 funcionários jovens qualificados nos Açores que monitorizam aplicações da empresa fora do arquipélago”.

Mais, reiteram os socialistas: “A generalidade das empresas tem relações com as administrações, incentivos ou negócios. É importante e inevitável num meio como os Açores”.

Os casos Coelho e Gaspar

Além de Manuela Ferreira Leite, Carlos César e, agora, Maria Luís Albuquerque, há mais casos de ex-governantes, cuja carreira pós-ministerial foi escrutinada e alvo de críticas. Jorge Coelho, por exemplo, foi ministro do Equipamento Social até 2001, ano em que se demitiu por causa da tragédia de Entre-os-Rios. Sete anos depois, em 2008 – bem depois de ultrapassado o período de nojo – o socialista tornar-se-ia presidente executivo da Mota-Engil, uma construtora que celebrara vários contratos com o Governo de António Guterres.

Outra mudança que motivaria críticas foi a de Vítor Gaspar para o FMI. O ex-ministro das Finanças de Pedro Passos Coelho demitiu-se do cargo no verão quente de 2013. Menos de um ano depois, Gaspar voava para o FMI para ser diretor do departamento de assuntos orçamentais da instituição. Apesar de legal, a contratação causaria mal-estar pelo facto de Gaspar assumir um cargo numa das instituições com quem teve de negociar durante a intervenção da troika, em Portugal.