O WikiLeaks divulgou a transcrição de uma teleconferência interna entre o diretor europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI), Poul Thomsen, e a chefe da missão na Grécia, Delia Velculescu, que está a agitar a imprensa financeira neste sábado. E o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, já convocou um conselho de ministros extraordinário para saber como reagir. Na conversa, os dois responsáveis do FMI aparecem a admitir a saída do FMI da troika e a admitir que se deixe chegar a Grécia perto de “um default” (um incumprimento na dívida) para que a Europa tome, finalmente, uma decisão sobre o perdão de dívida.
Já não é novidade que a Comissão Europeia e o FMI não se entendem, há vários meses, sobre as reformas a aplicar na economia grega e, sobretudo, sobre o perdão da dívida grega (aos fundos europeus) que o FMI exige para continuar a bordo dos resgates financeiros a Atenas. Mas a revelação desta teleconferência – cuja autenticidade não foi confirmada oficialmente – ilustra a gravidade do impasse e, também, mostra os meios até onde o FMI parece estar disposto a ir para forçar uma solução.
A conversa teve lugar a 19 de março, mas só este sábado foi revelada pelo WikiLeaks, um portal de publicação de informações e documentos confidenciais. Os responsáveis do FMI aparecem a falar sobre a melhor forma de fazer pressão sobre a Europa — leia-se, sobre a Alemanha — para que possa ter lugar, finalmente, uma reestruturação da dívida que Atenas tem junto dos fundos europeus. Só com essa reestruturação, advoga o FMI, a dívida grega pode considerar-se sustentável — condição essencial para que o fundo entre com dinheiro para o resgate.
Do outro lado está o governo alemão. São bem conhecidas as suas posições contrárias a que essa reestruturação aconteça nesta fase. Contudo, ao mesmo tempo, o governo alemão não aceita participar nos resgates à Grécia sem que o FMI esteja envolvido. O impasse é este — e a solução equacionada por Poul Thomsen, do FMI, é esta (segundo a transcrição):
Algo que penso que já deveria ter acontecido por esta altura, e estou surpreendido que não tenha acontecido, é que, por causa da situação dos refugiados, eles tomem uma decisão que permita chegar a uma conclusão. Ok? E os alemães falam na questão da gestão… e nessa altura nós dizemos-lhes ‘ouça, Sra Merkel, a senhora enfrenta uma decisão. Tem de pensar sobre o que é que é mais prejudicial: seguir em frente sem o FMI — e aí o Bundestag [parlamento alemão] vai perguntar porque é que o FMI não está a bordo ou, então, optar pelo alívio da dívida que nós achamos que a Grécia precisa para que nós continuemos a bordo‘. Certo? A questão é essa.”
Poul Thomsen mostra-se, contudo, pouco confiante de que isto seja suficiente para forçar uma decisão rápida por parte da Alemanha, sobretudo tendo em conta o referendo britânico à permanência na UE, marcado para junho. “O debate sobre as medidas e sobre a dívida pode durar uma eternidade, até que alguém lá em cima… até se chegar ao reembolso de julho ou até que os líderes decidam que precisam de chegar a uma conclusão”.
O que é que vai fazer com que todas as partes cheguem a um ponto de decisão? No passado, só houve uma ocasião em que uma decisão foi tomada e foi quando estavam a ficar sem dinheiro e prestes a cair em default [incumprimento em dívida]. Correto?
Esta será uma referência às tensões graves vividas no verão passado, quando a Grécia já vivia sob controlos de capitais e convocou o referendo de 5 de julho para que os cidadãos se pronunciassem sobre o resgate europeu. O “não” venceria mas Alexis Tsipras viria a assinar o terceiro resgate, confrontado com um Tesouro público cada vez mais vazio.
Na resposta a Thomsen, Delia Velculescu, a chefe da missão em Atenas, diz: “concordo que precisamos de um evento, mas não sei o que esse evento poderá ser”. A responsável, que se refere ao atraso nestas negociações como “um desastre“, assinala que os gregos já têm feito alguns progressos nas reformas com que se comprometem. A isto, Thomsen responde de forma seca: “Os gregos não estão nem perto de aceitar as nossas opiniões“.
Atenas já reagiu. “O governo grego está a exigir explicações ao FMI sobre se criar condições para um default na dívida na Grécia, pouco tempo antes do referendo no Reino Unido, corresponde à posição oficial do fundo”, afirmou uma porta-voz do governo de Alexis Tsipras em comunicado.