A Comissão Europeia, no seu Boletim da Primavera conhecido esta terça-feira, não acredita nas contas do Governo e não só espera que o défice orçamental este ano seja maior em 0,5% do PIB, mas mesmo que o esforço de consolidação orçamental este ano não exista, deixando Portugal mais desprotegido quando os países da União Europeia avaliarem se avançam com sanções contra Portugal por falhar metas.
O aviso já tinha sido deixado. Em maio a Comissão Europeia iria finalmente avaliar os números de Portugal já contando com os dados do Orçamento do Estado e com as medidas e projeções do Programa de Estabilidade, sendo a partir daí que o processo se iria desenrolar. Nas previsões hoje conhecidas, a Comissão Europeia mostra as suas reservas e deixa Portugal ainda mais a descoberto.
Em fevereiro, sem as medidas finais que foram acordadas com Bruxelas no âmbito das negociações do Orçamento, a Comissão projetava um défice de 3,4%, muito longe do objetivo. O Governo negociou e prometeu um défice de 2,2%. Agora, a Comissão Europeia reviu os números e mostrou o seu ceticismo: o défice orçamental, com as medidas que se conhecem, não ficará abaixo de 2,7%, longe dos 2,2% que o Governo espera. Ou seja, o objetivo do ano passado que não esteve sequer perto de ser cumprido, graças ao Banif, mas não só.
A história complica-se quando olhamos para as previsões relativas ao saldo estrutural, o indicador para que Bruxelas mais olha (e que Portugal, mas não só, mais contesta). Para aprovar o orçamento no colégio de comissários e evitar que se pedisse uma revisão da proposta ainda antes de ela ser aprovada – o que seria inédito –, a Comissão exigiu mais medidas para compensar os desvios. Nas negociações, que decorreram entre o final de janeiro e o início de fevereiro, o Governo acordou em aumentar mais impostos como os sobre os combustíveis e deixou cair a redução da TSU para os rendimentos mais baixos.
O acordo alcançado na altura era frágil. Portugal teria passado à risca, e literalmente à última hora, naquele primeiro teste porque a diferença entre as regras e o prometido era inferior a 0,5%. Mas já aí as duas partes tiveram um pequeno ‘arrufo’ público, com Bruxelas e Portugal a apresentarem contas diferentes: Portugal dizia que reduzia o défice estrutural em 0,3% do PIB potencial, mas Bruxelas dizia que o esforço de consolidação não valia mais que 0,1% a 0,2%.
A diferença é agora maior. Bruxelas refez as contas e diz que, considerando as previsões que agora apresenta – e o desempenho da economia tem influência nestas contas –, Portugal não vai reduzir o défice estrutural como obrigam as regras europeias, mas sim aumentá-lo de 2% para 2,2%. Outra vez. Aos olhos de Bruxelas, a situação é ainda pior: “Na ausência de medidas de consolidação adicionais suficientemente detalhadas, espera-se que o saldo estrutural continue a deteriorar ligeiramente”. O agravamento pode chegar ao meio ponto percentual, porque Bruxelas espera que em 2017 o défice estrutural se agrave novamente, o que seria o terceiro ano consecutivo.
Acresce que a Comissão Europeia vê riscos a estas contas e na sua maioria apontam para cenários ainda mais negativos. A incerteza que envolve o cenário macroeconómico, eventuais derrapagens nas contas pública e falta de acordo no Parlamento sobre medidas de consolidação adicionais já para este ano e também para o próximo ano, estão entre os riscos que mais preocupam Bruxelas.
Economia cresce menos
Era um aviso que já tinha sido feito antes e que volte a ser sublinhado. A economia não vai crescer tanto como esperava o Governo. Agora, depois das previsões de fevereiro, a Bruxelas espera que a economia cresça ainda menos, ou seja, apenas 1,5%, menos uma décima que o previa em fevereiro e menos três décimas que os 1,8% que o Governo continua a prever para este ano (valor que não foi revisto no Programa de Estabilidade).
E porque está a Comissão mais pessimista? A maior parte dos indicadores que medem o investimento contraíram ainda mais no início do ano, com exceção da venda de maquinaria pesada e da confiança na construção, e por isso Bruxelas vê o investimento a desacelerar para 2% este ano.
Esta queda, que está a prejudicar as contas do PIB, deve-se, aos olhos de Bruxelas, ao efeito de arrastamento para este ano de um mais baixo investimento que o esperado em equipamento e maquinaria na segunda metade do ano passado, mas também ao frágil ambiente externo e à atual volatilidade dos mercados financeiros.
Também aqui os riscos são que um cenário mais negativo se venha a concretizar, ou seja, que a economia venha a crescer ainda menos devido a incerteza no enquadramento político, dos desenvolvimentos nos mercados financeiros e da persistente pressão sobre o setor privado para continuar a reduzir o seu endividamento.
Em 2017, as diferenças quando à previsão do Governo já são menores – apenas uma décima abaixo, nos 1,7% do PIB -, com a Comissão a esperar que o ritmo de crescimento do investimento volte a ganhar força, graças aos fundos estruturais e a melhorias das condições de financiamento.
Aumento dos impostos indiretos penalizam crescimento
Uma das maiores diferenças nas contas da Comissão Europeia face às do Governo está na componente de consumo privado. Com as medidas de recuperação de rendimento colocadas em prática já este ano, como é o caso da eliminação dos cortes salariais na Função Pública e de parte da sobretaxa este ano (eliminação total em 2017), o Governo espera que o consumo privado cresça 2,4%, não tanto como no ano passado, mas não muito longe dos 2,6% conseguidos.
A Comissão Europeia não concorda e faz uma previsão significativamente mais pessimista, esperando um crescimento de apenas 1,8% este ano e avisa que esta diminuição do ritmo de crescimento deve-se ao aumento dos impostos indiretos e de uma recuperação ligeira dos preços da energia.
Este era um aviso que já tinha sido feito pelo Conselho das Finanças Públicas, que na sua análise ao orçamento dizia que não parecia que o Governo tinha tido em conta o impacto de abstenção de consumo do aumento de impostos indiretos, como foi o caso do aumento dos impostos sobre os combustíveis e sobre o tabaco.
(Artigo atualizado às 10h29)