São os passes feitos por João Mário, os dribles de Gaitán, os desarmes de Danilo Pereira ou os remates de Jonas. É a forma como o Benfica bate os cantos ou a maneira como o Sporting os defende. Já imaginou o tempo que um treinador passa à volta de estatísticas e vídeos — da sua equipa, dos adversários e até de potenciais contratações? Peguemos em Jorge Jesus, treinador do Sporting, apenas como exemplo. “Vive futebol 24 horas por dia, está sempre a ver jogos, a tirar notas”, diz quem com ele trabalhou. Será o único?

André Rocha, 33 anos, praticou desporto federado em futsal e andebol. Conheceu de perto os treinadores que passavam horas infindáveis a analisar jogos e jogadores – o mesmo vídeo, do mesmo jogo, a ser repetido várias vezes. Primeiro para recolher estatística individual, depois para analisar partes coletivas, procurar padrões, detetar as partes boas e as más, analisar adversários. Formado em Engenharia de Telecomunicações e Informática pelo ISCTE, há um dia em que questiona: e se fosse possível informatizar todo este processo, tornando-o mais rápido e mais eficiente?

Pôs mãos à obra. Juntamente com o ex-colega José Maria Reffóios começou a desenhar a plataforma que dois anos depois se tornaria na VideObserver, a startup que hoje vende serviços a 2200 utilizadores, de 39 países diferentes, e que acaba de abrir o primeiro escritório nos Estados Unidos, em Chicago. Quer ser “o braço direito dos treinadores, analistas e dos clubes” desportivos por esse mundo fora. Facilitar-lhe a vida e fazer com que poupem tempo.

A história é contada por Fernando Sousa, 48 anos, que se juntou mais tarde à empresa e hoje desempenha funções de Chief Strategy Officer (CSO). Estava a trabalhar na Samsung Portugal quando conheceu o projeto de André Rocha e José Maria Reffóios. Estavam ambos a desenvolver o que viria a ser a Video Observer na Digisource, a empresa de informática que fundaram em 2004, depois de saírem da faculdade. A paixão da informática e a paixão do desporto só se encontraram oito anos depois e Fernando Sousa quis participar dela. “Achei giríssimo. Fartei-me [do que fazia] e mandei-me de cabeça”, diz.

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Fernando Sousa, “chief strategy officer” da Video Observer

Os três trabalham hoje com 17 colaboradores numa startup que oferece a clubes, analistas e treinadores um software para integração de vídeos e dados estatísticos, manualmente, que agrega e monitoriza a informação que é ali colocada — dos passes às fintas. Mas nem só do desporto rei vive a VideObserver. O software também pode ser aplicado a desportos como o andebol, futsal, hóquei em patins e basquetebol. O Benfica, por exemplo, utiliza o software para as modalidades de pavilhão.

Os vídeos e os dados estatísticos são inseridos na plataforma pelos clientes: “Vendemos a plataforma completamente vazia”, sublinha Fernando Sousa. Esta reproduz os dados em gráficos e relatórios, a que os clientes (que incluem clubes como o Sporting, Benfica, Sporting de Braga ou Atlético de Madrid, e treinadores como José Peseiro e Carlos Carvalhal) podem aceder para várias modalidades. Tudo feito no digital, porque “permite acelerar brutalmente o trabalho de preparação” dos treinos e dos jogos.

É uma ferramenta para fazer recolha de dados de performance e relacioná-los com o vídeo. O que permite ao treinador, depois, ir construindo uma base de dados, que inclui relatórios estatísticos — que nós apresentamos de uma forma gráfica muito fácil de entender —, momentos de jogo e possibilidade de gerar playlists [de vídeos] em segundos”, sintetiza Fernando Sousa.

O software foi certificado cientificamente pela Politécnica de Madrid e os dados inseridos pelos clientes — “mais de dois milhões de ações de jogo e mais de dois milhões de clipes de vídeo” — revelaram uma fiabilidade de 90%, diz Fernando Sousa. Mas, aparte essa certificação, a informação ali inserida fica para quem a insere: “Não temos acesso aos dados nem os damos”, garante.

“Quando fomos procurar financiamento, já tínhamos feito o trabalho de casa”

A VideObserver nasceu na Digisource, mas cresceu de tal forma que os responsáveis decidiram avançar com um spin-off [criação de uma empresa a partir de uma outra, já existente] do produto, em 2014. Foi nessa altura que Fernando Sousa se juntou ao projeto.

Uma das coisas que diferenciou o nosso projeto relativamente a outras startups que vão procurar financiamento é que, quando o fomos procurar, já tínhamos clientes e o trabalho de casa feito: estudos de mercado, análise da concorrência, plano de marketing — este ainda com falhas. Já tínhamos feito um estudo muito grande sobre a dimensão do mercado e definido o que queríamos fazer. E isso deu muita confiança a quem nos suportou.”

Quem os suportou, inicialmente, foi a Invicta Angels, do Porto, que investiu “300 mil euros” no projeto. “Essa foi uma coisa gira na nossa história. Na fase inicial, apresentámos o projeto apenas duas vezes e só uma delas foi mesmo a sério, Na outra, tivemos apenas uma conversa. Conseguimos o financiamento à primeira”, lembra o responsável.

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Embora a sede oficial esteja no Porto, os escritórios operativos da empresa estão em Carnaxide

Com o tempo “os números foram sendo razoáveis e aumentando”. Em 2014, faturaram “cerca de 70 a 80 mil euros”. No ano seguinte, duplicaram a faturação para “170 mil” euros e decidiram apresentar novamente o projeto a investidores. Acabaram por assinar um contrato de 1,3 milhões de euros com a Portugal Ventures. Foi “o maior contrato assinado” até agora por este organismo público de capital de risco, diz Fernando Sousa.

Há “um mês e pouco” chegaram aos Estados Unidos. Instalaram-se ali por acreditarem que este é o mercado ideal para se internacionalizarem, por duas razões. A primeira prende-se com a cultura desportiva, muito apoiada nas estatísticas e dados de rendimento. A segunda prende-se com a dimensão do mercado norte-americano.

“Estamos a falar de um país que tem quase 300 milhões de habitantes, onde o desporto é visto como um negócio e onde são feitos investimentos brutais.” Para se adaptarem às características desse mercado, os responsáveis equacionam mesmo “fazer uma versão” da ferramenta para alguns dos desportos mais populares do país: futebol americano, beisebol e hóquei no gelo à cabeça.

Para 2016, o objetivo é “continuar a duplicar” a faturação. “Este ano estamos a apontar para passar os 300 mil euros”, diz o CSO da VideObserver. Outro objetivo é continuar a desenvolver “a filosofia da empresa”, mais do que o produto, para que no futuro esta se torne “o nome prioritário quando se falar de análise de futebol”.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.