Injectar água juntamente com a gasolina, num motor convencional, não é uma solução nova mas, até hoje, foi apenas utilizada em competição, quando era necessário reduzir a temperatura dentro da câmara de combustão, basicamente para impedir que os motores se partissem por excesso de aquecimento. Foi assim na Fórmula 1, nos tempos áureos dos motores 1.5 turbo que atingiam 1500 cv e no período dos Grupo B do Campeonato do Mundo de Ralis, em que modelos como o Audi Sport Quattro S1 debitavam 1000 cv.

A tecnologia que a Bosch agora propõe é semelhante no princípio, mas muito diferente na prática. E nos objectivos, pois pretende não apenas incrementar a potência, mas igualmente reduzir os consumos e as emissões de dióxido de carbono (CO2), um gás que, não sendo nocivo, provoca o efeito estufa e o aquecimento do planeta.

Bruxelas obriga

Os fabricantes de automóveis vivem tempos complicados, pois se, por um lado, são pressionados pelos clientes para produzir veículos cada vez mais potentes, por outro lado, são obrigados pelo legislador a poluir cada vez menos, o que se pode traduzir por menor consumo.

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A União Europeia (UE), que hoje impõe um limite de 130 g de CO2, como valor médio da gama dos fabricantes de automóveis – em 2000 era de 175 g –, anunciou já que, a partir de 2021, essa fasquia vai descer 21%, caindo para apenas 95 g, o que vai obrigar a motores cada vez mais eficientes, pois a melhor forma de reduzir as emissões de CO2 é cortar no consumo.

Como se isto não fosse desafio suficiente, a actual norma que determina o consumo médio dos automóveis (a New European Driving Cycle, ou NEDC), vai ser substituída em breve por outra mais restritiva (a Worldwide Harmonized Light Vehicles Test Cycle, ou WLTC), que vai fazer elevar os consumos médios anunciados e, logo, as emissões de gases nocivos, incrementando o potencial da agora apresentada injecção de água da Bosch.

Pelo menos, é esta a opinião de Martin Frohnmaier, um dos responsáveis pela tecnologia da empresa alemã. “Quanto maior for carga solicitada ao motor, ou mais elevado o regime de utilização – e a nova regulamentação WLTC faz isso mesmo –, mais sobem os consumos e as emissões, tornando a nossa tecnologia mais vantajosa”, explica ao Observador o especialista da Bosch.

A solução está totalmente em linha com as expectativas da UE, que espera um incremento importante dos consumos médios com a introdução da WLTC, a implementar algures entre 2017 e 2020.

Uma “mini” de água aos 100 km

Para a Bosch, passar da teoria à prática foi um instante. E a teoria consistia em, num motor com injecção directa de gasolina e turbocompressor, colocar um injector extra no colector de admissão, junto às válvulas de admissão – os testes determinaram que este era o melhor posicionamento para optimizar a homogeneização da mistura água/gasolina/ar – e fornecer água pulverizada a uma pressão relativamente baixa de 20 bar (ao contrário do gasóleo, que chega a atingir 2000 bar).

Segundos os técnicos alemães, uma berlina familiar convencional, com 1610 kg de peso e 156 cv de potência, deverá consumir cerca de 13 centilitros (cl) de água aos 100 km, ligeiramente abaixo de uma mini, que ronda os 20 cl. Este valor subirá para 28 cl se esta mesma berlina tiver uma potência superior (177 cv). Para um SUV com 156 cv, necessariamente mais pesado (2130 kg) e com uma aerodinâmica menos apurada (S.Cx de 0,94 em vez de 0,62), o consumo de água será de 19 cl, provando que a exigência de água – desmineralizada ou destilada – depende mais da potência do motor do que do peso ou restantes características do veículo.

Motores mais potentes têm mais a ganhar

Esta invenção da Bosch promete ganhos do lado da potência e do lado do consumo, na maior parte das vezes em simultâneo, sendo que a água intervém sempre como uma ferramenta para reduzir a temperatura do ar admitido ou na câmara de combustão, pois este líquido, ao vaporizar-se, absorve calor.

Para os motores potentes, pois é por esta via que a injecção de água vai surgir no mercado – para já apenas através do novo BMW M4 GTS de 500 cv –, as vantagens do sistema consistem em reduzir a temperatura do ar admitido, o que permite a entrada de uma maior massa de ar na câmara de combustão (para o mesmo volume, quanto menor a temperatura, maior a massa de ar e, com ela, maior a quantidade de oxigénio para queimar), o que vai permitir injectar mais gasolina e gerar mais potência.

Aos seus clientes, ou seja, aos construtores que vão adquirir a nova tecnologia, a Bosch garante vantagens que podem oscilar entre um ganho de 7,2% de binário (os benefícios para a potência são uma consequência directa deste) e de 13% no consumo de gasolina, ou apenas 4,5% de binário e 20% no consumo. Em termos práticos, a vantagem da injecção de água para um motor possante como o M4, que anuncie 500 cv e um apetite de 8,3 litros, pode traduzir-se num ganho entre 36 cv e 0,1 litros, de 22 cv e 0,17 litros, ou qualquer conjunto de valores entre estes dois extremos.

Motores pequenos com benefícios no consumo

As unidades motrizes com pequena capacidade e um reduzido número de cilindros (três ou quatro) são outro dos alvos para a nova solução técnica da Bosch.

Martin Frohnmaier chama desde logo a atenção para o facto de estarmos sempre “a falar de motores com potência específica superior a 109 cv por litro”, ou seja, com rendimento superior a 130 cv, para um motor 1.2, ou de 175 cv, para um 1.6. O técnico alemão prevê ainda que “não deverão surgir motores deste tipo no mercado”, com esta tecnologia, “antes de 2019 ou 2020”.

Se nos motores grandes e potentes o objectivo de injectar água visa meter dentro da câmara mais oxigénio e mais gasolina, optimizando a queima, nos motores miniaturizados os objectivos podem ser essencialmente dois, mas passando sempre pelo recurso à presença da água para baixar a temperatura da admissão, reduzindo a tendência para a auto detonação (o vulgar grilar do motor quando se quer ganhar velocidade sem recorrer à caixa), o que permite incrementar a taxa de compressão e, com ela, tornar o motor mais eficiente.

O primeiro objectivo consiste em melhorar o funcionamento do motor em áreas onde poderia existir auto detonação sem o recurso à água, diminuindo pontualmente o consumo. O segundo objectivo é mais sumarento e está pensado para os motores mais “puxados”, pois visa reduzir a também a temperatura dos gases de escape, eliminando a necessidade do enriquecimento da mistura e tornando possível recorrer a turbocompressores variáveis em motores a gasolina – o que é raro –, assegurando um ganho no consumo de até 13%.

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E agora?

Os veículos com motores com injecção de água, para além da gasolina, não serão muito diferentes dos restantes, destacando-se apenas por possuírem um depósito extra para alojar entre 5 e 8 litros de água destilada, de forma a poderem cumprir um mínimo entre 3000 e 6000 km sem ter de reabastecer – valores que os inquéritos levados a cabo pela Bosch, junto de condutores na Alemanha e nos EUA, apontaram como aceitáveis. Se o condutou não puder, ou quiser, reabastecer de água, o carro continuará a andar, mas sem o prometido benefício de potência ou consumo.

Em relação a custos, Frohnmaier não abriu o jogo, declarando que “a tecnologia é ainda muito recente e ainda está a ser desenvolvida caso acaso, pelo que é impossível apontar para um diferencial de preço face a uma injecção tradicional, sem água”.

Já quando questionado sobre o potencial de redução dos NOx – os óxidos de azoto, que provocam o smog e as chuvas ácidas –, o técnico da Bosch admitiu que isso “poderá surgir, mas apenas numa fase posterior, pois obriga a mais desenvolvimentos e a outra sofisticação”.

E, para que nos países mais frios não surjam problemas com a congelação da água – que possui um ponto de congelação mais elevado do que a gasolina –, o sistema de injecção de água prevê que, assim que o motor é desligado, a bomba de injecção comece a trabalhar em sentido inverso até fazer retornar ao depósito todo o líquido presente no circuito, onde depois é aquecido para recuperar o estado líquido.