Nos bastidores do Teatro Tivoli, em Lisboa, perto da meia-noite de sexta-feira, duas dezenas de crianças precipitam-se pelos corredores dos camarins enquanto a encenadora Matilde Trocado procura uma das atrizes que acabaram de descer do palco. “O que vale é que temos aqui umas baby-sitters”, admite. As vinte crianças fazem parte do elenco do musical Partimos. Vamos. Somos, encenado por Matilde, e concebido para as comemorações dos trezentos anos do Patriarcado de Lisboa.
Entre elas, está Carolina Herdade, uma menina de sete anos que veio parar ao musical pela mão do pai, Tiago Herdade, de 34 anos, também ator na peça. Subiram os dois ao palco na sexta-feira — ele no papel de São João de Brito, ela no meio do coro de crianças que cantou várias das músicas da peça.
“Esta experiência foi diferente, foi muito enriquecedora, porque a pude partilhar com ela. Uma coisa é nós termos uma história para contar, outra coisa é termos uma coisa que partilhámos juntos, e que fica não só comigo mas fica com os dois”, conta Tiago ao Observador, no fim da peça.
O musical conta a história da Igreja Católica em Lisboa desde os primeiros registos da presença de cristãos na cidade, no século IV. Uma história indissociável da própria história de Portugal, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve na plateia esta sexta-feira.
“Portugal honra-se do papel único, singular, da Igreja Católica na sua história, porque a história da Igreja se confunde com a história de Portugal, em muitos lances decisivos. Isso acontece no passado, acontece no presente, e inevitavelmente acontecerá no futuro”, disse o Presidente da República ao Observador, no fim do espetáculo.
Marcelo confirma, aliás, que tem acompanhado o trabalho de Matilde Trocado e da sua equipa. “Tenho acompanhado o trabalho de uma parte da equipa que fez aqui este musical, e que já tinha feito sobre João Paulo II e depois sobre Madre Teresa de Calcutá. Há aqui um percurso, um crescimento”, destaca Marcelo Rebelo de Sousa.
Pelo meio, contam-se as histórias de dois santos com raízes em Lisboa, Santo António e São João de Brito, a personagem de Tiago Herdade. A narrativa é assegurada por cinco jovens do século XXI que vão percorrendo os momentos da história de Portugal e da Igreja — entre um santo e outro, há tempo para viajar com Vasco da Gama à Índia e enaltecer os descobrimentos, que foram, afinal, um empreendimento religioso. “Quando partimos em descobrimentos íamos com a Cruz de Cristo nas velas, não é?”, questiona a encenadora, sublinhando que o musical é “sobretudo sobre a história missionária da Igreja”. Marcelo Rebelo de Sousa concorda: “É a projeção de Portugal no mundo em termos missionários”.
Também Tiago Herdade e a filha Carolina, que são uma família católica, destacam este ponto. “Portugal é um país de raízes católicas, a história de Portugal e a história da Igreja misturam-se”, afirma Tiago. Foi a fé que levou este lisboeta a participar num casting do serviço de juventude do Patriarcado de Lisboa, há cerca de um ano. “Cantar é uma coisa que se eu pudesse fazia a tempo inteiro, e então se for cantar ao serviço da Igreja, da Igreja da minha cidade, tenho de estar lá”, recorda. “No primeiro dia de ensaio, quando nos apresentámos, a Matilde percebeu que eu tinha filhos, uma delas na idade que era pretendida para o elenco infantil, e desafiou-me a convidar a Carolina para vir”. Carolina foi, mas não de imediato. “Demorou uns dias a pensar se ia aceitar ou não, estava um bocadinho nervosa”, conta o pai. “Um bocadinho”, admite Carolina. Lá acabou por aceitar. “Se fosse sozinha, tinha ficado mais nervosa, mas o pai ajudou-me a ficar menos nervosa”.
Além das 20 crianças, onde se inclui Carolina, e dos cerca de 30 atores amadores, como Tiago, a peça conta com a participação de cinco atores profissionais, que assumem os papéis principais. Um deles, Salvador Seixas, de 26 anos, já vai no terceiro musical com Matilde Trocado. “Cada vez gosto mais de fazer este tipo de arte”, conta ao Observador. A peça, “um paralelo do passado com o presente”, tem tido muitos espetadores, o que Salvador explica com o facto de “estarmos a falar de uma coisa que é a nossa herança, é a história do nosso país”. Fazer este espetáculo em particular não foi desafio difícil para o ator. “A personagem que eu faço neste musical já aconteceu comigo, eu já fui a África fazer missões, já fui missionário na Guiné. É um rapaz da faculdade que vai em missão para África, durante as férias do verão. Eu fiz isso dois anos”, recorda.
Durante quase uma hora e meia, passam pelo palco mais de 50 pessoas. “É um elenco com uma dimensão grande”, reconhece Matilde Trocado. Mas “foi uma equipa muito feliz”, sobretudo porque os atores amadores “foram de um compromisso e de um nível de trabalho impressionante”. “Do lado dos profissionais houve um esforço de puxar por eles e de os motivar, e do lado dos amadores houve uma dose de energia, de fazer isto por amor e porque se acredita numa coisa. Numa sala de ensaio, essa energia é uma coisa impagável”, recorda a encenadora, que foi convidada diretamente pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para orientar o musical. “Encontrei o D. Manuel [Clemente] e ele falou-me no sonho de fazer este musical. Como era o Patriarca, claro que disse que sim, logo”, lembra. Um sonho partilhado com o Papa Francisco, a grande inspiração para a peça. “O musical faz parte das comemorações dos 300 anos do Patriarcado, mas sendo o nosso Papa o Papa Francisco, vai muito ao encontro do que ele tem pedido: o sonho missionário de chegar a todos”, conclui Matilde.
O musical “Partimos. Vamos. Somos” está em cena no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, até 15 de janeiro