Ricardo Reis, professor da London School of Economics, encontrou-se na capital britânica, recentemente, com alguém que estava a ponderar investir “muito dinheiro” em Portugal. Mas o investidor mostrou-se inquieto e explicou porquê: “um país com uma dívida pública tão alta quanto Portugal tem duas hipóteses: ou corta na despesa ou aumenta os impostos. Como nos últimos quatro anos não conseguiram cortar na despesa, não é credível que o façam agora. Portanto, a alternativa vai ser que, se eu investir, vai haver um qualquer ministro das Finanças que vai encontrar uma forma de taxar os meus retornos e vai ser chamado de génio por isso”. Por outras palavras, um ministro genial que faça do investidor burro.

Ricardo Reis é professor da London School of Economics.

Esta foi uma das histórias ouvidas pela audiência que foi à Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para uma conferência proposta pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que viria a encerrar os trabalhos. O tema: o investimento em Portugal. A história do investidor inglês foi contada por Ricardo Reis, que participou numa mesa redonda com Carlos Tavares, ex-presidente da CMVM, Fernando Alexandre, pró-reitor da Universidade do Minho e ex-secretário de Estado, e Daniel Bessa, ex-ministro socialista que causou gargalhadas na plateia com a sua explicação sobre porque é que a palavra investimento lhe “mete medo”.

Menos de uma semana depois de a Caixa Geral de Depósitos reconhecer mais de três mil milhões de euros em imparidades de crédito, o sistema financeiro acabou por ser o centro das atenções. O que, a propósito, Carlos Tavares considerou ser fruto de uma “infelicidade”, isto é, o peso excessivo que a banca tem para o financiamento da economia (em contraste com o mercado de capitais que, infelizmente, na Europa tem uma expressão muito reduzida).

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Não podemos viver com esta dimensão do mercado de capitais a longo prazo”, afirmou Carlos Tavares.

O ex-presidente da CMVM disse que “não foi por falta de crédito que as economias europeias e portuguesa deixaram de ter crescimento, muito pelo contrário”. Com efeito, afirmou Carlos Tavares, “houve um excesso de crédito em muitos países, e em Portugal o crescimento foi mais acentuado”.

Carlos Tavares saiu, recentemente, da presidência da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

O problema, defendeu o responsável, é que o crédito fluiu na sua maior parte para setores não transacionáveis e crédito ao consumo, incluindo imobiliário. E muito pouco para setores transacionáveis, “que deviam ser preponderantes numa pequena economia aberta como Portugal”. Este não é um diagnóstico propriamente inesperado, mas Carlos Tavares acrescentou que também o investimento direto estrangeiro foi muito para setores improdutivos.

Não podemos partir do pressuposto que os bancos foram todos irracionais na concessão de crédito. a procura foi muito dirigida para o setor não transacionável mas podemos assumir que também foi induzida, até certo ponto”, afirmou Carlos Tavares.

Minutos antes, o economista Fernando Alexandre tinha questionado porque é que os gabinetes de análise económica do Banco de Portugal não fizeram alertas de que a banca estava a concentrar-se em demasia no crédito à construção e à compra de casa. Mas Carlos Tavares tem uma explicação, que traz consigo uma consequência: “o crédito e o investimento fluiu para os setores que dão maior rentabilidade e as margens são maiores”. A consequência? É que “como eram créditos garantidos por um bem real, o resultado foi não haver uma análise de risco cuidadosa por parte dos bancos.

É por esta razão que “os balanços dos bancos têm muitos ativos não produtivos e provavelmente sobrevalorizados“, rematou o ex-presidente da CMVM.

Empresas são “pato sentado” para as subidas de impostos

Também foi pela situação patrimonial dos bancos que Ricardo Reis começou a sua apresentação, lamentando que não se tenha, ainda, limpado totalmente os balanços de ativos com menos valor do que se contabiliza. Nos últimos anos, “os bancos têm tido um incentivo para renovar créditos que sabem que serão sempre incobráveis, ou seja, renovam créditos antigos para evitar reconhecer as imparidades” respetivas.

E como é que isso se resolve? Bem, defende Ricardo Reis, é preciso “um regulador mais agressivo a forçar o reconhecimento das imparidades, porque o regulador em Portugal tem tanto medo que também ele premeia que os bancos só emprestem com muito pouco risco“. Ao fazer isso, o regulador — o Banco de Portugal — está a minimizar o problema de risco de novos escândalos mas está a minimizar o potencial dos negócios com melhores perspetivas”.

Se tenho uma empresa que deve mais do que o que tem, que está a aguentar-se à espera de um milagre, qual é o meu incentivo para lançar um novo projeto com risco, até porque será o banco, e não eu a capturar os eventuais frutos?”, perguntou Ricardo Reis.

A solução para os problemas do país está, mesmo, defende Ricardo Reis, nas políticas públicas. Estas podem fazer a diferença, não só na situação do investidor desconfiado a que Ricardo Reis fez referência, mas em outras.

É preciso fazer “a tal reforma do Estado” de que tanto se fala há tantos anos, diz o académico. “Não é uma questão de ideologia, não é gostar de mais estado ou menos Estado. Esta é a verdade: sem ter um Estado com contas equilibradas é difícil que haja investimento“, alertou.

Enquanto isso não assim for, vai sempre haver “tentação enorme” de subir impostos, por exemplo o IMI das empresas — os eternos “patos sentados” para o fisco.

Ricardo Reis diz que, em Portugal, as famílias poupam pouco, menos do que deviam, mas quem poupa mesmo muito pouco são as empresas. E porquê? Por causa do IRC, que é um “exemplo clássico de um imposto sobre a poupança” e um caso de “dupla tributação”, porque se paga IRC e depois os beneficiários dos lucros vão pagar IRS sobre esses rendimentos.

Por esta razão, “os empresários consomem, compram carros e colocam nas contas da empresa, uma expressão muito portuguesa, o que é para tentar pagar menos IRC”.

E nem sempre foi assim, recorda Ricardo Reis.

Na Europa, até meados do século XX, os euros que as empresas pagavam de IRC podiam ser descontados no IRS de quem recebia os dividendos. Este sistema morreu com a globalização. A partir do momento em que temos negócios em vários países, torna-se mais difícil de fazer isto e passou a haver uma pressão para acabar com esta dualidade”.

Atualmente, “vivemos num mercado único, vivemos numa UE que faz muitas políticas comuns mas não reformou o IRC, permitindo que uns países se aproveitem de outros, sem restaurar esta dedução”. E porque é que isto é um problema? Porque “nos EUA vai haver uma enorme reforma do IRC, que tem sido apresentada de forma trapalhona, como tudo nesta administração, mas vamos ter essa reforma”. E nós, na Europa, “vamos ficar para trás nesta reforma. Este é um tema urgente e descer a taxa de IRC imperativo”, defendeu Ricardo Reis.

“Opções políticas como as renováveis ainda hoje custam ao país”

O académico ainda teve tempo para partilhar uma ideia “muito pouco politicamente correta”. A saber: opções políticas do passado colocam Portugal em rankings elogiosos e elogiáveis, mas têm um custo para a competitividade do país. Um exemplo? As energias renováveis.

Se olharmos para as principais despesas de uma empresa, aí destacam-se os custos como telecomunicações, com transportes e com energia. Em Portugal, investiu-se muito em telecomunicações e hoje temos “uma rede boa, mas cara”. Na energia, “quisemos ser líderes mas hoje quando o preço do petróleo desce, as empresas portuguesas são as que menos beneficiam”. Por fim, nos transportes, apoiados no ambientalismo e porque “é fácil taxar”, aumentam-se os impostos sobre os carros e os combustíveis, colocando-os entre os mais altos da Europa.

Em todas estas questões estamos bem nos rankings mas o custo destas opções foi termos setores muito caros. É muito politicamente incorreto mas é a vantagem de ser um académico, poder dizer estas coisas”, afirmou Ricardo Reis.

A sessão foi encerrada pelo moderador, o ex-ministro socialista Daniel Bessa, que disse sentir-se solidário com Pedro Passos Coelho, por ter estado a gerir, com grande sentido de austeridade, o pouco tempo que cada membro do painel teve para falar.

Daniel Bessa foi o moderador do painel da tarde.

Numa curta intervenção, “progressivamente mais séria”, Bessa fechou os trabalhos arrancando gargalhadas ao público dizendo que tem um “enorme medo da palavra investimento“.

E porquê? Porque, muitas vezes, é a palavra que as pessoas usam quando querem gastar dinheiro sem grandes perspetivas de rentabilidade. Incluindo ele próprio.

“Há vários anos que trabalho sem grande retorno. E quando saio de casa a minha mulher questiona-me, perguntando quando é que vou trazer alguma coisa que se veja para casa. É aí que eu lhe digo: ó Fátima, eu estou a investir. E isso parece sossegá-la, por vezes, porque estará à espera de algum retorno”.

Mais a sério, Daniel Bessa saudou os trabalhos da conferência defendendo que foi um “libelo à má qualidade de investimentos” que Portugal tem tido, recordando a quantidade de auto-estradas norte-sul que se percorrem sem se cruzar com vivalma.

Em Portugal há muito de investimento que está feito e que apenas precisa de ser chamado à produção e à criação de valor. Um exemplo é o parque habitacional desocupado. Se as casas forem utilizadas, eu vou tirar dessa habitação valor e não preciso de investir”.

Há que olhar além dos números. “De cada vez que eu passar uma empresa que é mal gerida para mãos que a saibam gerir, isso é bom. Isso é algo que não terá reflexo nas contas nacionais mas pode levar à criação de valor”. Bessa terminou dizendo que em Portugal existe “capital suficiente para, sem grande investimento, tirarmos mais valor do investimento que já foi feito. E, claro, ajudará se no futuro houver “melhor investimento”.