Três meses foi quando demorou a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) a desenvolver um protótipo de plataforma de distribuição de fundos de investimento e de pensões assente na tecnologia blockchain. Se conseguir convencer sociedades gestoras, bancos e entidades comercializadoras, a conversão desse protótipo numa realidade pode demorar nove meses.

O blockchain, uma inovação incluída no desenvolvimento da moeda bitcoin, combina princípios matemáticos, criptográficos e económicos na implementação de registos acessíveis por várias entidades, sem a necessidade de validação ou reconciliação de terceiros.

“O nosso papel foi de incubadora”, explica José Veiga Sarmento, o presidente da associação que representa a maioria das sociedades portuguesas que gerem fundos. O protótipo da APFIPP permite efetuar quatro operações sobre fundos abertos: subscrição, resgate, anulação e reporte à entidade supervisora, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

A APFIPP está agora a apresentar o protótipo aos potenciais participantes da plataforma de distribuição. José Veiga Sarmento elenca 14 sociedades gestoras de fundos, 14 entidades gestoras de fundos de pensões abertos, 23 bancos depositários e mais de 11 entidades comercializadoras como potenciais interessados.

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A principal vantagem do blockchain é a redução de custos. “Os custos [que podem ser diminuídos] são de diversa natureza, desde a redução do esforço de reporte regulatório, à eliminação de sistemas redundantes para integração entre plataformas, à redução de custos de pessoal”, explica Nuno Alpendre, o sócio da Deloitte responsável pelo projeto. Esta consultora liderou o desenvolvimento do protótipo.

A redução de custos poderá conduzir à comercialização de fundos mais baratos para os investidores, como revelou José Veiga Sarmento ao Observador em outubro do ano passado.

Até agora, a APFIPP investiu 80 mil euros no projeto. Estiveram envolvidos cerca de 20 pessoas no desenvolvimento, incluindo representantes da APFIPP, das sociedades gestoras, dos bancos, da CMVM e do Instituto Superior Técnico, cujos investigadores validaram todas as opções tecnológicas.

Investidores procuram-se

Para José Veiga Sarmento, três ou quatro bancos ou sociedades gestoras são suficientes para tornar o protótipo numa realidade. O presidente da APFIPP estima que três meses serão suficientes para encontrar os fundadores da plataforma. Nuno Alpendre, da Deloitte, acrescenta que serão precisos mais nove meses para desenvolver a primeira versão operacional da plataforma de distribuição de fundos através de blockchain. Por isso, pode esperar-se o arranque das operações até abril de 2018.

Emanuel Silva, presidente da IM Gestão de Ativos, concorda que “a gestão de ativos, a exemplo de outras atividades financeiras, passa por uma inevitável adoção” do blockchain, mas ressalva que “a adoção de tecnologia deve ser feita de forma racional, tendo por base princípios de viabilidade económica e de benefício para os clientes”. Emanuel Silva diz que é ainda prematuro decidir se a IM Gestão de Ativos, a terceira maior sociedade gestora de fundos mobiliários em Portugal, será fundadora da plataforma. Na Santander Asset Management, a quarta maior gestora, também se pensa que ainda é cedo para tomar uma decisão. O Observador não obteve respostas da Caixagest e da BPI Gestão de Activos, a primeira e a segunda gestoras portuguesas de fundos.

Caixa tem a maior gestora

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A Caixagest, a sociedade gestora da Caixa Geral de Depósitos, é quem mais gere dinheiro em fundos de investimento mobiliário em Portugal.

Quota de mercado de gestoras de fundos mobiliários
Caixagest: 30,44%
BPI Gestão de Activos: 29,53%
IM Gestão de Ativos: 14,57%
Santander Asset Management: 13,91%
Crédito Agrícola Gest: 3,55%
GNB: 2,74%
Outros: 5,26%

Fonte: APFIPP. Fevereiro de 2017

A Deloitte desenvolveu o protótipo de distribuição de fundos numa plataforma Ethereum, uma solução de código aberto que permite contratos inteligentes, em que o sistema guarda informação sobre os investidores e os produtos. Por exemplo, os contratos inteligentes podem só permitir a subscrição de um fundo mais complexo se o registo do investidor indicar que ele tem conhecimentos avançados sobre investimentos.

A solução portuguesa não é a primeira a usar a plataforma Ethereum. A FundChain, uma parceria para desenvolver a distribuição de fundos em blockchain no Luxemburgo, também a usa. Todavia, Nuno Alpendre destaca que “o projeto português é uma iniciativa bastante abrangente, pois para além da comercialização de fundos inclui o reporte regulamentar à CMVM”, o que não acontece na FundChain.

Gabriela Figueiredo Dias, a presidente da CMVM, diz que a participação da entidade supervisora no projeto é “silenciosa”, mas que está ciente dos grandes desafios do ponto de vista da regulação do mercado. “O papel da CMVM enquanto regulador é a total aderência”, disse na apresentação do protocolo entre a APFIPP, a CMVM e o Instituto Superior Técnico.

A plataforma nacional ainda não tem nome, mas a APFIPP está aberta a sugestões. “Gostaríamos que refletisse uma ligação a Portugal”, diz José Veiga Sarmento.

Governança por decidir

Os intermediários financeiros fundadores da plataforma, que serão os sócios de uma entidade ainda por criar, suportarão os custos da implementação tecnológica. Mais à frente, se houver outros intermediários financeiros interessados em participar na plataforma, terão de compensar os fundadores por esse investimento inicial.

José Veiga Sarmento prevê uma estrutura acionista dividida pelos vários intervenientes — sociedades gestoras, bancos depositários, entidades comercializadoras — em proporção da sua dimensão. O modelo acionista da SIBS, a entidade que gere a rede Multibanco, é uma referência: o seu capital está divido pelos vários bancos do sistema financeiro português.

SIBS dividida pelos bancos

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Três bancos controlam mais de metade do capital da SIBS.

Acionistas da SIBS SGPS
Caixa Geral de Depósitos: 21,60%
Banco Comercial Português: 21,54%
Santander Totta: 15,04%
Banco BPI: 14,98%
Novo Banco: 7,97%
BBVA (Portugal): 5,83%
Outros: 13,04%

Fonte: SIBS. 31 de dezembro de 2015

A própria SIBS, bem como a Euronext, que gere a bolsa de Lisboa, foram inicialmente parceiros da APFIPP no projeto da plataforma em blockchain. “Numa fase inicial de estudo, tanto a SIBS como a Euronext participaram nas nossas reflexões. No entanto, quando o trabalho de campo arrancou com a Deloitte, em dezembro do ano passado, o grupo de trabalho passou apenas a ser constituído, para além dos consultores, pelos nossos associados e o Instituto Superior Técnico, contando sempre como o acompanhamento da CMVM”, explica Veiga Sarmento.

Ainda há arestas por limar. “O assunto de governança de uma eventual plataforma deverá ser analisado no âmbito da direção da APFIPP, por agora ainda não existe qualquer definição ou decisão sobre a evolução do projeto blockchain”, avisa Emanuel Silva, da IM Gestão de Ativos. A Deloitte defende um conselho que represente os participantes e que seja responsável por definir e implementar as regras da plataforma de distribuição de fundos.

Numa primeira fase, em que o número de entidades será reduzido, todos terão de ser validadores dos dados partilhados. São os chamados miners: cada entidade participante representa um nó no sistema descentralizado e tem uma cópia da crescente base de dados. “Nesta fase, o investidor [em fundos] é um participante indireto e por isso terá acesso aos fundos da plataforma através do seu banco, logo não tem a obrigatoriedade de ser miner”, explica Nuno Alpendre, da Deloitte. “Uma possível abertura da plataforma para subscrição direta de fundos pelos investidores terá de ser avaliada futuramente e irá necessitar de uma revisão das regras de funcionamento”, acrescenta.

No limite, a equipa da Deloitte acredita que a plataforma de distribuição de fundos possa aceitar a liquidação financeira das operações em tempo real com divisas digitais, como a bitcoin. Se isso acontecer, os investidores deixarão de precisarar de intermediários para investir em fundos.