Sem medidas extraordinárias, o défice público de 2016 teria ficado em 2,5% do produto interno bruto (PIB), de acordo com a análise do Conselho das Finanças Públicas (CFP), divulgada nesta terça-feira. O relatório sobre as contas das administrações públicas produzido pelo organismo liderado pela economista Teodora Cardoso indica que o esforço de melhoria do saldo estrutural, ajustado das iniciativas temporárias e não recorrentes e dos efeitos do ciclo económico, ficou aquém das metas ao fixar-se em 2,1%. Perante isto, o CFP refere que “Portugal deverá ainda realizar nos próximos anos um esforço de consolidação adicional em termos estruturais”, de 2,33 pontos percentuais do PIB, “para atingir o objetivo de médio prazo de um excedente estrutural de 0,25%”.

O documento constata que o saldo negativo das administrações públicas baixou 376 milhões de euros no ano passado, ao registar o valor de 3.807 milhões de euros, inferior “ao previsto pelo Ministério das Finanças em todos os documentos de programação orçamental elaborados em 2016”. Além do efeito da operação de resolução do Banif na comparação entre o fecho de contas de 2015 e 2016, a baixa do défice beneficiou de medidas one-off avaliadas em 780 milhões de euros, como a “devolução da comissão paga num dos dois empréstimos concedidos pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira, parte da receita do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado”, conhecido pela sigla PERES, “e da venda de material militar”, caso da transação de aviões militares à Roménia.

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Apesar da influência das medidas extraordinárias, o CFP afirma que, no ano passado, “o maior contributo para a diminuição do défice face a 2015 veio do lado da despesa, ao contrário do previsto pelo Ministério das Finanças”, explicando mais de 80% daquela descida. Sobre esta circunstância, o documento assinala que “o aumento da despesa corrente primária foi mais do que compensado pelo decréscimo da despesa de capital e dos juros” e que a descida dos gastos das administrações públicas em 3.319 milhões de euros, “foi mais acentuada que a prevista”. Gestão das cativações orçamentais e “desvios favoráveis nos juros e na formação bruta de capital fixo” ajudam a explicar a contenção da despesa total.

Na receita, as projeções do Governo para 2016 ficaram aquém da realidade. “O crescimento da receita das administrações públicas abrandou em 2016 para menos de metade do verificado no ano anterior” e registou-se, “pelo segundo ano consecutivo, uma redução do seu peso na atividade económica. A principal responsabilidade neste desempenho deve-se à “evolução negativa dos impostos diretos, decorrente das alterações legislativas introduzidas ao nível do IRS, tanto em 2015 (reforma do IRS) como em 2016 (redução da sobretaxa)”, apenas atenuado pela “regularização extraordinária de dívidas fiscais e à reavaliação de ativos imobiliários beneficiaram a receita de IRC” que permitiram uma subida da receita fiscal de 1,4%. “Descontando estes efeitos, a receita fiscal em 2016 teria crescido 0,1%”, afirma o CFP.

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O relatório do conselho dedica, ainda, algumas considerações às projeções para os principais indicadores das contas das administrações públicas, com maior relevância para o défice, matéria que suscitou uma intervenção do primeiro-ministro crítica em relação ao CFP. António Costa destacou aquele que considerou ser o “monumental falhanço de todas as previsões do Conselho de Finanças Públicas ao longo do ano de 2016”.

O CFP explica que “as projeções das diferentes instituições oficiais para o saldo orçamental em 2016 evidenciam a existência de diferenças significativas entre os sucessivos exercícios de projeção” e adianta que “apenas após a publicação do Orçamento do Estado para 2016 todos os previsores passaram a realizar projeções do défice em linha ou abaixo do limiar de 3% do PIB”. O documento do organismo liderado por Teodora Cardoso acrescenta que as projeções para o ritmo de crescimento da economia também mudaram e que este facto produziu efeitos sobre as previsões iniciais. “A incorporação de um ritmo de crescimento homólogo do PIB inferior a 1% ocorrido no primeiro e no segundo trimestre do ano, conduziu a uma revisão em baixa do crescimento esperado” para 2016 e esta “deterioração (…) refletiu-se na projeção da receita das administrações públicas“.

A adoção de medidas extraordinárias também é alegada pelo CFP. “Nenhum exercício de projeção incorporou as medidas que não se encontravam previstas, como sejam uma utilização do instrumento de gestão da despesa por via das cativações mais forte do que o refletido nas previsões oficiais do Ministério das Finanças e o PERES legislado em novembro”, sublinha o organismo.