“Vocês, europeus, são muito snobes”, atira Huiqin Ma. Professora na China Agricultural University, Ma é a última oradora do último dia da Wine Summit que ocupou o Centro de Congressos do Estoril durante três dias, de 7 a 9 de junho. Dona de uma energia contagiante, a especialista em marketing de vinho e em biologia molecular da uva fala mais depressa do que devia de tanto que é o entusiasmo a descrever o consumo de vinho no país de origem. A crítica feita a quem vive no velho continente serve para explicar que os chineses não estão familiarizados com a acidez ou com a adstringência do vinho, pelo que, em tempos, chegaram a adicionar gelo ou refrigerantes à bebida.

Stephen Li, profundo conhecedor dos diferentes estilos de vinho chinês e dos seus terroirs, é de uma opinião semelhante e em conversa com o Observador traça uma comparação perspicaz: o hábito que os chineses tinham de adicionar coisas ao vinho é equivalente a nós, ocidentais, acrescentarmos leite ao chá. Certo que o vinho nunca vai ser tão importante como o chá em terras chinesas, assegura Li, mas a China já é, efetivamente, o sexto produtor de vinho mundial. Faz pouco tempo exporta para o Reino Unido, apesar de continuar a importar de países como Chile, EUA ou África do Sul.

Huiqin Ma é professora na China Agricultural University. © PPP/ Wine Summit

Os chineses já não colocam gelo ou refrigerantes no vinho. Há alguns anos brincava-se com isso, perguntando às pessoas se queriam Coca-Cola no vinho porque não gostavam do sabor dos taninos e da acidez. Há cinco ou seis anos, as pessoas começaram a aceitar o sabor do vinho, foi um gosto que se foi ganhando. Ainda nos rimos dos europeus porque colocam leite no chá. Na China, quando apreciamos um chá de qualidade, não adicionamos nada”, assegura Stephen Li.

Os chineses bebem vinho para relaxar e, por norma, num contexto social. As palavras são de Huiqin Ma, mas também podiam ser de Stephen Li — as ideias dos dois oradores complementam-se com frequência. Existem registos de que a China produz vinho há sensivelmente 3.000 anos, mas o mercado interno ainda tem preferência por bebidas espirituosas e por vinho de arroz. “O vinho como o conhecemos é apenas uma parte, não é tão mainstream“, diz Li.

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A ideia de consumir vinho diariamente e à refeição, como acontece por cá, ainda está longe de ser um hábito, embora haja cada vez mais pessoas a beber vinho em ocasiões sociais — Li fala num consumo de meio litro de vinho por ano por pessoa (curiosamente, e de acordo com notícias de abril, Portugal é o líder mundial no consumo de vinho per capita).

Stephen Li é um profundo conhecedor dos diferentes estilos de vinho chinês e seus terroirs. © PPP/ Wine Summit

A China está, de momento, a redefinir-se enquanto país produtor de vinho e a apostar na qualidade da bebida, sobretudo na província de NingXia. Ainda não hã regiões vitivinícolas classificadas, à semelhança do que acontece em Portugal, mas pode-se falar em “mais de 10 áreas de vinho”. Ao todo, Li fala em 700 adegas ou empresas produtoras de vinho, sendo que o consumo faz-se internamente — “localmente” até — devido ao preço e qualidade do vinho em questão. O mercado chinês está, pois, a emergir, sobretudo no que diz respeito às boutique wineries, que Li assegura serem semelhantes aos chateaux ocidentais.

Feitas as contas, o vinho tinto é o mais consumido na China (mais de 80%) e a casta cabernet sauvignon é a mais utilizada — nos brancos isso acontece com chardonnay. E sendo o vinho uma bebida mais elegante, quando comparada com espirituosas ou cerveja, parece ser a eleição das consumidores femininas. “O vinho é perfeito [para elas] porque é elegante, está na moda e é bom para a nossa saúde, pelo menos foi assim publicitado”, afirma Li, que na sua sala de aulas, onde dá formações na área do vinho, diz haver mais alunas do que alunos.

Em última análise, o vinho é visto como uma bebida relaxante para os chineses. Assegura uma enérgica e divertida Huiqin Ma que a bebida chega a ter funções de casamenteira, de tão tímidos que os chineses chegam a ser.

A Must – Fermenting Ideas, a primeira wine summit do género a nível mundial, terminou esta sexta-feira, depois de três dias recheados de palestras protagonizadas por figuras internacionais de diferentes áreas do mundo do vinho.