Se o debate desta quarta-feira com o primeiro-ministro foi morno e não houve pedidos de demissão nem “jogos do empurra”, o mesmo não aconteceu no debate desta quinta-feira, marcado pelo PSD e com a presença da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e do secretário de Estado Jorge Gomes. É a hora dos “porquês” e das respostas. “Aos deputados cumpre questionar, exigir esclarecimento, dar voz a quem lá fora não a tem, mas é ao Governo que tutela estas áreas que cabe responder”, disse a deputada Teresa Morais, dando o mote para a intervenção do PSD. E não, isso não é “aproveitamento político”. É “dar respostas para tranquilizar os portugueses”. Coube no final a Luís Montenegro rejeitar as acusações de e indignar-se pela falta de voz do PCP e BE nesta matéria: “Imagino o que diriam se fossemos nós no Governo”…

“O senhor deputado João Oliveira (PCP) teve o desplante de apontar ao Governo anterior a falta de meios? Não brinquemos com coisas sérias. Hoje há um Governo, e há partidos que apoiam o Governo, são vocês que têm de assumir responsabilidades”, disse o líder parlamentar social-democrata, pouco depois de a deputada Margarida Balseiro Lopes, da mesma bancada, ter relatado o cenário dramático vivido no terreno e ter dito que “dizer que a culpa é de todos é o mesmo que dizer que não é de ninguém”. “Não foi só o sistema que falhou, não foi só o SIRESP, foi o Estado”, disse. É por isso que se “impõe que haja decisões e respostas”, resumiu Luís Montenegro.

Sob o tema “A Segurança, a Proteção e a Assistência das Pessoas no decurso do Trágico Incêndio de Pedrogão Grande”, o PSD questionou esta tarde o Governo sobre “a verdade que precisamos de conhecer” em relação ao que se passou no fim de semana de 17 e 19 de junho, em que o concelho de Pedrógão Grande passou pela “tragédia maior e mais horrenda” de que há memória. “A nação magoada tem o direito de saber ‘porquê'”, começou por dizer a vice-presidente do PSD. Mas, segundo Teresa Morais, o PSD já tem uma conclusão a tirar: “o Estado falhou”.

“Passaram-se 13 dias sobre o início da maior tragédia nacional que sofremos, nos tempos até onde a memória nos consegue levar, mas ainda não sabemos: Porquê?”, começou por questionar Teresa Morais.

Perante a urgência de respostas imediatas da bancada do PSD, o PS apostou nas acusações de “leviandade”, com o deputado Jorge Lacão a acusar a deputada Teresa Morais de “falta de escrúpulo”. Em causa está uma pergunta feita pela deputada do PSD sobre o número de militares da GNR que estariam na zona à data da tragédia. Para o deputado socialista, há um desacordo entre a urgência de respostas de Teresa Morais e o sentido de “responsabilidade” que o PSD teve ao propor a criação de uma comissão de técnicos independentes para apurar as responsabilidades devidas. “Há uma crise de identidade na sua bancada, mas nós queremos responsabilidade, não leviandade”, resumiu Jorge Lacão.

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Na resposta, contudo, Teresa Morais defendeu a sua posição: disse que não aceitava lições de moral da parte da bancada do PSD e insistiu que o papel do PSD era “fazer o que o povo quer que façamos, que é pedir esclarecimentos”. “Não fomos eleitos para fazer, como o PS está a fazer, um pacto de silêncio”, disse. E insistiu que não é preciso mais relatórios ou comissões para saber a resposta a determinadas perguntas, nomeadamente sobre o estado de saúde dos feridos, que continuaram a aumentar mesmo depois de o incêndio já ter sido dado como controlado.

“Porque é que não se pergunta ao INEM porque é que demora 10 horas a levar um bombeiro ao hospital? É preciso uma comissão para isso? Porque é que ninguém informa o país sobre o estado de saúde de três homens e uma mulher, bombeiros, que estão, segundo os seus colegas, em estado crítico?”, perguntou, defendendo que para essas perguntas “não precisamos de mais tempo, precisamos de respostas”.

Para Teresa Morais, “se fosse um político, um ator, ou um jogador de futebol tínhamos briefings diários sobre o estado de saúde. Como são bombeiros ninguém sabe do seu estado de saúde”, disse, motivando aplausos da sua bancada.

Concretamente sobre a acusação de leviandade feita pelo deputado socialista Jorge Lacão, relativamente à suposta pergunta feita por Teresa Morais sobre o número de efetivos da GNR que estavam no terreno, a deputada social-democrata avança com uma situação concreta vivida no terreno: “Fui eu que encaminhei uma patrulha da GNR que não sabia onde era o posto territorial“, disse.

“Há ali qualquer coisa anormal”. Ministra sem certezas, só a de que foi um “enorme incêndio”

Pelo lado do Governo, quem começou por falar foi a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que repetiu a postura já demonstrada na audição de quarta-feira e já sublinhada pelo primeiro-ministro no debate quinzenal: é tempo de apurar dados e esperar pelas respostas. “Estamos a colher dados e a cruzar dados para obter respostas. Seria irresponsável da minha parte avançar com conclusões quando ainda não temos respostas”, disse.

Só há para já, uma certeza: “O que aconteceu em Pedrógão Grande foi um enorme incêndio”, disse, acrescentando que o incêndio deflagrou às 14h43 e que, duas horas depois, houve indicações de que se estava a alastrar, tendo sido mobilizados 177 operacionais e dois meios aéreos. A partir daí, a ministra diz que o que se passou está por explicar. “Há ali qualquer coisa, a partir das 19h00, dizem-me que é um downburst”, disse, sublinhando que é preciso explicações para o fenómeno meteorológico “anormal” a que se assistiu, que, nas suas palavras, foi “uma espécie de tsunami de fogo”.

A ministra mostrou-se ainda disponível para dar toda a colaboração à comissão técnica independente proposta pelo PSD, “sem qualquer reserva mental”. “Precisamos de tempo para redigir informação e para a confirmar”, disse, considerando aquela como a “única entidade” capaz de dar respostas de forma transparente.

Constança Urbano de Sousa rejeitou a informação de que as duas antenas de comunicações estivessem inoperacionais, dizendo que “uma delas estava numa garagem, digamos assim para uma revisão”, e sublinhando que as duas antenas não são as únicas formas de “comunicações”. “Naturalmente temos que dar respostas, mas temos de ter sentido de responsabilidade até para não lançarmos notícias para o ar que depois não se confirmam”, disse.

Para falar sobre o estado de saúde dos bombeiros feridos, um dos pontos mais criticados pela bancada do PSD, falou o secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes. “Estamos preocupados com os bombeiros e eu visito todos os bombeiros que estão hospitalizados”, começou por dizer o governante, passando de seguida a enumerar o estado de saúde de todos os bombeiros hospitalizados, estando todos entre o estado considerado “estável”, a “evoluir favoravelmente” e “reservado”. Também o secretário de Estado da Saúde Fernando Araújo pediu a palavra para elogiar o papel do INEM e dos seus profissionais, detalhando o caso concreto do bombeiro que, segundo Teresa Morais, “deambulou durante 10 horas antes de ser hospitalizado”.

Teresa Morais mostrou ter em sua posse a declaração de internamento do referido bombeiro, Rui Rosinha, fornecida pelos familiares, que prova que “deu entrada no hospital da Prelada às 6h02 da manhã, 10 horas depois do acidente de onde saiu com queimaduras graves”. O relato do secretário de Estado é, no entanto, diferente, com o governante a admitir que “houve dificuldades operacionais no transporte via helicóptero, nomeadamente para o helicóptero pousar”, “mas o bombeiro teve sempre o apoio do INEM, que se preocupou em estabilizar e em transportar o doente da forma mais adequada”.

Para o PSD, contudo, o caso deste bombeiro é prova da descoordenação no terreno. Os sociais-democratas já tinham mesmo redigido uma pergunta formal ao Governo sobre esta situação lembrando que o doente passou “duas vezes pelo mesmo centro de saúde, de Castanheira de Pêra, durante a noite, com cerca de duas horas e meia de intervalo” sem que conseguisse ser atendido. “O que justifica toda esta perda de tempo se já se tinha percebido que o paciente carecia de internamento urgente?”, questionava na altura o PSD.

“Seja ministra”, pede o CDS. BE e PCP apontam dedo ao anterior Governo

Num debate muito mais duro do que o de quarta-feira com o primeiro-ministro, o CDS exigiu à ministra da Administração Interna que fosse “isso mesmo, ministra”. “A senhora não é técnica, é política como eu. Por isso seja ministra”, disse o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, que já foi secretário de Estado da Administração Interna e que considera que “a cadeia de comando é essencial”. “A única resposta que dá é a de que fez perguntas, mas quando diz que não tem respostas para dar porque está a fazer perguntas, os institutos que a senhora tutela degladiam-se nos jornais a dizer que a culpa não é deles, e a apontar o dedo para o colega do lado”, criticou.

Para Nuno Magalhães há respostas que têm de ser dadas, nomeadamente sobre se é verdade ou não que o SIRESP não funciona em certos centros comerciais como o Colombo ou Amoreiras, ou em salas de espetáculos como o Meo Arena; e sobre se o comandante nacional da Proteção Civil assumiu ou não o comando das operações no terreno nos dias do incêndio. É que, segundo o líder parlamentar centrista, ao contrário do que disse o primeiro-ministro, que ontem afirmou que o responsável esteve sempre na sede, o comandante nacional da Proteção Civil estaria “na televisão”, referindo-se à participação no programa Prós e Contras na segunda-feira à noite.

Já ao BE e ao PCP coube apontar as contradições ao PSD, lembrando o que fizeram — ou não fizeram — quando estavam no Governo. O bloquista José Manuel Pureza notou logo o facto de o PSD ter introduzir o debate “sem falar uma única vez no ordenamento da floresta”, o que, na sua opinião, mostra “o que é que o PSD quer de facto discutir”. E questionou os sociais-democratas sobre a razão porque não concretizaram a renegociação do SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) durante o seu Governo, apesar de terem iniciado esse processo. Já o PCP, pela voz do líder parlamentar João Oliveira, recusou participar na “lógica de passa-culpas e de responsabilização política sem que estejam apuradas as responsabilidades” e desafiou a deputada Teresa Morais a reconhecer “os erros das opções do Governo PSD/CDS” em matérias como as freguesias, os serviços de saúde de proximidade ou o despovoamento do mundo rural.

Também o deputado do PEV José Luís Ferreira lamentou que o PSD nada tenha dito sobre ordenamento florestal e questionou o partido sobre o travão na plantação de eucaliptos. Na quarta-feira à noite, num jantar-conferência, contudo, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, já tinha deixado claro que o problema não era do eucalipto. “Até eu que não sou particularmente defensor do eucalipto, acho que não faz sentido estar a demonizar o eucalipto, porque nós sabemos que uma grande parte do território não tem eucalipto e que o eucalipto é o que menos arde”, disse nessa ocasião.

500 casas ardidas, vai haver apoios às empresas

Coube ao ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, encerrar a intervenção do Governo do debate e fazer o balanço “provisório” dos estragos: de 500 casas afetadas total ou parcialmente pelo fogo e 40 empresas do sector industrial ou agro-industrial afetadas, envolvendo 350 postos de trabalho.

Estragos que, segundo o ministro, vão ser em parte cobertos por ajudas da Comissão Europeia. Pedro Marques garantiu haver abertura para discutir com Bruxelas apoios para a reposição de capacidade produtiva de empresas, sendo que a prioridade do Governo agora é a da reconstrução.