Governantes que parecem “baratas tontas” e um Governo sem “sobriedade” que está a “desbaratar a autoridade do Estado”. Foi assim que Pedro Passos Coelho descreveu, dirigindo-se aos conselheiros nacionais do PSD, a atuação do atual Governo. Mas não só no caso dos incêndios, também no caso das offshore e até no caso do roubo de armas e munições às Forças Armadas, hoje noticiado. Desnorte, descoordenação e falta de sentido de Estado foram as palavras de ordem. Uma postura evidenciada pelo primeiro-ministro que, segundo viria depois a dizer Luís Montenegro, contrasta em tudo com a postura do anterior governante, que depois de ter falado publicamente num suicídio que não aconteceu, fez um pedido de desculpas. Passos Coelho, contudo, não voltou a justificar-se pelo incidente.

Foi esta a mensagem que o líder do PSD transmitiu aos conselheiros nacionais na sua intervenção inicial na reunião do órgão máximo entre congressos, que decorreu esta quinta-feira à noite num hotel de Lisboa, e foi também assim que o líder parlamentar Luís Montenegro resumiu, numa comunicação aos jornalistas, aquilo que o PSD considera estar a ser o fio condutor de toda a atuação do atual Governo: uma atuação sem sobriedade e com o primeiro-ministro “mais preocupado com os seus níveis de popularidade”.

“O exemplo do fogo de Pedrógão Grande é sintomático. Numa altura em que os portugueses pedem respostas perante situações indescritíveis que levaram as vítimas ao encontro da morte, vem a público que o Governo anda a estudar níveis de popularidade do primeiro-ministro”, disse Luís Montenegro aos jornalistas à margem do Conselho Nacional, referindo-se à manchete desta quinta-feira do jornal i, que aponta para a suposta realização de um focus group para testar a popularidade do Governo no pós-incêndios.

“Isto diz muito do que é a postura do Governo e a forma como encara situações que exigiriam um sentido de Estado profundo”, disse.

Para Luís Montenegro, “há uma cada vez mais nítida revelação de um Governo que está a deixar colapsar o Estado, a autoridade e o próprio sentido do exercício das funções governativas, fazendo refletir essa postura em mais insegurança junto das pessoas”. Os exemplos vieram a seguir. Primeiro, a descoordenação no fogo de Pedrógão, depois as nomeações para os órgãos de coordenação da proteção civil, cujas estruturas foram mudadas nos últimos oito meses; depois ainda as queixas dos bombeiros de que há dívidas nos pagamentos.

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Depois, o caso da suposta fuga de dinheiro para contas offshore. Passos Coelho tentou interpelar, sem sucesso, o primeiro-ministro no debate de ontem no Parlamento, mas o PSD não vai largar o tema e vai exigir ao Governo que peça desculpa pelas acusações. É que o relatório da Inspeção Geral de Finanças, conhecido na terça-feira à noite, aponta para uma “conclusão inequívoca”, segundo Luís Montenegro: a de que não houve intervenção humana na fuga de 10 mil milhões de euros para paraísos fiscais no tempo do anterior Governo, nem houve culpa no tratamento feito pela Autoridade Tributária. Não se ouviu, no entanto, um pedido de desculpas de António Costa pelas acusações feitas ao governo anterior.

“O primeiro-ministro fez uma insinuação grave no Parlamento dizendo que o Governo que nós lideramos deixou sair 10 mil milhões para paraísos fiscais numa altura em que estava a promover medidas de austeridade. Uma acusação infundada, que está agora inequivocamente desmentida. O primeiro-ministro devia ter a atitude nobre que se exige a quem tem sentido de Estado e respeito pela posição que ocupa, que era a atitude de pedir desculpa”, apontou Luís Montenegro, sugerindo que PS e Governo aplicassem a si próprios aquilo que exigem ao PSD e ao CDS: “sobriedade e responsabilidade”.

Luís Montenegro falou ainda no exemplo das armas e munições roubadas das Forças Armadas, de que se teve conhecimento esta quinta-feira, para dar prova da “falta de segurança” que o Governo transmite. “São situações graves de mais que não podem acontecer. Só esperemos que não estejam a acontecer por falta de meios e de pessoal”, disse o líder parlamentar numa declaração aos jornalistas à margem da reunião do partido.

Na sua intervenção aos conselheiros, que não durou mais do que 25 minutos, Pedro Passos Coelho centrou-se no desnorte do Governo, com o líder do PSD a elogiar, por oposição, o comportamento dos seus deputados e dirigentes em todo o processo dos incêndios. “Mostraram sentido de Estado e sobriedade”, disse, sublinhando que o partido, agora, não pode deixar de cumprir a sua função fiscalizadora e de questionar. Sobre a gafe relacionada com os supostos suicídios que não se confirmaram, pouco ou nada se ouviu. Passos Coelho já tinha pedido desculpas pela declaração assente em informação não confirmada e isso terá chegado para Luís Montenegro dar nota das diferenças entre “o atual e o anterior primeiro-ministro”. Um pede desculpas, o outro não.

Mas não foi esse o entendimento de todos os conselheiros. Apesar de o Conselho Nacional ter sido descrito como “pacífico”, um dos habituais críticos não deixou passar o episódio em branco. Luís Rodrigues, antigo presidente da distrital de Setúbal, apontou o dedo ao “deslize” incompreensível de um “político experiente” como Passos Coelho. “Sabemos há muitos anos que a nossa relação com a comunicação social não é fácil. Sabemos que estamos em permanente escrutínio, e qualquer deslize pode ser ampliado contra nós. Não se entende como é que o senhor presidente do partido, que é tão experiente, pode ter cometido um deslize destes”, disse.

Tirando isso, nada mais sobre o polémico caso dos suicídios. Ao contrário do habitual, o Conselho Nacional durou pouco mais do que duas horas e, segundo apurou o Observador, terminou sem mais críticas audíveis à forma como o líder do partido geriu o ataque ao Governo na questão dos fogos. As críticas mais sonoras foram, na verdade, sobre a gestão do dossiê relacionado com a distrital de Lisboa, que vai a votos este sábado apesar de a recomendação do Conselho Nacional ter sido para que não houvesse distritais antes das autárquicas. Luís Rodrigues foi também um dos que chamou a atenção para esta situação.