O deputado social-democrata Duarte Marques fez esta quarta-feira um comentário na SIC-Notícias em que demonstrou desconhecimento sobre as alterações à Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais, e baseou o raciocínio numa confusão entre os conceitos de angariação de fundos e de donativos. Duarte Marques, ex-presidente da JSD, estava a debater com o deputado do Bloco de Esquerda José Gusmão e foi dos poucos sociais-democratas a criticar a forma opaca como o processo legislativo foi conduzido no Parlamento. Mas, ao tentar defender o fim dos limites para as angariações de fundos, argumentou que assim mais gente poderia contribuir para os partidos através dos donativos individuais, o que está errado. Até afirmou que a alteração aumentava a transparência e a fiscalização, porque os donativos são por cheque, quando acontece o contrário: haverá mais dinheiro vivo a circular nos partidos.

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Num comentário de 17 minutos, o deputado cometeu todos estes erros ao longo de apenas um. “Não vamos aumentar os montantes que cada pessoa pode dar”, começou por dizer no “esclarecimento” que quis dar. Era verdade. Só que estava a referir-se aos donativos de pessoas singulares — que nunca estiveram em causa na discussão desta semana — em vez de falar das angariações de fundos, cujo teto máximo os partidos decidiram revogar. “O limite é 650 mil euros no total”, afirmou. Estaria certo, no caso de estar a falar de angariação de fundos. O deputado estava convencido de que havia um teto para o total de donativos, quando o limite em causa é para a angariação de fundos. E não há teto para o conjunto de donativos para os partidos. A limitação existente é para o máximo que cada pessoa pode doar e não para o conjunto dos donativos oferecidos.

O deputado continuou. “Cada pessoa pode doar, neste caso, 25 mil euros”. Na verdade, segundo a lei em vigor, cada pessoa pode doar todos os anos, ao seu partido, um valor máximo de 25 Indexantes de Apoios Sociais (IAS). Ao atual valor do IAS, isso quer dizer que cada particular tem como limite para a sua generosidade apenas 10,7 mil euros por ano, menos de metade do que a informação avançada pelo social-democrata. Para as campanhas eleitorais é que podem ser feitos donativos individuais até 60 IAS, que correspondem ao valor citado por Duarte Marques.

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[Veja aqui o fact-check em vídeo ao que disse Ana Catarina Martins sobre as mexidas na lei]

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Sem fazer qualquer referência explícita a esta matéria, o deputado terá usado o valor de donativos para as campanhas e não para os partidos, porque outro artigo da mesma lei sobre as campanhas eleitorais diz que podem ser feitos donativos em ações de angariação de fundos. Ou seja: num jantar de angariação de fundos é possível haver uma caixa onde os militantes deixam cheques com donativos. Mais uma vez, o deputado enganou-se, porque o limite de 650 mil euros se refere à angariação de fundos para os partidos e não à angariação de fundos para as campanhas eleitorais. São coisas diferentes? Sim. As contas dos partidos e as contas das campanhas eleitorais têm contabilidades diferentes. Portanto, os donativos e as angariações para as campanhas não se cruzam com os donativos e angariações para o financiamento do partido. O Observador confirmou estas informações com um antigo secretário-geral de um partido e com Margarida Salema, ex-presidente da Entidade das Contas.

Como a argumentação começou errada, quanto mais elaborou, mais se enganou. Esta é a frase onde vai mais fundo no erro:

Bastava 30 pessoas fazerem estas doações e já se chegava ao limite. Já que os partidos tiveram muitos cortes nas suas subvenções nos últimos anos estamos a permitir que mais gente possa doar dinheiro aos partidos, mas estas doações são registadas”, afirmou.

Duarte Marques achou, outra vez, que os donativos contavam para o teto das angariações. A nova legislação, se for promulgada, não faz alterações à quantidade de pessoas que podem fazer donativos. O que a alteração permite é que os partidos possam incorporar, sem limitações, mais receitas de festas como a do Avante!. Ao contrário do que sugere o deputado, nunca os partidos atingiram o limite da angariação de fundos, como chegou a dizer ao Observador João Paulo Batalha, presidente da associação Transparência e Integridade.

No remate desta parte do debate com o deputado bloquista, Duarte Marques chegou a alegar que esta alteração até aumentava a transparência dos financiamentos.“Havendo maior abertura para que haja mais doações, elas são registadas, têm de ser feitas por cheque ou por transferência bancária, não podem ser por dinheiro, e a Entidade das Contas tem a possibilidade de fiscalizar. Aí há transparência. Há um reforço de fiscalização daquilo que é a atividade dos partidos”. Pelo contrário, a situação piora: com o fim do limite à angariação de fundos, haverá mais dinheiro vivo nos partidos, que entra em caixa na bilheteira de festas, de jantares, de leilões, etc. Aliás, Margarida Salema, ex-presidente da Entidade das Contas, diz ao Observador que se as angariações de fundos em dinheiro vivo passam a não ter limites, isso “enfraquece a necessidade de controlo. Se não há limites legais para quê o controlo?”, questiona a jurista.

Em declarações ao Observador, Duarte Marques admite problemas de precisão, mas discorda da interpretação do Observador: “Não concordo com esta interpretação. Mas se pode haver algum equívoco de linguagem lamento, da minha parte.”