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Diretor de campanha de Rio promoveu obras de 2,2 milhões que beneficiaram dirigente do PSD

Este artigo tem mais de 5 anos

Câmara de Salvador Malheiro, diretor de campanha de Rio, fez contrato com clubes para relvados sintéticos. Obras de quase 2 milhões beneficiaram líder da concelhia do PSD de Ovar e futuro vereador.

Depois da cacicagem de votos nas diretas do PSD em que dirigiu a campanha no novo líder, Rui Rio, Salvador Malheiro vê-se agora envolvido noutra polémica
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Depois da cacicagem de votos nas diretas do PSD em que dirigiu a campanha no novo líder, Rui Rio, Salvador Malheiro vê-se agora envolvido noutra polémica

Depois da cacicagem de votos nas diretas do PSD em que dirigiu a campanha no novo líder, Rui Rio, Salvador Malheiro vê-se agora envolvido noutra polémica

Este artigo foi publicado no Observador em 24 de janeiro de 2018. Foi agora recuperado para efeitos de contexto sobre as buscas desta quinta-feira, 27 de maio de 2021, à câmara de Ovar.

Salvador Malheiro, presidente da Câmara Municipal de Ovar e diretor de campanha de Rui Rio nas diretas do PSD, entregou 2,2 milhões de euros a clubes e associações desportivas do concelho para a instalação de relvados sintéticos nos respetivos campos de futebol. Muitos dos contratos foram diretamente adjudicados pelos clubes à Safina, empresa de Pedro Coelho, líder da concelhia do PSD de Ovar (posteriormente vereador no executivo camarário de Salvador Malheiro). Mesmo quando a obra foi entregue a outra empresa, os relvados também foram comprados a esta firma que tem sede no concelho.

O empresário social-democrata e futuro vereador participou pelo menos numa reunião da câmara municipal com os clubes sobre este assunto, antes de qualquer consulta ao mercado e antes de a sua empresa ser contratada para fazer as obras de requalificação dos relvados. O Observador sabe que o próprio Pedro Coelho chegou a enviar três orçamentos de empresas diferentes a dirigentes de pelo menos um dos clubes para justificar a escolha da Safina — que aparecia com a proposta mais barata.

[Pode ver neste vídeo Salvador Malheiro a defender-se das suspeitas, numa entrevista ao Observador]

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Os contornos do negócio dos relvados sintéticos, que decorreu no primeiro mandato de Salvador Malheiro, entre 2013 e 2017, levantam dúvidas sobre a transparência do processo e sobre o papel de Pedro Coelho — que também foi mandatário concelhio de Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais de 2016. O presidente da câmara, Salvador Malheiro, que promoveu e controlou este processo, não só foi diretor de campanha de Rui Rio à liderança do PSD como também se tornou num dos homens fortes do novo líder social-democrata no caminho para a presidência do partido. Faz parte do seu núcleo duro. Foi também protagonista na história de cacicagem de votos, revelada pelo Observador, que envolveu o transporte de filiados no PSD para votar nas diretas de 13 de janeiro através da utilização da carrinha de um grupo folclórico do concelho financiado pela autarquia. Malheiro, que é presidente da distrital de Aveiro, tem a sua concelhia, de Ovar, envolvida numa série de polémicas relacionadas com a inscrição alegadamente irregular de militantes no partido.

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Vídeo. Como os caciques de Ovar angariaram votos para Rio

Entre 2013 e 2017 – período em que oito clubes e associações do concelho beneficiaram de obras de requalificação dos seus campos de futebol –, Pedro Coelho ainda não fazia parte do executivo camarário. Ainda assim, nos primeiros meses de 2015, quando já presidia à concelhia do PSD de Ovar, esteve presente em pelo menos uma reunião com elementos do executivo camarário, incluindo Salvador Malheiro, e dirigentes do Centro Cultural e Recreativo de Válega (CCRV) em que se discutiu a construção de uma pista de patinagem no clube, proposta que tinha vencido o Orçamento Participativo do ano anterior.

Nesse momento, a obra ainda não tinha sido oficialmente entregue a qualquer empresa e Pedro Coelho, diretor executivo da Safina – empresa especializada na produção de relvados sintéticos –, estaria na reunião como “representante” de uma construtora do Algarve, segundo uma fonte do clube. Estava em causa um contrato de 100 mil euros.

Em poucos meses, o cenário alterou-se. Em abril de 2015, a autarquia informou o clube de que a formalização do concurso para a construção da pista estava “atrasada” e sugeriu que a única forma de o projeto avançar rapidamente seria através da assinatura de um contrato-programa entre o CCRV e a Câmara Municipal de Ovar, que, além da construção da pista de patinagem, englobasse também o novo relvado sintético. O negócio passou a valer 400 mil euros.

Salvador Malheiro foi o diretor de campanha de Rui Rio, faz parte do seu núcleo duro e é presidente da distrital de Aveiro

É nessa fase que Pedro Coelho entra na história. As regras obrigavam o clube de Válega a apresentar três orçamentos à câmara municipal para a escolha da empresa a que seria atribuído o contrato. Além da Safina, o clube entregou propostas de orçamentos da Cotenis e da Ambienergy, garantiu uma fonte do CCRV.

Mas o Observador sabe que esses três orçamentos foram entregues ao presidente do clube pelo próprio Pedro Coelho, dirigente da Safina que, depois das eleições autárquicas de outubro do ano passado, passou a integrar o executivo camarário com o pelouro das obras públicas.

Foram-me entregues os três orçamentos e eu fi-los chegar à câmara, como a câmara me exigia”, diz Pedro Nunes, presidente do CCRV, ao Observador.

E de onde vieram esses orçamentos? “Quem mos deu foi a mesma pessoa”, refere o dirigente, sem “confirmar nem negar” que essa pessoa tenha sido Pedro Coelho. No entanto, o Observador teve acesso a informações trocadas entre dirigentes do clube onde ficava explícito que as propostas das outras empresas foram mesmo enviadas pelo dono da Safina e líder do PSD de Ovar a Pedro Nunes, do CCRV. O valor indicado por Pedro Coelho, o mais baixo das três empresas, era de 295.446,86 euros (a que se somariam os 100 mil euros para a construção da pista de patinagem). Trata-se do mesmo documento que refere explicitamente que Pedro Coelho esteve numa das reuniões entre a autarquia e dirigentes do Válega.

Nessa reunião, conta o presidente do Válega, um elemento da câmara chegou a perguntar em quem estava o clube a pensar para executar a obra (antes, claro, de ter havido uma consulta alargada ao mercado). E o dirigente desportivo assumiu que tinha pensado na Safina, tendo em conta que a empresa tinha há pouco ganho o concurso da UEFA para apetrechar a cidade anfitriã da final da Liga dos Campeões. Mais: sendo de Ovar, parecia-lhes certo que fosse a escolhida.

Conseguida a obra, a Safina acabaria por ter de subcontratar outras empresas para, entre outros trabalhos, instalar a pista de patinagem, que ficaria anexo ao novo campo de futebol com relvado sintético.

O programa de instalação dos tapetes sintéticos, que ajudou Salvador Malheiro a ganhar a autarquia ao PS em 2013 – depois de 20 anos de gestão socialista –, já previa um reforço da aposta nos clubes desportivos e recreativos do concelho. “Sentimos que, em Ovar, tínhamos infraestruturas desportivas que não estavam minimamente equiparadas com as dos nossos concelhos vizinhos”, justifica o autarca ao Observador.

Negócio “não consegue livrar-se de suspeitas”

Vítor Amaral é vereador em Ovar, eleito como independente nas listas do PS em outubro do ano passado

Em outubro do ano passado, Vítor Amaral encabeçou a candidatura do PS à Câmara de Ovar, chegando pela primeira vez à autarquia. Não acompanhou de perto o projeto de renovação dos campos do concelho, mas isso não o impede de manifestar reservas quanto à forma como o processo foi conduzido.

Pedro Coelho “não era vereador” na autarquia — diz Vítor Amaral — “mas tinha outra responsabilidade, como presidente da concelhia do PSD em Ovar, e julgo que o próprio PSD e o executivo deveriam ter tido mais cuidado no tratamento desta situação para evitar que tivessem sido lançadas suspeitas sobre a empresa, quando poderá – poderá – todo o processo ter sido regular”, admite o vereador.

Eleito como independente pelo PS, Vítor Amaral considera que a autarquia “nem consegue livrar-se dessas suspeitas, porque há esta ligação óbvia” com a concelhia social-democrata, de que é presidente o dono da Safina.

Em declarações ao Observador, o advogado critica a forma como o processo foi conduzido, com prejuízo dos cofres da autarquia. “Há má gestão, porque não é necessário ser-se economista para perceber que, se este conjunto de relvados tivesse sido adjudicado a uma única empresa por concurso e, de certeza, com vários concorrentes, o preço teria sido muito diferente, para melhor, que a soma do custo dos oito relvados adjudicados individualmente”, defende.

Oito campos novos em dois anos

A opção da autarquia foi outra. Ovar estabeleceu contratos-programa com cada uma das entidades beneficiadas e, individualmente, seriam essas associações e clubes a contratar uma empresa para realizar as obras nas respetivas instalações. A solução permite imputar a atribuição das verbas aos próprios clubes — encarregues, no papel, da escolha do responsável pela obra — afastando essa decisão da autarquia. Até porque, tratando-se de adjudicações feitas pela Câmara de Ovar, essas operações teriam de ficar registadas publicamente.

No documento do Válega, de que o Observador teve conhecimento, é dito que a câmara propôs à coletividade fazer um protocolo para que fosse esta a fazer a adjudicação da empreitada e que a autarquia entregaria a verba ao clube, dado que ambos os lados tinham interesse em acelerar o processo de construção dos novos equipamentos desportivos. Um ritmo que não seria possível se recorressem a um concurso público, teria indicado o município.

Pedro Coelho, dono da Safina, é vereador na Câmara Municipal de Ovar e presidente da concelhia do PSD

Líder da concelhia do PSD em Ovar desde 2013, o empresário – que não respondeu às questões do Observador – chegou a ser apontado como número dois de Salvador Malheiro para as últimas autárquicas, mas foi eleito como quarto elemento da lista. Nessa eleição, o PSD reforçou a sua posição na autarquia, conquistando mais sete mil votos do que quatro anos antes. Dos quatro mandatos iniciais, Malheiro passou para sete, numa clara maioria contra os dois vereadores do PS. Ao mesmo tempo, beneficiou de um alargamento de dois lugares no executivo (para nove) devido ao crescimento da população residente no concelho, que ultrapassou as 50 mil pessoas.

Na composição do novo executivo, o presidente reeleito decidiu entregar a Pedro Coelho o pelouro das Obras Municipais, ainda que o empresário esteja a cumprir o mandato apenas como vereador a meio tempo – foi, aliás, a atenção que lhe era exigida pela Safina uma das razões apontadas pelo vereador para não estar a tempo inteiro na câmara. “A empresa não está preparada para a minha exclusividade de funções autárquicas”, disse em outubro ao Ovar News.

O presidente da câmara de Ovar reconheceu, em conversa com o Observador, que o empresário “é uma pessoa de relações estreitas” com a autarquia. O convite para integrar o executivo foi um passo natural. “Pedro Coelho é presidente da comissão política, mostrou interesse em fazer parte da equipa da câmara, é uma pessoa da minha confiança, uma pessoa extremamente competente, um líder nato, com competências ao nível da gestão e da economia e que achei por bem integrar na minha equipa”, explica Malheiro, que se mostra “satisfeito por ser um fornecedor local a poder participar nesse tipo de empreitadas”.

Ainda assim, Salvador Malheiro rejeita qualquer intervenção da câmara no processo que resultou na adjudicação das obras à Safina:

No âmbito da modernização das infraestruturas desportivas, o nosso único interlocutor foram os clubes desportivos e tudo o que sejam regras de contratação pública foi entre os clubes desportivos e as empresas contratadas”, refere o autarca, reforçando a ideia de que “a responsabilidade da contratação do empreiteiro nada tem a ver com a Câmara Municipal de Ovar”.

Sem negar que Pedro Coelho tenha estado presente em reuniões entre elementos da câmara e dirigentes dos clubes, o presidente da Câmara de Ovar garante que as discussões à volta da mesa não serviram para sugerir a empresa do dirigente social-democrata para a adjudicação das obras. “Nesse pressuposto, é completamente impossível” que o empresário tenha participado nos encontros, diz o autarca.

A versão é corroborada por parte dos dirigentes associativos contactados pelo Observador: que a Safina foi escolhidas pela associações desportivas e não pela câmara. Mas não todos. Em São Vicente de Pereira, outra das localidades do concelho com um campo renovado, Joaquim Godinho lembrou ao Observador que o clube já pedia apoios públicos para a instalação de um relvado sintético desde 2008. Conseguiu-o em 2015, mas deixando nas mãos da autarquia essa fase do processo.

A obra custou 230 mil euros, comparticipados a 100% pela Câmara de Ovar – à imagem do que aconteceu nos oito clubes e associações beneficiadas por esses contratos-programa. Questionado sobre a escolha da Safina, o presidente da Associação Recreativa e Cultural de São Vicente diz que “foi a câmara quem arranjou o empreiteiro”.

Joaquim Godinho recusou gravar uma entrevista com o Observador. Mas, questionado sobre a abertura da autarquia para que o clube apresentasse propostas alternativas à empresa de Pedro Coelho, o dirigente afastou esse cenário: “Não tínhamos hipótese, se a câmara financiava, nós não tínhamos hipótese” de optar por outra solução.

Mesmo fora do executivo camarário, Pedro Coelho mostrava-se a par do processo que a câmara ia desenvolvendo com os clubes e associações do concelho. Foi o presidente da concelhia do PSD em Ovar quem, numa fase avançada da obra em Válega, informou os responsáveis do clube de que a instalação do relvado sintético “estava prevista para depois de todas as outras” associações e clubes terem beneficiado do programa. Essa calendarização, explicou Pedro Nunes ao Observador, só foi alterada porque a obra acabou por agregar o campo sintético e o ringue de patinagem, que acabariam por ser inaugurados a 25 de abril de 2016.

Salvador Malheiro no campo do Guilhovai, um dos beneficiados pelo contrato-programa da Câmara de Ovar

Foram sete, ao todo, as fitas cortadas por Salvador Malheiro nos últimos dois anos de mandato antes da reeleição (um dos campos ainda não foi inaugurado). Além de Válega e S. Vicente, foram abrangidos pelo programa de requalificação as associações de Cortegaça, Guilovai, Ovarense (por inaugurar), Esmoriz, Furadouro e Arada. Somando todos os projetos, estão em causa projetos mais de dois milhões de euros.

As verbas, como Salvador Malheiro lembra, não foram diretamente entregues pela Câmara de Ovar à empresa que ficou responsável pela obra. O processo tinha uma fase intermédia: a autarquia assinava o contrato-programa com o clube ou associação, que contratava o empreiteiro – invariavelmente, a Safina –, que por sua vez pagava à empresa vencedora do projeto. No seu gabinete, com vista para a Praça da República, Salvador Malheiro faz questão de sublinhar, em declarações ao Observador, que a câmara que dirige esteve sempre distante do processo de escolha do empreiteiro. “A responsabilidade da contratação do empreiteiro nada tem a ver com a Câmara Municipal de Ovar”, sublinha.

As buscas do processo “Ajuste Secreto”

A instalação de oito relvados sintéticos no concelho de Malheiro é o mais recente episódio a envolver dirigentes locais do PSD. Um outro caso, tornado público no verão do ano passado, levou à detenção dos sociais-democratas Hermínio Loureiro e Isidro Figueiredo (ex e atual presidentes da Câmara de Oliveira de Azeméis).

A operação da Polícia Judiciária foi batizada de “Ajuste Secreto”. Como o Observador escreveu em julho, os inspetores investigavam, entre outros, eventuais crimes de corrupção passiva e prevaricação, por haver suspeitas de que tinha sido montado um esquema de manipulação da adjudicação de contratos públicos que terão beneficiado diversas empresas de construção de obras públicas.

Operação Ajuste Secreto. PJ apreende 6 milhões de euros em contas bancárias

Também naquele caso estiveram envolvidos clubes de futebol do concelho que foram alvo de obras de requalificação. As empresas escolhidas para a tarefa seriam previamente escolhidas por responsáveis da autarquia e acertavam entre si os preços a apresentar a concurso, condicionando a atribuição dos ajustes diretos, e o valor da obra era sobreavaliado, levando a um alegado desvio da verba excedente.

Nessa investigação, apurou o Observador, a Safina terá sido uma das empresas alvo de buscas por parte dos inspetores da Judiciária, mas não houve constituição de arguidos na firma de Pedro Coelho. Entre os quatro detidos em Oliveira de Azeméis há um nome próximo do presidente da Câmara de Ovar: José Francisco Oliveira, que, além de presidente da concelhia do PSD de Oliveira de Azeméis, é também secretário da distrital social-democrata de Aveiro, a que Salvador Malheiro preside desde 2016.

Contrato com a Safina a um ano das eleições

Negócios diretos entre a Câmara de Ovar e a Safina, há apenas um: o contrato de pouco menos de oito mil euros para a “substituição de relva sintética da Escola da Relva, em Esmoriz”, em 21 de setembro de 2016.

De acordo com o projeto de decisão da adjudicação que consta do portal de contratos públicos, a proposta da Safina “cumpre todos os requisitos solicitados”, nomeadamente o “critério de adjudicação previamente fixado – o do mais baixo preço”.

Mas, no mesmo documento, constata-se que apenas “foi convidada uma entidade” para essa intervenção e que a proposta, que “não foi objeto de negociação”, tinha um “preço base” de 7.950 euros, mais IVA.

Negócios diretos entre a Câmara de Ovar e a Safina, há apenas um: o contrato de pouco menos de oito mil euros para a “substituição de relva sintética da Escola da Relva, em Esmoriz”, em 21 de setembro de 2016.

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