O juiz desembargador Rui Rangel está a ser investigado num processo em que estão em causa crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem, branqueamento, tráfico de influências e fraude fiscal qualificada — e ao qual a PJ chamou Operação Lex. Segundo fonte da PJ ao Observador, esta terça-feira foram feitas 33 buscas — vinte das quais a casas, três a escritórios e sete a empresas e a três postos de trabalho, onde se inclui o Tribunal da Relação de Lisboa, SAD do Benfica e o estádio da Luz.

A investigação corre no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) na sequência de uma certidão extraída do processo que, em 2016, foi aberto e culminou na detenção de José Veiga e de Paulo Santana Lopes, no chamado caso Rota do Atlântico. Foi a passar a analisar ao detalhe as contas de Veiga que a PJ chegou ao juiz.

[Os talões, o seguro e os emails a pedir dinheiro. Veja no vídeo alguns indícios contra Rui Rangel e as polémicas do juiz]

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Foram constituídos, para já, 13 arguidos e detidos cinco suspeitos: dois advogados, o filho de um dos advogados, um oficial de justiça e uma mulher, que será a mãe de uma filha de Rui Rangel. Entre os arguidos no processo estão os juízes desembargadores Rui Rangel e a sua ex-mulher Fátima Galante — que não podiam ser detidos ao abrigo do estatuto dos juízes.

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Também o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá recusado assinar o mandado e os restantes documentos judiciais que a PJ trazia em seu nome para as buscas; Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica com a pasta das modalidades, e ainda João Rodrigues, ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, foram constituídos arguidos.

Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica com a pasta das modalidades, também foi constituído arguido, de acordo com informação avançada pela TVI 24 e que foi confirmada pelo Observador. Tavares, que foi apoiante de Rui Rangel em 2012 quando o juiz se candidatou à liderança do Benfica contra Luís Filipe Vieira, será suspeito do mesmo crime do líder benfiquista: tráfico de influência.

Pelos crimes em causa, suspeita-se que Rangel tenha recebido dinheiro para influenciar processos cuja apreciação caía no Tribunal da Relação, um tribunal de recurso. Estarão em causa quatro recursos.

Quem é quem no processo

1. Rui Rangel
Aos 60 anos, é juiz desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa, mas não é um juiz discreto. É normal vê-lo a dar opiniões na comunicação social e chegou mesmo a candidatar-se à presidência do Benfica. Tinha como principal concorrente o agora co-arguido Luís Filipe Vieira. As opiniões já chegaram a valer-lhe um processo disciplinar por “violação do dever de reserva” — como no caso que teve uma multa de 15 dias quando, em 2015, se pronunciou sobre a Operação Marquês num programa televisivo. O magistrado falava da prisão preventiva de José Sócrates, quando ele próprio tinha tido intervenção no processo em causa — ao decidir que não se justificava a continuação do segredo de justiça na “operação Marquês”, o que permitiu à defesa do ex-primeiro-ministro o acesso a todos os autos da investigação. O juiz foi também noticia quando, em 2015, reverteu uma decisão do juiz Carlos Alexandre e devolveu 30 imóveis avaliados em milhões de euros ao ex-líder do BES Angola, Álvaro Sobrinho, no âmbito do caso BES, em que o empresário angolano era suspeito de burla e de branqueamento de capitais. Rui Rangel foi agora apenas constituído arguido porque a lei não permite a sua detenção.

O juiz desembargador Rui Rangel

2. Fátima Galante
Juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, é ainda casada com Rui Rangel embora estejam separados há já alguns anos. Em 1996, a juíza foi acusada de corrupção passiva para ato ilícito. O Ministério Público dizia que tinha sido corrompida pelo solicitador Hernâni Patuleia (entretanto falecido) para decidir a seu favor num processo. O juiz de instrução acabou por não a pronunciar. A magistrada foi mais tarde arrolada como testemunha no processo e tentou, até junto do Tribunal da Relação, a dispensa de prestar declarações. Chegada ao tribunal da Boa Hora, em Lisboa, em que a procuradora de julgamento era Maria José Morgado, pediu para ser ouvida à porta fechada. Mas o pedido foi-lhe negado. Segundo o jornal Público, a testemunha declarou ter almoçado várias vezes com Hernâni Patuleia e ter aceitado, em outras ocasiões, tomar “um cafezinho” com o solicitador, mas disse desconhecer em absoluto que Hernâni Patuleia tivesse pedido ao advogado Gouveia Fernandes 15 mil contos para interferir num processo cível em que era juíza.”Se me tivesse passado pela cabeça uma situação dessas, não sei o que teria acontecido. Se calhar, seria eu a queixosa neste processo”, afirmou. Também foi agora constituída arguida e não pode ser detida.

3. Luís Filipe Vieira
É presidente do Sport Lisboa e Benfica. Não foi detido, mas foi constituído arguido no âmbito do processo que envolve Rui Rangel — que foi seu adversário na corrida à liderança do Benfica — embora se tenha recusado a assinar a notificação que os inspetores da PJ levavam. É suspeito de tráfico de influências.

O presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira

4. Rita Figueira
É a única mulher detida no processo, será a mãe de um dos três filhos de Rui Rangel.

5. Albertino Figueira
É o pai de Rita Figueira e, de acordo com o Diário de Notícias, está a ser investigado pelo Ministério Público e pela PJ por alegadamente ter participado na ocultação do dinheiro de Rangel, à semelhança do que terão feito outros arguidos, nomeadamente o advogado Santos Martins, o filho deste e a magistrada Fátima Galante.

6. José Santos Martins
O escritório do advogado José Bernardo Santos Martins foi alvo de buscas quando José Veiga foi detido, em fevereiro de 2016. Foi aqui que, segundo o Correio da Manhã, a PJ encontrou vários talões de depósito, sempre abaixo dos 10 mil euros, destinados ao juiz Rui Rangel. A PJ teria também aprendido emails de Rangel a solicitar esses valores. Tratando-se de um juiz desembargador, a investigação tinha que ser seguida por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, por isso foi extraída uma certidão e aberto um outro inquérito. José Santos Martins é um dos advogados detidos.

7. Bernardo Santos Martins, filho de José Santos Martins
Depois de deter o empresário José Veiga, por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, o Ministério Público passou a pente fino o rasto do seu dinheiro e deparou-se com transferências suspeitas para um titular. Os investigadores viriam a descobrir tratar-se do filho de José Santos Martins, que, quando confrontado, disse que esses valores pertenciam ao pai. Destas declarações resultaram buscas no escritório do advogado José Santos Martins, na Avenida de Berna em Lisboa. É um dos detidos.

8. Fernando Tavares
O seu escritório na SAD do Benfica foi alvo de buscas. Fernando Tavares voltou à administração de Luís Filipe Vieira nas últimas eleições do Benfica, depois de ter estado fora desde 2008 em discordância com o presidente. Tavares tinha acusado o presidente do Benfica de ser “dono” do clube numa entrevista ao Expresso. E chegou a apoiar a candidatura de Rui Rangel ao cargo. É sócio do Benfica desde 1976 (tem o número 5690), jogou futebol e é licenciado em Organização e Gestão de Empresas pela Universidade Técnica de Lisboa. Durante 30 anos de trabalho esteve ligado à BP em cargos de direção e administração, em Portugal e no estrangeiro.

9. Jorge Barroso
Advogado que, segundo o Correio da Manhã, trata dos negócios de Luís Filipe Vieira ligados ao imobiliário. É amigo em comum de Vieira e Rangel e é um dos detidos.

10. Octávio Correia
Oficial de justiça que, de acordo com o Correio da Manhã, viciava sorteios no Tribunal da Relação para atribuir certos processos a Rui Rangel. É um dos detidos.

11. João Rodrigues
Ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, é o mais recente arguido neste processo. Segundo a revista Sábado, João Rodrigues foi constituído arguido assim que aterrou em Portugal, chegado de Luanda.

12. Bruna Garcia do Amaral
É, segundo a RTP, a última namorada de Rui Rangel.

13. Nuno Proença

De acordo com o Ministério Público, será mais um dos elementos com que o juiz Rui Rangel contava para ocultar o património alegadamente ilícito, usando para isso uma conta bancária aberta em seu nome próprio. Proença tem ligações à família de Rita Figueira, também arguida no processo, e foi constituído arguido logo no início da semana, mas o seu nome só foi conhecido depois de realizadas as primeiras detenções, por um erro de cálculo das autoridades judiciárias.

Artigo alterado às 12h52 de 01/02/2018