O montado, ecossistema característico das regiões mediterrânicas e que ocupa milhares de hectares no sul do país, sobretudo no Alentejo, é um “aliado” contra as alterações climáticas, mas pode estar ameaçado sem uma gestão sustentável.
“A importância” do montado “é máxima” porque este ecossistema confere ao território “uma maior resiliência aos problemas associados às alterações climáticas”, realça à agência Lusa Pedro Azenha Rocha, responsável no Alentejo pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
O diretor regional do ICNF explica que este tipo de exploração da terra, que combina a agricultura, a criação de gado e a floresta de azinheiras e sobreiros, permite acumular “mais matéria orgânica e quantidade de água no solo”.
“As árvores fazem, de certa forma, uma barreira aos próprios efeitos das alterações climáticas e o montado é por excelência a ocupação florestal mais adequada para o sul de Portugal”, observa o especialista.
E “um bom sistema de montado”, continua, tem outro contributo para mitigar as alterações climáticas. As árvores e o subcoberto arbustivo fazem “mais sequestro de carbono” do que um “montado com uma densidade baixa”, ou seja, retiram da atmosfera dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases com efeito de estufa.
Os fogos florestais, que fazem disparar as emissões de CO2, têm no montado um “inimigo”, assinala, corroborado por Mário de Carvalho e Carlos Pinto Gomes, investigadores do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da Universidade de Évora (UÉ).
O sobreiro, do qual se extrai a cortiça, de que Portugal é o principal produtor mundial, “é uma árvore adaptada à passagem do fogo”, que “nunca chega à intensidade de fogo a que chegam outras árvores”, afirma Pedro Rocha, acrescentando que os incêndios também são “travados” com a “gestão regular ou mais intensiva do subcoberto florestal” no montado.
“É excelente para reduzir o risco de incêndio” porque, como é “gerido pelo pastoreio, não há biomassa para arder” e “é exemplo de biodiversidade”, enfatiza Carlos Pinto Gomes, admitindo que, com o aumento da temperatura e redução da pluviosidade, o montado, no futuro, possa vir a “povoar” mais o centro e norte do país.
Mário de Carvalho também atribui a resistência do montado aos fogos à biodiversidade e à ausência de matos. Só que é uma “solução” feita à medida da grande propriedade do Alentejo.
“Nada disto é viável em propriedades de meio, um, dois ou três hectares”, como acontece no centro e no norte, pelo que, para resolver os fogos, é necessário “ultrapassar o problema da estrutura fundiária”, nem que seja com “uma gestão integrada” da floresta nessas regiões, argumenta.
Apesar de bem adaptado no sul do país, alerta o diretor regional do ICNF, o ecossistema montado é “bastante complexo”, resultante do equilíbrio das presenças do homem, do gado e das árvores, e requer gestão cuidada e sustentável, ainda mais face às ameaças do clima.
“O montado tem cada vez menor densidade” e “está mais velho”, o que é “um problema” e obriga a medidas: “Temos de salvaguardar a regeneração natural e diminuir a carga de pastoreio”, assim como evitar práticas “mais lesivas”, como “a utilização de maquinaria” perto das árvores, defende.
Nas imediações de Évora, habituado a “conviver” com as secas cíclicas que assolam o Alentejo, como a atual, o produtor pecuário Caetano Oliveira Soares duvida que as alterações climáticas já se façam sentir na região.
Mas, mais por razões económicas, já há quase 30 anos que alterou a gestão dos 900 hectares da sua Herdade da Camoeira, que explora em sistema de montado. Antes, com solos que já eram pouco férteis, “não era rentável a criação de gado”, relata a Lusa.
“A produção de erva na propriedade era muito baixa”, pelo que desistiu de fazer searas e começou a adubar as pastagens, conta.
Esta aposta na recuperação da fertilidade do solo produziu resultados, aumentando a produção de pastagem, o que lhe permite alimentar o gado bovino e os cavalos que cria sem precisar de investir tanto em suplementos para os animais.
“As pessoas dizem que é preciso um investimento muito grande. É curioso porque, em vez de fazer a seara, gastei o mesmo dinheiro a adubar. Os resultados é que foram muito melhores”, realça.
A exploração “partiu com 1% de matéria orgânica no solo” e tem, “neste momento, 3% de matéria orgânica”, sublinha à Lusa o investigador Mário de Carvalho, que tem sido o “maestro” da gestão praticada nesta herdade alentejana.
E, quanto ao sequestro de carbono, em quase 30 anos, segundo os cálculos do académico, cada hectare desta herdade retirou da atmosfera uma quantidade de CO2 “equivalente à utilização de cerca de 60 mil litros de combustível” fóssil.
“É a matéria orgânica do solo que faz a maior parte do sequestro de carbono, portanto, não basta ter as árvores, temos é de cuidar da matéria orgânica”, defende.
Especialista em agricultura de conservação, sistema baseado na sementeira direta, sem mobilizar a terra, e em técnicas que favorecem o aumento do teor de matéria orgânica no solo, o docente aponta que este é o caminho, face às alterações climáticas: “O clima é aquilo em que não podemos mexer. A única possibilidade é melhorar as funções do solo”.
Um projeto com “carimbo” europeu, o LIFE “Montado-Adapt”, também está em curso em Portugal e em Espanha para promover a adaptação do montado nacional e da “dehesa” espanhola às mudanças do clima.
A iniciativa, de quase 3,5 milhões de euros de investimento, dos quais dois milhões são ajudas comunitárias, está a começar a ser implementada e quer demonstrar práticas de uso da terra sustentáveis e rentáveis neste tipo de ecossistema.
“A ideia é prever novas utilizações associadas ao montado, ver o que ele nos dá além do tradicional”, da lenha, da bolota, da cortiça, das culturas e das pastagens, “e pensar como o podemos valorizar”, realça o responsável do ICNF, uma das entidades parceiras do projeto.
Igualmente envolvido no projeto, o investigador Carlos Pinto Gomes diz que quer replicar “os bons exemplos” de gestão do montado. Mas, para estimular os agricultores, sugere mais apoios da União Europeia às práticas mais amigas do ambiente.
A União Europeia “não apoia ainda o suficiente, mas pode vir a apoiar. Se existir uma majoração ao nível das subvenções para as boas práticas agropecuárias”, favorecedoras da conservação da biodiversidade, “não tenho dúvidas de que o agricultor só tem vantagens”, afirma.
Quem não se arrepende da gestão adotada na sua herdade de montado é Caetano Oliveira Soares: “Conseguir que o meu solo armazene mais água é bom, havendo ou não alterações climáticas. Arrependo-me é de não ter feito mais, porque os bons resultados que vamos obtendo vêm sempre de termos mais cuidado e atenção com o solo”.