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AFP/Getty Images

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A Pilhagem de África - e de Angola - contada por um jornalista do Financial Times

Um jornalista do Financial Times investigou a corrupção instalada nas capitais africanas, com Luanda em grande destaque. Aqui está o capítulo dedicado a Angola.

África é o continente mais pobre do mundo – e também o mais rico. Embora concentre apenas 2% do PIB mundial, alberga 15% das reservas de petróleo, 40% do ouro e 80% da platina. No seu subsolo jaz um terço das reservas minerais do planeta. Mas o que poderia constituir a salvação do continente é, pelo contrário, uma maldição. Tom Burgis, jornalista do Financial Times que foi durante anos correspondente em África, faz um relato poderoso das complexas teias de relações entre o crescente poder chinês, a corrupção das elites africanas e o delapidar do património natural das nações do continente – é o livro A Pilhagem de África, da editora Vogais. O primeiro capítulo começa por Angola, neste excerto que aqui lançamos em pré-publicação.

Pouco mais do que medo e esgotos correm pela encosta inclinada que separa o complexo presidencial de Angola do bairro de lata ribeirinho mais abaixo. Dilatado por refugiados que fugiram de uma guerra civil que durante três décadas ora estalava ora parava no interior, Chicala estende‐se a partir da marginal principal de Luanda, a capital. De tempos a tempos o oceano envia uma tempestade que arrasa as habitações pobres. Os barqueiros afadigam‐se nas enseadas, enquanto os seus passageiros se habituam ao mau cheiro que emana das águas.

Este não é o rosto que Angola prefere apresentar ao mundo. Desde o fim da guerra civil, em 2002, esta nação de 20 milhões de pessoas registou algumas das taxas de crescimento económico mais altas da década, por vezes ultrapassando mesmo a China. Os campos de minas cederam o lugar a novas estradas e caminhos de ferro, parte de uma tentativa multibilionária para reconstruir um país que um dos piores conflitos por procuração da Guerra Fria tinha desfeito quase totalmente. Hoje, Angola ostenta a terceira maior economia da África subsariana, depois da Nigéria e da África do Sul. Luanda figura consistentemente no topo das cidades mais caras do mundo para estrangeiros, à frente de Singapura, Tóquio e Zurique. Em hotéis de cinco estrelas cintilantes como o que se encontra ao lado de Chicala, uma sanduíche normal custa 30 dólares. A renda mensal de uma casa de luxo de três quartos, não mobilada, é de 15 mil dólares. Os concessionários de carros de luxo fazem negócio rápido reparando os SUVs daqueles cujo rendimento cresceu mais depressa do que se conseguem tapar os buracos das estradas congestionadas. Na Ilha de Luanda, a faixa costeira glamorosa de bares e restaurantes que fica a pouca distância de barco de Chicala, os filhos da elite deslocam‐se a terra saindo dos seus iates para repor os seus stocks de Dom Pérignon a 2000 dólares por garrafa.

Os caminhos de ferro, os hotéis, as taxas de crescimento e o champanhe, todos vêm do petróleo que se encontra debaixo dos solos e do mar de Angola. E o medo também.

Em 1966, a Gulf Oil, uma empresa petrolífera americana que estava entre as chamadas sete irmãs que então dominavam a indústria, descobriu reservas espantosas de petróleo em Cabinda, um enclave separado do resto de Angola por uma faixa do seu vizinho, o Congo. Quando a guerra civil rebentou após a independência, em 1975, as receitas do petróleo sustentavam o governo comunista no poder do Movimento Popular de Libertação de Angola, ou MPLA, contra os rebeldes apoiados pelo Ocidente, a Unita. Vastas novas descobertas ao largo da costa subiram a parada nos anos 90 do século passado, tanto para as fações em guerra como para os seus aliados estrangeiros. Embora o Muro de Berlim tivesse caído em 1989, a paz só chegou a Angola em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, o líder da Unita. Por essa altura já cerca de 500 mil pessoas tinham morrido.

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Os caminhos de ferro, os hotéis, as taxas de crescimento e o champanhe, todos vêm do petróleo que se encontra debaixo dos solos e do mar de Angola. E o medo também.

O MPLA achou que a máquina do petróleo que construíra para sustentar o seu esforço de guerra podia ter outra utilidade. «Quando o MPLA deixou cair a sua ideologia marxista no início dos anos 90», escreve Ricardo Soares de Oliveira, uma autoridade em assuntos angolanos, «a elite no poder converteu‐se entusiasticamente ao capitalismo de compadrio». A corte do presidente — algumas centenas de famílias conhecidas como o Futungo, por causa do Futungo de Belas, o velho palácio presidencial — aventurou‐se na «privatização do poder».

Fundindo o poder político e económico como muitas elites pós‐coloniais, os generais, os manda-chuvas do MPLA e a família de José Eduardo dos Santos, o líder do partido formado na União Soviética que assumiu a presidência em 1979, apossaram‐se das riquezas de Angola. Isabel dos Santos, a filha do presidente, acumulou participações financeiras que se estendem desde a banca à televisão em Angola e Portugal. Em janeiro de 2013, a revista Forbes nomeou‐a a primeira mulher bilionária de África.

A tarefa de transformar a indústria do petróleo de Angola que era dedicada ao orçamento de guerra numa máquina para o enriquecimento da elite de Angola em tempo de paz recaiu sobre um homem baixo e forte, de cara redonda, sorriso vencedor e bigode aparado chamado Manuel Vicente. Abençoado com aquilo a que um colaborador chama «uma cabeça que parece um computador no que diz respeito a números», em jovem ensinara crianças em idade escolar para suplementar os seus magros rendimentos e sustentar a família.

Vicente poliu o seu inglês e o seu conhecimento da indústria petrolífera no Imperial College, em Londres.

Depois de um período como instalador aprendiz, estudou engenharia eletrotécnica. Embora tivesse sido criado por um sapateiro pobre de Luanda e pela sua mulher, uma lavadeira, Vicente acabou por se associar à irmã de José Eduardo dos Santos, assegurando, assim, um laço com o presidente. Enquanto outros quadros do MPLA estudaram em Baku ou Moscovo e voltaram para Angola para fazer a guerra de guerrilha contra a Unita, Vicente poliu o seu inglês e o seu conhecimento da indústria petrolífera no Imperial College, em Londres. Em Angola, começou a sua ascensão através da hierarquia do petróleo. Em 1999, quando a guerra entrou nas suas movimentações finais, o presidente nomeou‐o para dirigir a Sonangol, a empresa petrolífera estatal angolana que funciona, nas palavras de Paula Cristina Roque, perita em assuntos angolanos, como «o principal motor económico» de um «governo‐sombra controlado e manipulado pela presidência».

Manuel Vicente, vice-Presidente angolano

BAGUS INDAHONO/EPA

Vicente tornou a Sonangol numa empresa formidável. Conduziu negociações duras com os gigantes do petróleo que gastaram dezenas de milhares de milhões de dólares no desenvolvimento das plataformas petrolíferas de Angola, entre eles a BP, do Reino Unido, e a Chevron e a ExxonMobil, dos Estados Unidos. Apesar das negociações duras, Angola encantou os gigantes e os seus executivos respeitavam Vicente. «Angola é para nós uma terra de sucesso», disse Jacques Marraud des Grottes, responsável pela exploração e produção africana da francesa Total, que extraiu mais petróleo do país do que qualquer outra empresa.

Durante o mandato de Vicente, a produção petrolífera quase triplicou, aproximando‐se dos 2 milhões de barris por dia — mais do que um em cada 50 barris extraídos em todo o mundo. Angola rivalizava com a Nigéria pela coroa de principal exportador de petróleo de África e tornou‐se o segundo maior fornecedor da China, depois da Arábia Saudita, ao mesmo tempo que também exportava quantidades significativas para a Europa e para os Estados Unidos. A Sonangol atribuiu a si própria participações em explorações petrolíferas de empresas estrangeiras e usou as receitas para introduzir os seus tentáculos em todos os cantos da economia nacional: imobiliário, cuidados de saúde, banca, aviação. Até tem uma equipa de futebol profissional. A entrada da torre ultramoderna no centro de Luanda que acolhe a sua sede está revestida de mármore, com assentos confortáveis para as resmas de emissários do Ocidente e do Leste que vêm procurar petróleo e contratos. Poucos conseguem acesso aos pisos mais elevados de uma empresa comparada por um estrangeiro que ali trabalhou ao «Kremlin sem os sorrisos». Em 2011, as receitas de 34 mil milhões de dólares da Sonangol rivalizavam com as da Amazon ou da Coca‐Cola.

Quando o FMI examinou as contas nacionais de Angola, em 2011, descobriu que entre 2007 e 2010 desapareceram 32 mil milhões de dólares, uma soma maior do que o PIB de 43 dos países africanos. A maior parte do dinheiro em falta podia ser imputada a despesas não registadas da Sonangol; 4,2 mil milhões ficaram completamente por justificar.

Tendo expandido a máquina de pilhagem do Futungo, Manuel Vicente ascendeu ao círculo íntimo. Sendo já membro do comité central do MPLA, esteve durante pouco tempo num posto especial como responsável pela coordenação económica antes de ser nomeado vice‐presidente de José Eduardo dos Santos, nunca deixando o seu papel como o Sr. Petróleo de Angola. Trocou a sede da Sonangol, na baixa, pelas vivendas à sombra das acácias da cidade alta, o enclave no alto da colina construído pelos colonizadores portugueses que hoje é o centro nevrálgico do Futungo.

Tal como os seus homólogos chineses, o Futungo abraçou o capitalismo sem afrouxar a sua garra sobre o poder político. Só em 2012, depois de 30 anos como presidente, é que José Eduardo dos Santos ganhou um mandato do eleitorado — e mesmo assim só depois de manipular as eleições a seu favor. Os críticos e os que protestam foram encarcerados, espancados, torturados e executados. Embora Angola não seja um estado policial, o medo é palpável. Um chefe dos serviços secretos é saneado, um avião tem uma avaria, alguns ativistas sofrem uma emboscada, e toda a gente percebe que são potenciais alvos. Há agentes de segurança a cada esquina, deixando bem claro que estão a vigiar. Ninguém quer falar ao telefone porque partem do princípio que estão sob escuta.

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Na manhã de sexta‐feira, dia 10 de fevereiro de 2012, a indústria do petróleo agitava‐se em expetativa. A Cobalt International Energy, uma empresa de exploração petrolífera do Texas, tinha anunciado resultados sensacionais ao nível da extração. A uma profundidade no mar angolano equivalente a metade da altura do Monte Evereste, a Cobalt tinha encontrado aquilo a que chamou um reservatório de petróleo de «dimensão mundial». A descoberta tinha aberto uma das mais promissoras novas fronteiras do petróleo, com a Cobalt na situação ideal quer para extrair o petróleo em si quer para se vender a um dos gigantes e fazer um lucro interessante para os seus proprietários. Quando a Bolsa de Nova Iorque abriu, as ações da Cobalt dispararam. A determinada altura, tinham subido 38 por cento, uma variação tremenda num mercado onde as ações raramente oscilam mais do que dois pontos percentuais. Ao fim do dia, o valor de mercado da empresa estava em 13,3 mil milhões de dólares, mais 4 mil milhões do que na noite anterior.

Para Joe Bryant, o presidente e diretor executivo que fundou a Cobalt, uma aposta baseada na geologia pré‐histórica parecia ter recompensado de forma espetacular. Há cem milhões de anos, antes de as deslocações tectónicas as terem separado, as Américas e África eram um único continente — as duas costas do Atlântico Sul são muito parecidas. Em 2006, empresas petrolíferas tinham perfurado a grossa camada de sal debaixo do mar do Brasil e descoberto uma grande quantidade de petróleo. Uma camada semelhante de sal estendia‐se a partir de Angola. Bryant e os seus geólogos questionavam‐se se o mesmo tesouro estaria também debaixo da camada de sal de Angola.

«Joe Bryant fez‐se um homem do petróleo do círculo íntimo muito depressa», disse‐me um perito em assuntos angolanos bem relacionado.

Bryant trabalhara como diretor das lucrativas operações da BP em Angola, onde se relacionou com o Futungo. «Joe Bryant fez‐se um homem do petróleo do círculo íntimo muito depressa», disse‐me um perito em assuntos angolanos bem relacionado. Os executivos franceses eram conhecidos por serem «arrogantes», mas Bryant fez amigos em Luanda. «Ele sabe relacionar‐se com eles, sabe como falar com eles», disse o perito. Em 2005, Bryant decidiu aventurar‐se sozinho e fundou a Cobalt, levando consigo o diretor de exploração da BP e montando um escritório em Houston, a capital da indústria petrolífera dos EUA. «Íamos literalmente da minha garagem para a competição com as maiores empresas do mundo», recorda Bryant.

Bryant precisava de financiadores com dinheiro. Encontrou‐os em Wall Street. Os corretores da Goldman Sachs há muito que jogavam no mercado das matérias‐primas; os banqueiros argutos da Goldman supervisionavam fusões e aquisições entre grupos de recursos. Agora, na Cobalt, teria a sua própria empresa petrolífera. A Goldman e dois dos fundos de investimento privados mais ricos dos Estados Unidos, o Carlyle e o Riverstone, juntos entraram com 500 milhões de dólares para lançar a Cobalt.

Em julho de 2008, quando a Cobalt estava a negociar direitos de exploração para testar a sua teoria sobre o potencial da fronteira petrolífera «pré‐sal» de Angola, os angolanos impuseram uma condição. A Cobalt teria de aceitar duas pequenas empresas angolanas desconhecidas como parceiras menores no empreendimento, cada uma com uma participação minoritária. A exigência era parte ostensiva do objetivo confesso do regime de ajudar os angolanos a ganhar âncora numa indústria que dá apenas 1 por cento de empregos e gera quase toda a receita das exportações do país. Consequentemente, em 2010, a Cobalt assinou um contrato em que detinha uma participação de 40 por cento no empreendimento e seria o operador.

«A Cobalt», disse um mediador imobiliário local, «vai ser uma história de enorme sucesso em Houston».

A Sonangol, a empresa petrolífera estatal, tinha 20 por cento. As duas empresas privadas locais, a Nazaki Oil and Gás e a Alper Oil, receberam 30 por cento e 10 por cento, respetivamente. A exploração começou com determinação. Ainda antes da descoberta incrível, os geólogos da Cobalt tinham batizado o seu projeto angolano «Pó de Ouro». No auge da subida das ações da Cobalt depois de revelar a sua descoberta angolana, as ações da Goldman Sachs na empresa valiam 2,7 mil milhões de dólares. A Cobalt mudou‐se para o outro lado de Houston, para uma sede novinha em folha perto dos escritórios dos gigantes. Uma pessoa que foi ao escritório de Joe Bryant no Centro Cobalt chamou a atenção para a vista deslumbrante sobre a cidade. «A Cobalt», disse um mediador imobiliário local, «vai ser uma história de enorme sucesso em Houston».

Havia só um senão. O que a Cobalt não tinha revelado — de facto, o que a empresa sustenta que não sabia — era que três dos homens mais poderosos de Angola detinham participações secretas na sua parceira, a Nazaki Oil and Gás. Um deles era Manuel Vicente. Enquanto responsável máximo pela Sonangol na altura do negócio da Cobalt, ele supervisionou a atribuição das concessões de petróleo e as condições dos contratos. Os outros dois donos secretos da Nazaki não eram menos influentes. Leopoldino Fragoso do Nascimento, um antigo general conhecido como Dino, tem interesses desde as telecomunicações até ao comércio do petróleo. Em 2010, foi nomeado assessor do terceiro dono poderoso da Nazaki, o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, mais conhecido como Kopelipa.

Um político veterano do Futungo que se desentendeu com Kopelipa disse‐me que, se chegasse o dia da queda de Kopelipa, «as pessoas na rua irão desmembrá-lo pelo que ele fez no passado». Como chefe do departamento militar da presidência, alguns até se atrevem a chamar‐lhe «o chefe do boss».

Mais recentemente, surgiu como o mais destacado dos «generais empresários», as figuras de proa do dispositivo de segurança que traduziram a sua influência em participações nos diamantes, petróleo e qualquer outro setor que pareça lucrativo. Entre eles, este trio formou o núcleo da sanha comercial do Futungo.

Uma lei de 1977, há muito negligenciada, proíbe as empresas americanas de participarem na privatização do poder em terras distantes. Revista em 1998, a The Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) [Lei das Práticas Corruptas Estrangeiras] criminaliza uma empresa que opere nos Estados Unidos se pagar ou oferecer dinheiro ou qualquer coisa de valor a funcionários estrangeiros para ganhar negócios. Abrange as empresas em si e os seus funcionários. Durante anos, depois de ser aprovada, a FCPA foi mais um ideal louvável do que uma lei efetivamente cumprida. Contudo, a partir de 2000, as agências que deviam fazê‐la cumprir — o Departamento de Justiça, que propõe ações penais, e a Comissão de Valores Mobiliários, o regulador da bolsa de valores, que trata das ações cíveis — começaram a fazê‐lo com entusiasmo. Foram atrás de alguns dos nomes grandes, incluindo a BAE Systems, a Royal Dutch Shell e uma antiga subsidiária de Halliburton chamada Kellog Brown & Root. As três admitiram ter infringido a FCPA ou ter cometido infrações relacionadas com a FCPA, e os casos resultaram em multas e restituição de lucros num total de mais de mil milhões de dólares — muito embora tais quantias mal belisquem os lucros de empresas da sua dimensão.

As empresas petrolíferas e de extração mineira contam com mais processos ao abrigo da FCPA e de leis semelhantes aprovadas noutros sítios do que qualquer outro setor.12 De facto, os acordos da Halliburton e da Shell estavam relacionados com subornos na Nigéria. As empresas queriam direitos a áreas geográficas específicas com as melhores condições possíveis. Para os habitantes dos estados com recursos naturais da África subsariana, atrair algum do rendimento que algumas empresas de exploração de recursos pagam ao estado a troco de território lucrativo — ou assumir uma posição de controlo nesse território — é, de longe, o caminho mais direto para as riquezas.

Entregar uma mala cheia de notas é apenas a maneira mais simples de enriquecer os funcionários locais através de empreendimentos petrolíferos e mineiros geridos por empresas estrangeiras.

Entregar uma mala cheia de notas é apenas a maneira mais simples de enriquecer os funcionários locais através de empreendimentos petrolíferos e mineiros geridos por empresas estrangeiras. Uma técnica mais sofisticada envolve empresas locais, muitas vezes com pouco conhecimento anterior nas indústrias de recursos. É dada a estas empresas uma participação no princípio de um projeto relacionado com petróleo ou minério, juntamente com as organizações estrangeiras que fazem as escavações e a perfuração. Por vezes, tais empresas são detidas por genuínos homens de negócios locais. Mas, outras vezes, são apenas empresas de fachada cujos proprietários são os próprios funcionários que influenciaram ou controlam a atribuição de direitos à exploração mineira e de petróleo e que procuram transformar essa influência numa participação nos lucros. Neste último caso, a empresa mineira ou petrolífera estrangeira arrisca‐se a ter problemas legais no seu país de origem. Contudo, muitas vezes os proprietários máximos das empresas de fachada escondem‐se atrás de várias camadas de secretismo corporativo. Uma razão pela qual as empresas de recursos estrangeiras levam a cabo o que é conhecido como «diligências devidas», antes de fazer investimentos no estrangeiro, é para procurar saber quem é efetivamente dono dos seus parceiros locais.

Em alguns casos, as investigações das diligências devidas equivalem a, nas palavras de um antigo banqueiro de topo, «fabricar negação plausível». Noutros, o trabalho das diligências devidas levanta tantas dúvidas sobre o futuro negócio que a empresa simplesmente o abandona. Frequentemente, as provas que as diligências devidas reúnem sobre os riscos de corrupção são inconclusivas. Nesse caso, cabe à empresa decidir se continua com o processo.

Em 2007, quando as suas ambições angolanas começaram a tomar forma, a Cobalt contratou a Vinson & Elkins e a O’Melveny & Myers, dois respeitáveis escritórios de advogados americanos, para levar a cabo as suas diligências devidas. Não é fácil obter registos empresariais em Angola, embora o acesso de qualquer empresa aos registos dos seus parceiros deva ser autorizado. Consegui obter os documentos de registo da Nazaki, e o seu influente trio de proprietários não aparece em lado nenhum nesses documentos. Mas havia algumas pistas. Um documento nomeia um homem chamado José Domingos Manuel como um dos sete acionistas da Nazaki e o gerente da empresa. O seu nome também aparece ao lado dos de Vicente, Kopelipa e Dino, na lista de acionistas de um empreendimento petrolífero diferente. Tal facto podia ter levantado suspeitas a qualquer empresa que estivesse a considerar um projeto de negócios com a Nazaki: demonstrava uma ligação clara entre um acionista da Nazaki e três dos homens mais poderosos do Futungo. (Foi‐me dito por duas pessoas que conhecem bem o Futungo que José Domingos Manuel tinha sido um oficial de alta patente nas forças armadas e que a sua ligação a Kopelipa era pública.) Havia outro sinal de alerta: seis dos sete acionistas da Nazaki eram pessoas individuais, mas o sétimo era uma empresa chamada Grupo Aquattro Internacional. Os próprios documentos de registo da Aquattro não nomeiam os seus acionistas. Mas são Vicente, Kopelipa e Dino.

Havia outro sinal de alerta: seis dos sete acionistas da Nazaki eram pessoas individuais, mas o sétimo era uma empresa chamada Grupo Aquattro Internacional, cujos acionistas são Vicente, Kopelipa e Dino.

Em 2010, dois anos após as autoridades angolanas terem dito pela primeira vez à Cobalt que queriam que esta assumisse uma parceria com a Nazaki, um ativista angolano que levava a cabo uma cruzada contra a corrupção chamado Rafael Marques de Morais publicou um relatório dizendo que Vicente, Kopelipa e Dino eram os verdadeiros proprietários da Aquattro e, consequentemente, da Nazaki. «Os seus negócios não fazem qualquer distinção entre assuntos públicos e privados», escreveu. A Nazaki era apenas um dente na engrenagem da pilhagem, o que significava que «os despojos do poder em Angola são partilhados por um punhado de pessoas, enquanto a maior parte da população permanece na pobreza».

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Pelo menos um investigador da diligência devida sabia daquilo que a Cobalt diz que foi incapaz de determinar. Na primeira metade de 2010, um investigador — vamos chamar‐lhe Jones — trocou uma série de documentos com a Control Risks, uma das maiores empresas de informação empresarial. A Control Risks, mostra a correspondência, tinha lançado o «Projeto Banihana», um empreendimento aparentemente com o nome de código de uma cadeia de restaurantes japoneses da Florida, para estudar a Nazaki. Jones, um experiente trabalhador angolano, avisou o seu contacto na Control Risks de que as concessões de petróleo em Angola só eram concedidas se o MPLA e a elite empresarial daí tirassem proveito. De seguida apontou Kopelipa como um dos homens por trás da Nazaki. Nenhum cliente é nomeado na correspondência. (Na maior parte dos casos, os investigadores autónomos não sabem para quem estão, em última análise, a trabalhar). Tanto a Cobalt como a Control Risks se recusaram a dizer se o grupo do Texas era o cliente neste caso. Porém, o que é claro é que os avisos estavam lá e podiam ser encontrados. Pelo menos uma outra investigação de diligências devidas, que eu saiba, também teve conhecimento das ligações do Futungo com a Nazaki.

Em 2010, um ativista angolano que levava a cabo uma cruzada contra a corrupção chamado Rafael Marques de Morais publicou um relatório dizendo que Vicente, Kopelipa e Dino eram os verdadeiros proprietários da Aquattro e, consequentemente, da Nazaki.

Por sua conta e risco, a Cobalt avançou para um negócio num país que estava classificado, em 2010, no 168.° lugar entre 178 países no índice de perceção de corrupção anual da Transparency International, sem saber a verdadeira identidade do seu parceiro, uma empresa sem qualquer trajetória na indústria e registada num endereço numa ruela em Luanda que foi impossível localizar quando fui à procura dela, em 2012.

A Cobalt avançou para um negócio num país que estava classificado, em 2010, no 168.° lugar entre 178 países no índice de perceção de corrupção anual da Transparency International, sem saber a verdadeira identidade do seu parceiro.

Quando as autoridades americanas informaram a Cobalt de que tinham aberto um inquérito formal às suas operações em Angola, a empresa defendeu que tudo estava à vista. Sem a fanfarra que acompanhou o estrepitoso anúncio da sua grande descoberta, alguns dias antes, nesse mesmo mês, ao largo da costa atlântica, a Cobalt revelou a investigação no seu balanço anual. «A Nazaki negou repetidamente as alegações por escrito», declarou a Cobalt aos seus acionistas, dizendo ainda que tinha «levado a cabo uma investigação exaustiva a estas alegações e acreditamos que as nossas atividades em Angola cumpriram todas as leis, incluindo a FCPA». Dois meses mais tarde, quando escrevi a Joe Bryant para lhe perguntar sobre as alegações, o advogado da Cobalt respondeu e foi mais longe: as diligências «exaustivas e em curso» da Cobalt «não encontraram nenhuma prova credível da alegação central de que funcionários governamentais angolanos, e especificamente [Vicente, Kopelipa e Dino] detenham qualquer participação na Nazaki». Referindo‐se à sua grande descoberta de há poucas semanas, o advogado da Cobalt acrescentou: «O sucesso traz naturalmente consigo muitos desafios. Um deles é responder a alegações infundadas.»

O problema para a Cobalt residia em que as alegações não eram infundadas. Eu também tinha escrito a Vicente, Kopelipa e Dino, expondo as provas de que eles eram proprietários de participações na Nazaki, que eu tinha recolhido em documentos e entrevistas. Vicente e Kopelipa escreveram cartas quase idênticas em resposta, confirmando que eles e Dino, de facto, eram proprietários da Aquattro e, dessa forma, tinham participações secretas na Nazaki, mas insistindo que não havia nada de errado nisso. Tinham detido as suas participações na Nazaki, «sempre respeitando toda a legislação angolana aplicável a tais atividades, não tendo cometido qualquer crime de abuso de poder e/ou tráfico de influências para obter vantagens acionistas ilícitas». As holdings tinham, de qualquer maneira, sido «recentemente dissolvidas». Se a lei americana fizesse com que a Cobalt tivesse de sair de Angola, acrescentavam Kopelipa e Vicente, outros estariam dispostos a ocupar o seu lugar.

Vicente e Kopelipa escreveram cartas quase idênticas em resposta, confirmando que eles e Dino, de facto, eram proprietários da Aquattro e, dessa forma, tinham participações secretas na Nazaki, mas insistindo que não havia nada de errado nisso.

No escritório de Manuel Vicente no complexo presidencial da colina de Luanda, o único som era o do aparelho de ar condicionado que mantinha as salas a uns confortáveis 21°C e as marteladas que os operários davam fazendo a manutenção na rua, bem cedo, naquela manhã. Um Mercedes e um Land Cruiser estavam preparados para abrir caminho no meio do trânsito, se o ministro precisasse de se arriscar a ir para lá do muro vermelho alto que rodeia o complexo. A única decoração nas paredes beges era o retrato de José Eduardo dos Santos numa moldura dourada.

Vicente entrou, vestido com um fato elegante e com um ar fresco após a sua corrida matinal. Se estava incomodado por eu o ter apontado como beneficiário de um acordo petrolífero duvidoso dois meses antes, não o mostrava. De facto, como Vicente colocava as coisas, não havia nada de embaraçoso no acordo. Se, enquanto era responsável da Sonangol, tivesse conscientemente detido uma participação na empresa designada para ser parceira de um grupo estrangeiro, isso teria sido um «conflito de interesses», reconheceu ele. Mas Vicente, um homem com uma reputação de competência implacável e um conhecimento profundo da indústria petrolífera angolana, disse que não sabia que a Aquattro, a empresa de investimento de que fora proprietário com Kopelipa e Dino, era proprietária de participações na Nazaki, a parceira local da Cobalt. Quando «todas estas notícias apareceram», revelando que ele detinha, de facto, uma participação na Nazaki, «decidimos sair», disse ele. O seu interesse na Nazaki tinha sido «liquidado» no ano anterior, declarou. «Hoje em dia não sou diretor nem beneficiário direto da Nazaki.»

A posição de Vicente era basicamente a mesma que a da Cobalt: se havia alguma coisa menos própria no acordo, desconheciam. Vicente disse‐me que conhecia Joe Bryant «muito bem». A sua relação datava de anos antes da formação da Cobalt, quando Bryant trabalhava para a Amoco, uma petrolífera americana que se fundiu com a BP em 1998. Essa relação, pareceu‐me, podia ter sido uma maneira simples de verificar se Vicente e os seus amigos eram secretamente proprietários de participações da Nazaki. Bryant podia simplesmente ter perguntado a Vicente se os rumores eram verdadeiros. Perguntei a Vicente: Você e Bryant algum dia discutiram este assunto? «Não», afirmou ele.

Juntamente com as suas participações pessoais na indústria petrolífera, os membros do Futungo asseguram‐se de que as receitas do petróleo que revertem para o estado angolano são postas ao serviço dos propósitos do regime. O orçamento de Angola de 2013 alocou 18 por cento dos gastos públicos para a defesa e ordem pública, 5 por cento para a saúde e 8 por cento para a educação. Isso significa que o governo gastou 1,4 vezes mais na defesa do que na saúde e nas escolas em conjunto. Por comparação, o Reino Unido gastou quatro vezes mais em saúde e educação do que na defesa. Angola gasta uma parte maior do seu orçamento nas forças armadas do que o governo de apartheid da África do Sul nos anos de 1980, quando procurava esmagar a resistência doméstica crescente e fomentava conflitos entre os seus vizinhos.

O governo gastou 1,4 vezes mais na defesa do que na saúde e nas escolas em conjunto. Por comparação, o Reino Unido gastou quatro vezes mais em saúde e educação do que na defesa

Os generosos subsídios ao combustível são apresentados como um bálsamo para os pobres, mas, na verdade, beneficiam fundamentalmente os suficientemente ricos para poderem ter carro e os politicamente relacionados para ganharem uma licença de importação de combustível. O governo de Angola meteu petrodólares em contratos para estradas, habitação, caminhos de ferro e pontes a um ritmo de 15 mil milhões de dólares por ano, na década até 2012, uma soma enorme para um país com 20 milhões de pessoas. As estradas estão melhores, os caminhos de ferro estão lentamente a chegar ao interior, mas a explosão na construção também se revelou uma benesse para os burlões: calcula‐se que os subornos sejam responsáveis por mais de um quarto dos custos finais dos contratos de construção do governo. Além disso, muito do financiamento é feito sob a forma de crédito da China garantido pelo petróleo, sendo que muito desse crédito é controlado por um departamento especial que o general Kopelipa dirige há anos. «O país está a ficar com nova cara», diz Elias Isaac, um dos ativistas mais proeminentes de Angola na luta contra a corrupção. «Mas será que está a ficar com uma nova alma?»

Muito do financiamento é feito sob a forma de crédito da China garantido pelo petróleo e muito desse crédito é controlado por um departamento especial que o general Kopelipa dirige há anos. «O país está a ficar com nova cara», diz Elias Isaac, um dos ativistas de Angola na luta contra a corrupção. «Mas será que está a ficar com uma nova alma?»

Manuel Vicente estava empenhado em corrigir a impressão de que os governantes de Angola abdicaram dos seus deveres para com os seus cidadãos. «Só para o tranquilizar, o governo está a levar muito a sério, está empenhado em combater, em lutar contra a pobreza», disse‐me ele. «Somos pessoas sérias, sabemos muito bem qual é a nossa obrigação, e sabemos muito bem a nossa responsabilidade.» Falando com ele, não tive dúvidas de que havia uma parte de Vicente que queria melhorar a sorte dos seus compatriotas, ou pelo menos ser visto como estando a tentar fazê‐lo. «Sou cristão», disse ele. «Não funciona se nós estivermos bem e as pessoas à volta não tiverem nada para comer. Não nos sentimos confortáveis.»

Há duas soluções para esse problema: partilhar alguma comida ou tirar os famintos da vista. O historial do Futungo sugere que preferem a última.

António Tomás Ana vive em Chicala desde 1977, antes de a chegada dos refugiados da guerra civil que vieram do interior ter tornado uma calma colónia piscatória no mar de gente que é hoje, encurralada entre o oceano e as encostas que se erguem até ao complexo presidencial. Mais conhecido como Etona, é um dos artistas mais proeminentes de Angola. Numa oficina ao ar livre murada com tijolos, os seus ajudantes lascam troncos de acácia com cinzéis e maços. Uma das suas esculturas de madeira nodosa que são a sua marca registada decora o átrio da sede da Sonangol.

Entre os 65 mil vizinhos de Etona, em Chicala, estão oficiais das forças armadas e um fotógrafo profissional que ganha 5000 dólares por mês, que não dão para muito numa Luanda ultracara, mas que lhe permitiram construir no lugar da barraca em chapa, que comprou há 25 anos, o edifício anguloso mas sólido à volta do qual os seus netos brincam hoje. Em junho de 2012, aquela casa, tal como a oficina de Etona e a biblioteca comunitária que está a construir, estavam destinadas, juntamente com o resto de Chicala, a ser arrasados — e, desta vez, não pelo mar.

Se pudessem escolher, poucas pessoas escolheriam viver com as parcas comodidades e oportunidades de Chicala. O partido no poder prometeu eletricidade na campanha eleitoral de 2008, mas pouca chegou, e não tinha sobrado muita coisa da última promessa de abastecer água canalizada, feita no período que precedeu as eleições de 2012. Mas lugares como Chicala são comunidades, com a sua própria forma de viver e a sua própria camaradagem.

Etona passa muito tempo a pensar na forma de introduzir melhoramentos num bairro de lata que facilmente teria tido posses para deixar. «A regeneração não tem a ver com estradas e passeios — está na mente», disse‐me ele quando nos conhecemos na sua oficina, com a camisa vermelha limpíssima apesar do calor da tarde. «Isto», disse ele, levantando o braço para o bairro de lata movimentado, onde alguns jovens estavam a jogar furiosamente nos matraquilhos ali perto, «isto também é parte da cultura, parte do país». Mas os dias de Chicala estavam contados. Os seus habitantes iam ser realojados, quer quisessem quer não, em novos aldeamentos nos arredores de Luanda. Um novo hotel de luxo e os escritórios reluzentes de uma empresa petrolífera americana tinham nascido na periferia de Chicala, prenúncio daquilo que havia de tomar o lugar do bairro. Uma praia que em tempos fervilhava com bares e restaurantes onde se servia peixe tinha sido vedada, preparada para os empreiteiros.

Os residentes de Chicala com quem falei olhavam para as promessas das autoridades de uma vida melhor noutro sítio com profunda suspeita. Cerca de três mil tinham já saído, alguns reunidos pela polícia e amontoados em camiões com os seus pertences, sendo qualquer objeção ignorada. O governo está disposto a usar a força para fazer a limpeza dos bairros de lata, fazendo descer soldados de helicóptero para levar a cabo despejos ao romper do dia.24 Mas Etona, pelo menos, tencionava resistir quando chegasse a sua vez. «Se não falarmos, vamos ser levados para o Zango.»

O Zango fica a pouco mais de 19 quilómetros para sul do centro de Luanda, onde a dispersão da capital se torna menos densa, dando lugar ao mato ocre. Tal como um aldeamento idêntico para norte, dizem‐lhes que é um novo começo para os habitantes dos bairros de lata de Angola. Quem ouve os responsáveis diria que o Zango é a terra prometida. «Estamos a deslocá‐los para habitações mais dignas», disse‐me Rosa Palavera, diretora da unidade de redução da pobreza da presidência. «Não há serviços básicos [em Chicala]. Há criminalidade.»

Calcula‐se que três em cada quatro habitantes de Luanda vivam em bairros de lata conhecidos como musseques. Embora as condições nalguns, como a construção precária em cima de lixeiras, sejam dramáticas, Chicala e outros musseques centrais têm as suas vantagens. O trabalho, formal ou informal, está à mão, nas zonas comerciais de Luanda.

Mesmo que se ignore a negligência oficial que está por trás da falta de comodidades em Chicala, não se pode dizer que o Zango seja preferível. Quem mudou para o Zango tem sorte se encontrar serviços básicos ao mesmo nível dos que deixou para trás. Às vezes, as casas novas eram ainda mais pequenas do que as antigas. Nas fotografias aéreas, os novos aldeamentos pareciam campos de detenção, com as suas habitações atarracadas dispostas em filas invariavelmente iguais. Havia também barracões muito mais instáveis do que qualquer coisa semelhante em Chicala. Os que tinham tentado viver lá fazendo viagens diárias do Zango para a cidade, partiam muito antes de o sol nascer e regressavam à meia‐noite, mal lhes ficando tempo para dormir, já para não falar em ver os filhos. Outros recém‐chegados simplesmente regressaram diretamente para Chicala, uma decisão ousada dado que o bairro de lata está sob a alçada do departamento das forças armadas dirigidas pelo general Kopelipa, o temido chefe de segurança.

No caminho de regresso de Zango em direção ao centro de Luanda, a estrada atravessa a fronteira invisível que separa a maioria dos angolanos do enclave de abundância que a petroeconomia criou.

O novo e glamoroso aldeamento do Kilamba foi construído de raiz por uma empresa chinesa com um custo de 3,5 mil milhões de dólares. Os guardas de serviço nos portões adotam uma pose intimidatória à medida que nos dirigíamos para eles pela rua longa e curva. Permitem que os meus companheiros e eu passemos a troco do preço de uma garrafa de água. Lá dentro a atmosfera era sinistra, lembrando um daqueles filmes sobre desastres em que uma catástrofe eliminou todos os vestígios de vida. Nada bulia no calor seco. Fila após fila paralela de blocos de apartamentos reluzentes e de cor pastel, com entre cinco a dez andares, estendem‐se até desaparecerem no horizonte, marcadas por bermas cobertas de relva aparada e postes que transportam fios de eletricidade. As ruas eram como seda, as melhores de Angola. Com exceção das partes mais ricas da África do Sul, em particular os condomínios fechados, conhecidos pelos seus detratores como «canis de yuppies», eu nada vira em África que se parecesse com o Kilamba.

As casas recentemente acabadas estavam para venda por entre 120 mil e 300 mil dólares cada, aos suficientemente ricos para escaparem à pressão do centro de Luanda. Dizia‐se que os primeiros residentes dos 20 mil apartamentos já se tinham mudado para lá, mas não havia sinais deles. Cerca de metade da população de Angola vive abaixo da linha internacional de pobreza de 1,25 dólares por dia; levar‐lhes‐ia, a cada um, cerca de 260 anos a ganhar o suficiente para comprar o apartamento mais barato no Kilamba. Os preços desceram depois de uma visita oficial do presidente, mas mesmo assim só os angolanos mais ricos podem viver lá.

Dizia‐se que os primeiros residentes dos 20 mil apartamentos já se tinham mudado para lá, mas não havia sinais deles.

Equipas de trabalhadores chineses de fato de macaco e capacete aparecem em carrinhas de caixa aberta. Como outros projetos de construção chineses em África, o Kilamba foi construído com financiamento chinês e mão de obra chinesa, e fazia parte de um negócio maior que garantia aos chineses acesso aos recursos naturais — neste caso, ao petróleo de Angola. As bandeiras chinesa e angolana esvoaçavam sobre a entrada do Kilamba. Este era um projeto emblemático para o empreendedorismo chinês em África: Xi Jinping visitou o local quando ainda estava em construção em 2010, três anos antes de subir da vice‐presidência chinesa para a presidência. Um grande cartaz proclamava que Citic, o conglomerado estatal chinês cujas operações vão desde a banca até aos recursos e à construção, tinha construído a nova cidade.

A supervisão da construção tinha sido atribuída à Sonangol, que subcontratou a venda de apartamentos a uma empresa chamada Delta Imobiliária. Dizia‐se que a Delta pertencia ao império empresarial privado de Manuel Vicente e do general Kopelipa. Ambos os homens estavam perfeitamente colocados para usar o poder das funções públicas para conquistar ganhos pessoais para si próprios, tal como lhes tinham sido atribuídas participações escondidas no empreendimento petrolífero da Cobalt. O Kilamba era, nas palavras do ativista angolano Rafael Marques de Morais, «um verdadeiro modelo de corrupção africana».

O Kilamba era, nas palavras do ativista angolano Rafael Marques de Morais, «um verdadeiro modelo de corrupção africana».

Hexplosivo Mental canta rap com intensidade — sobrolho franzido, a mão esquerda a agarrar o microfone, a mão direita a cortar o ar. Tal como os Public Enemy e outros expoentes do rap de protesto antes deles, a sua arte passa por atacar os abusos dos poderosos. Figura espigada de capuz, empresta uma voz clara e lírica à dissidência em Angola que há muito era sobretudo sussurrada, exortando ao contragolpe contra o monopólio da riqueza e do poder da classe dirigente, com faixas como «Sentimento de um Pobre», «Reação das Massas» e «Livre de Ser».

Numa terça‐feira de maio de 2012, um grupo de dez jovens angolanos juntou‐se em Luanda na casa de um rapper de uma nova geração politicamente consciente. Hexplosivo Mental estava entre eles. Tinham estado envolvidos na organização das pequenas mas concertadas manifestações que haviam aturdido o regime. Na vanguarda do protesto contra o poder do Futungo, o grupo já tivera conflitos com as autoridades, nomeadamente quando a polícia dispersou as suas manifestações.

Irrompendo pela porta, os homens atacaram as suas vítimas com barras de ferro e machetes, partindo braços, fraturando crânios e derramando sangue. Feito o trabalho, desapareceram em jipes Land Cruiser. Um relato do ataque alegava que os veículos pertenciam à polícia.

Não era a primeira vez que a casa era invadida. Mas o bando de 15 homens que apareceu pouco depois das dez, nessa noite, queria ensinar uma lição mais séria aos dissidentes. Estava‐se a três meses das eleições em que José Eduardo dos Santos planeava garantir uma vitória retumbante, e a distribuição de dinheiro do petróleo por si só não seria suficiente para neutralizar as manifestações públicas de oposição ao seu governo. Irrompendo pela porta, os homens atacaram as suas vítimas com barras de ferro e machetes, partindo braços, fraturando crânios e derramando sangue. Feito o trabalho, desapareceram em jipes Land Cruiser. Um relato do ataque alegava que os veículos pertenciam à polícia — prova de que os atacantes faziam parte de uma das milícias pró‐regime, cuja tarefa era instilar medo antes das eleições.

Ninguém morreu nessa noite, mas quando falei com Hexplosivo Mental, semanas mais tarde, o seu braço gravemente ferido estava ainda a ser tratado. Combinámos encontrar‐nos discretamente numa rotunda movimentada em Luanda. Esperei cerca de 30 minutos até que ele telefonou a dizer que tinha tido de voltar para o hospital. Quando falou mais tarde ao telefone, o jovem rapper colocou a questão simplesmente: «Antes não sabíamos como protestar. Agora estamos a crescer.»

Houve algumas manifestações antigovernamentais significativas antes das eleições, mas se Hexplosivo Mental e os seus camaradas esperavam erguer um desafio a um regime entrincheirado à escala das revoluções da Primavera Árabe que tinham surgido mais a norte, fizeram‐no em vão. A soma de financiamento oficial disponível para os partidos políticos foi cortada de 1,2 milhões de dólares nas eleições legislativas de 2008 para 97 mil dólares. Entretanto, dizia‐se que o MPLA tinha gasto 75 milhões de dólares na sua campanha.

O MPLA tem apoio genuíno, especialmente nas cidades costeiras que foram o seu bastião durante a guerra, e entre aqueles angolanos que estão tão traumatizados pelo conflito que veem o voto em qualquer representante, por muito venal que seja, como a opção que representa o menor risco de um regresso das hostilidades. O regime deixa pouca coisa ao acaso, dominando os media, nomeando os seus lacaios para dirigir as instituições que levam a cabo as eleições, cooptando políticos da oposição e intimidando os opositores. Kopelipa presidiu a um aparelho eleitoral que deixou 3,6 milhões de pessoas impossibilitadas de votarem: quase tantos votos como o MPLA teve. A percentagem de votos do MPLA caiu 9 pontos comparando com as eleições de 2008, mas registou ainda assim uma vitória esmagadora, com 72 por cento dos votos. No novo sistema, o primeiro nome na lista do partido vencedor seria o presidente. Mais de três décadas depois de tomar o poder, José Eduardo dos Santos podia dizer que tinha um mandato para governar, apesar das revelações de uma reputada sondagem de opinião que mostravam que tinha a aprovação de apenas 16 por cento dos angolanos.

Mais de três décadas depois de tomar o poder, José Eduardo dos Santos podia dizer que tinha um mandato para governar

Em agosto de 2014, três anos depois de as autoridades americanas terem iniciado a sua investigação à corrupção relativa ao negócio angolano, a Cobalt emitiu um comunicado revelando que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tinha anunciado que poderia instaurar um processo cível contra a empresa. «A empresa cooperou totalmente com a CVM nesta matéria e tenciona continuar a fazê‐lo», anunciou a Cobalt. Joe Bryant apelidou a decisão da CVM de «errónea» e disse que a Cobalt continuaria a desenvolver os seus projetos angolanos. Na altura em que este texto foi escrito ainda não tinha sido instaurado qual‐ quer processo e a Cobalt continua a negar qualquer irregularidade, como fez sempre. O preço por ação da Cobalt, que levou um golpe de mil milhões de dólares após o aparecimento da notícia dos seus parceiros angolanos, tendo afundado ainda mais depois de resultados de perfuração medíocres, caiu mais dez por cento depois do aviso da CVM.

Os fundadores da Cobalt já obtiveram grandes lucros. Entre fevereiro de 2012, quando a Cobalt revelou que estava sob investigação formal, e abril desse ano, quando Kopelipa e Vicente me confirmaram que eles e Dino tinham participações na Nazaki, Joe Bryant vendeu 860 mil das suas ações na empresa por 24 milhões de dólares. Entre o início da investigação de corrupção e o fim de 2013 — período durante o qual a Cobalt também encontrou petróleo no Golfo do México — a Goldman Sachs, um fundo comum Riverside‐Carlyle, e a First Reserve, outra grande empresa privada de fundos de investimento americana, fizeram cada uma delas vendas de ações da Cobalt no valor de mil milhões de dólares.

A Goldman Sachs, um fundo comum Riverside‐Carlyle, e a First Reserve, outra grande empresa privada de fundos de investimento americana, fizeram cada uma delas vendas de ações da Cobalt no valor de mil milhões de dólares.

Tentei descobrir quem tinha adquirido a participação na Nazaki que, de acordo com Vicente, ele, Kopelipa e Dino tinham «liquidado», bem como se os seus parceiros de negócio ainda eram acionistas, mas nem o trio nem a empresa me quiseram dizer. Em fevereiro de 2013, a Nazaki transferiu metade da sua participação para a Sonangol, a empresa petrolífera estatal. O jornal oficial não revelou o montante pago pela Sonangol pela participação, mas as avaliações dos banqueiros indicavam que valia cerca de 1,3 mil milhões de dólares, pelo menos 14 vezes mais do que a quantia que se teria esperado que a Nazaki pagasse em custos de desenvolvimento até àquela altura. Se algum montante foi pago, representou uma transferência de fundos dos cofres de um estado onde a grande maioria vive na penúria para uma empresa privada ligada ao Futungo. Depois, em 2014, três semanas após a Cobalt revelar que enfrentava um possível processo instaurado pela CVM, a empresa anunciou que tinha cortado a sua ligação com a Nazaki e com a Alper, cujos proprietários continuam por revelar. Ambas as empresas transferiram as suas participações no empreendimento da Cobalt para a Sonangol. Mais uma vez, nenhuma das partes envolvidas revelou a quantia que foi paga, se é que existiu de todo.

A Cobalt é apenas uma das dezenas de empresas que disputam o petróleo angolano, e a Nazaki era apenas um dente da engrenagem do Futungo para converter o seu controlo sobre o estado em lucros privados.

Pouco antes do Natal de 2011, quando Manuel Vicente estava a preparar‐se para entregar as rédeas da Sonangol ao seu sucessor e com as despesas das eleições do ano seguinte no horizonte, sete empresas petrolíferas internacionais adquiriram os direitos de operação em 11 novos blocos no Atlântico. A área ficava na zona «pré‐sal», onde a Cobalt estava já a fazer exploração. Como em rondas de licitação anteriores em Angola e noutros sítios, as empresas concordaram em pagar bónus de assinatura. Estes são pagamentos à cabeça que as empresas petrolíferas fazem aos governos quando ganham direitos de exploração de um bloco, muitas vezes através de leilões. Os pagamentos são perfeitamente legais, embora frequentemente as quantias não sejam reveladas. Se fossem entregues furtivamente aos funcionários, tais pagamentos seriam considerados subornos; em vez disso, são depositados nos bolsos rotos das tesourarias dos estados do petróleo.

A BP fora ameaçada de expulsão depois de anunciar a intenção de publicar alguns detalhes dos seus contratos angolanos.

Qualquer angolano curioso por saber quanto o seu governo tinha feito com o leilão ficaria desiludido. Tendo em conta que, em 2001, a BP fora ameaçada de expulsão depois de anunciar a intenção de publicar alguns detalhes dos seus contratos angolanos, as empresas petrolíferas mantiveram os termos do bónus em segredo. A norueguesa Statoil fez algo parecido com uma revelação. Disse que o seu «compromisso financeiro» total por dois blocos, onde a empresa seria o operador do projeto, e a participação nos trabalhos em outros três blocos atingia 1,4 mil milhões de dólares, «incluindo bónus de assinatura e uma comissão mínima sobre as operações». O ganho total do regime com toda a ronda de licitação teria sido um valor múltiplo daquele número.

Tanto os empreendimentos comerciais do Futungo como as atividades das instituições são envoltos em total secretismo, tanto assim que Edward George, especialista em assuntos angolanos que estuda o governo de Eduardo dos Santos há muitos anos, chama ao regime uma «criptocracia» — um sistema de governo em que as alavancas do poder estão escondidas.

Quando conheci Isaías Samakuva, num hotel em Londres numa tarde do princípio de 2014, há mais de uma década que era o líder da Unita, hoje o principal partido político angolano da oposição. Samakuva passou a vida a lutar por uma causa perdida, mas permanece eloquente e composto. Tinha sido colocado em Londres como representante da Unita nos anos de 1980 e voltara para ver a família e tentar fazer lóbi contra o que ele via como a prontidão das potências ocidentais para se aproximarem de Eduardo dos Santos a fim de salvaguardar o acesso das suas empresas ao petróleo angolano. «A própria comunidade internacional protege estes tipos», disse‐me Samakuva, tomando uma chávena de chá.

«O dinheiro deles não está na realidade em Angola. Negoceiam com os bancos em Portugal, no Reino Unido, no Brasil, nos Estados Unidos. A única explicação que conseguimos encontrar é que eles têm a bênção da comunidade internacional.»

Samakuva não tem dúvidas de que a sobrevivência do Futungo está nas estruturas sombrias da indústria do petróleo. «Não há separação entre o privado e o estado», disse ele. «Não há transparência. Ninguém conhece os bens do Sr. Eduardo dos Santos e da sua família.» Perguntei‐lhe sobre uma empresa em particular. «Acho que é a chave de todo o apoio que é dado ao Sr. Eduardo dos Santos, ao seu governo.» Como pode uma empresa dar um apoio tão vital, perguntei. «Só podemos especular. É tudo obscuro.»

A empresa de que falava Samakuva opera na torre dourada Luanda One. É a empresa irmã da China International Fund, cuja bandeira se encontra sobre a entrada e que angariou milhares de milhões para projetos de infraestruturas sob condições não reveladas, entre eles a expansão do Kilamba. A Cobalt, a Nazaki e outros grupos petrolíferos têm escritórios nos andares inferiores, mas os andares do topo estão reservados para a empresa que Samakuva tinha em mente — a China Sonangol. Desde 2004, a China Sonangol acumulou participações numa dúzia de empreendimentos petrolíferos angolanos, incluindo alguns dos mais prolíficos, bem como uma fatia da mina de diamantes mais rica do país. A Sonangol, a empresa estatal de petróleo que é o motor financeiro do Futungo, detém 30 por cento da China Sonangol. O resto pertence ao bando de investidores baseados em Hong Kong que é conhecido como o Queensway Group e é dirigido por um chinês de barba e óculos chamado Sam Pa.

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