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Quantos centímetros restam ainda do pavio de paciência de Donald Trump com a Coreia do Norte? A opção militar está em cima da mesa, até porque o Presidente dos Estados Unidos já disse que todas as possibilidades estão em aberto. Ainda assim, e mesmo dentro do seu círculo próximo, a diplomacia continua a ser a palavra de ordem. Para os aliados também — ou ainda mais para estes. É que uma guerra, a acontecer, seria totalmente travada em solo coreano ou, no máximo, japonês. Será que os Estados Unidos conseguirão convencer os dois países, tão perto do alcance dos mísseis norte-coreanos, a marcharem ao seu lado?

Poucos dias depois de lançar um míssil balístico que sobrevoou território japonês, a Coreia do Norte testou, na madrugada de domingo, a sua bomba nuclear mais potente até à data, uma arma termonuclear que, segundo o regime de Pyongyang, pode ser instalado num míssil intercontinental — capaz de atingir território continental dos Estados Unidos.

https://observador.pt/2017/09/03/coreia-do-norte-faz-teste-nuclear-e-diz-que-bomba-de-hidrogenio-pode-alcancar-os-estados-unidos/

Voltou a subir a temperatura. A China reagiu referindo que “condena vigorosamente” o ensaio nuclear e desafiou Kim Jong un a “parar de agravar a situação” com “gestos que não servem os seus interesses”, segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros do executivo de Pequim. Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, considerou “inaceitável” este teste: “Temos de protestar veementemente”, afirmou, confirmando também já ter estado em contacto com responsáveis de vários países aliados.

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Portugal está bem longe de um possível teatro de guerra mas, no site de simulação do impacto de uma bomba nuclear, o Nukemap, é possível contabilizar a destruição que uma bomba como a testada no domingo significaria para qualquer cidade do mundo, através de geolocalização.

Uma imagem de Lisboa, retirada do site NukeMap, que mostra o impacto de uma bomba nuclear na capital portuguesa caso fosse detonada uma bomba com o impacto estimado da lançada pela Coreia do Norte

A Coreia do Norte cometeu um erro estratégico absurdo que vai acelerar o seu isolamento da comunidade internacional. Estas repetidas provocações, tais como o lançamento de um míssil balístico intercontinental e um teste nuclear, vão não só aumentar a tensão na península coreana como minar a paz global”, foram as palavras de Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul.

De Donald Trump chegaram as declarações mais inflamadas: “A Coreia do Sul está a perceber, tal como eu já lhes disse, que a conversa de apaziguamento com a Coreia do Norte não vai funcionar, eles só percebem uma coisa!”, escreveu na rede social Twitter. Pode Trump decidir, sem autorização expressa do Congresso, varrer o território norte-coreano com bombas nucleares? E depois de decidir, a que distância está o interruptor dos dedos do Presidente? Alguém se colocaria no seu caminho?

O Observador isolou algumas das perguntas — e respostas — essenciais para entendermos a crise nuclear da Coreia do Norte — ou o facto de não haver uma crise, do ponto de vista de Kim, a julgar pela rapidez com que os seus cientistas parecem estar a avançar com o fabrico de armas com uma capacidade destrutiva cada vez maior.

A Coreia do Norte já tinha conduzido cinco testes nucleares antes. Porque é que, desta vez, a amea​​ça é mais séria?

É mais séria porque, desta forma, Kim abre uma frincha na porta que leva à “mesa dos adultos”, das potências nucleares e que contam a nível mundial. É um teste nuclear e um teste político ao mesmo tempo. Há a certeza de que esta foi a detonação mais forte realizada pela Coreia do Norte, o que aumenta a tensão do ponto de vista bélico. Por outro lado, estes testes anunciam uma escalada nas intenções do líder norte-coreano, que a comunidade internacional é obrigada a ter, agora, como mais sérias.

Como forma de celebrar o Dia do Trabalhador na Coreia do Norte, Kim decidiu testar mais uma bomba nuclear. É a sexta e, por uma margem considerável, a maior algum dia testada por Pyongyang. O teste parece provar que a Coreia do Norte tem de facto na sua posse o material, e o know how suficiente para produzir uma bomba de hidrogénio — ou termonuclear. Estas bombas são conseguidas através de fusão, enquanto as “convencionais” são construídas por “fissão” (pode perceber aqui as diferenças).

A armas nucleares desencadeiam uma reação explosiva que espalha num raio menor ou menor — conforme a sua potência — energia que estava concentrada dentro dos materiais radioativos contidos na bomba. As primeiras armas atómicas, como aquelas que os Estados Unidos lançaram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, precipitando a rendição incondicional do país na Segunda Guerra Mundial, causaram destruição através da fissão.

Ora o que a Coreia do Norte diz ter conseguido testar na madrugada de domingo é uma bomba de hidrogénio, ou uma “H-bomb”, de uma força tal que nunca nenhum país a lançou em nenhuma guerra.

Em 1954, os Estados Unidos testaram uma bomba de hidrogénio nas Ilhas Marshall cerca de 100 vezes mais potente do que as que devastaram o Japão — a Castel Bravo. A agência meteorológica da Coreia do Sul estimou que esta bomba agora testada tenha libertado entre 50 e 60 quilotoneladas de energia, seis vezes mais do que a libertada no último teste, em setembro de 2016 e entre quatro e cinco vez mais potente do que a que arrasou Nagasaki em 1945 matando 80 mil pessoas no primeiro dia. Uma quilotonelada de energia é equivalente a uma explosão de mil toneladas de TNT.

As bombas de hidrogénio, ou termonucleares, são tão perigosas porque, com uma quantidade menor de “matéria prima” podem vaporizar completamente uma cidade e podem ser colocadas num míssil, precisamente por serem mais concentradas e por isso não precisaram de um “invólucro” tão grande.

É, no entanto, possível que este ainda não tenha sido o teste de uma bomba termonuclear. Alguns peritos dizem que é preciso analisar os gases radioativos que surgirem na atmosfera dos países próximos da Coreia do Norte e que este teste pode ter sido ainda dentro da “categoria atómica”.

Donald Trump pode dar início a uma guerra sozinho ou precisa da aprovação do Congresso?

No papel, o Presidente dos Estados Unidos precisa sempre da aprovação do Congresso para iniciar uma guerra. Porém, há duas exceções: pode dar-lhe início como retaliação a um ataque prévio a tropas norte-americanas ou se considerar que existe a possibilidade de um ataque iminente à segurança nacional. É neste ponto que está a questão: está ou não está a Coreia do Norte a preparar um ataque aos Estados ou aos seus aliados? Não é possível saber. Por mais remota que seja essa possibilidade, se o Presidente tivesse essa informação, a Casa Branca poderia agir sem autorização do Congresso.

Idealmente, Donald Trump consultaria o Congresso, e obteria dele a autorização — ou não — depois de um debate alargado que envolvesse a sociedade civil e a anuência das Nações Unidas mas outros presidentes antes dele lançaram guerras sem nenhum destes pressupostos garantidos à priori. Como explica a revista Quartz: “Se um inimigo externo atacar os Estados Unidos ou algum dos seus aliados em primeiro lugar ou estiver a preparar-se para o fazer, o Presidente pode aprovar uma resposta militar imediatamente. Se esse ataque inicial não tiver existido, o Commander in Chief não pode decidir, sozinho, levar a nação para a guerra”.

Quase todas as Administrações, contudo, têm encontrado formas de contornar este ponto, de resto consagrado na Constituição – artigo I, secção 8, clausula 11. Como descrito a cima, a Resolução dos Poderes de Guerra, uma emenda de 1973, limita a autoridade presidencial para lançar uma guerra a “hostilidades iminentes”.

Em 1917, Woodrow Wilson pediu autorização ao Congresso para armar a sua marinha mercante contra navios alemães (ainda em tempo de paz). Foi-lhe negada. E ele armou-os na mesma. Em 1950, mais significativamente, o Presidente Harry Truman lançou os Estados Unidos numa guerra na Coreia sem autorização, porque se sentiu obrigado, sob a jurisdição do Conselho de Segurança da ONU, a acudir a um aliado e que isso o libertava da tal cláusula constitucional que obriga o Presidente a pedir autorização ao Congresso antes de enviar tropas para território soberano.

Depois disso, tanto Lyndon Johnson como Richard Nixon expandiram as guerras que os Estados Unidos mantinham no Sudeste Asiático.

Em resumo, o Presidente tem autoridade para lançar um ataque nuclear, não apenas como retaliação mas também como prevenção. Os códigos de lançamento das mais de 7,000 ogivas nucleares que os Estados Unidos detêm estão com o Presidente e só o Presidente tem poder para as lançar. Legalmente, ninguém pode vetar essa decisão.

https://observador.pt/videos/atualidade/a-mulher-que-anuncia-os-testes-nucleares-na-coreia-do-norte/

Desde que se tornou Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump já ameaçou o México com o envio de tropas. Anunciou, chocando a América do Sul, que havia uma “opção militar” para lidar com a crise na Venezuela. Dia 6 de abril de 2017, Trump autorizou um ataque a posições militares na Síria depois de, alegadamente, o regime do Presidente sírio Bashar al-Assad ter lançado armas químicas sobre a sua população. Não só a autorização do Congresso não foi precisa como terá sido uma das poucas vezes em mesmo os mais mordazes críticos de Trump, perante o cenário desolador na Síria, apoiaram a decisão de intervir.

Mesmo assim, isso não significa que um ataque seja imediatamente lançado: há uma cadeia de comando militar, os conselheiros, os congressistas mais influentes e pressão considerável da opinião pública.

O que quer Kim? Uma pergunta mais difícil do que física nuclear

Depois deste teste, conduzido no domingo, sabemos mais sobre o poder do arsenal da Coreia do Norte — embora ainda não haja a certeza de o teste ter sido de uma bomba de hidrogénio. Ainda assim, seis anos volvidos desde que Kim Jong-un chegou ao poder, ainda nenhum analista soube dizer o que move este homem de 33 anos. Será a preservação do regime e da sua vida luxuosa por comparação aos milhões de norte-coreanos que vivem com o mínimo indispensável? Um narcisismo nuclear que o inscreva, à força de muitas mortes, nas páginas da História? Que o coloque perto tanto do Presidente da China como do dos Estados Unidos, sejam elas quem forem, como um dos homens ao leme de um dos arsenais mais mortíferos de sempre?

A maioria das opiniões convergem para algo muito simples: preservar o “negócio de família” mas, para isso, é preciso dissuadir os Estados Unidos de tentarem uma substituição de regime, através, por exemplo, de ataques cirúrgicos com intenção de o eliminar e ele e à sua cúpula próxima.

O objetivo pode ser chantagem, repetindo testes vezes sem conta e dando conta de alguns, seja isso ou não verdade, “tremendos sucessos” e esperando que, com isso, os Estados Unidos levem do Pacífico as suas tropas. Num regime totalmente opaco, não é possível saber exatamente quantas bombas ou quanto material radioativo tem a Coreia do Norte — nem tão-pouco a data exata de nascimento do próprio líder — e por isso também as intenções de Pyongyang são inescrutáveis. Quererão mesmo pôr os Estados Unidos em risco? Ou a ideia é apenas separar as tropas japonesas e sul-coreanas dos seus amigos norte-americanos?

“Eles querem ser reconhecidos como uma potência nuclear, ter o mesmo nível de respeito e prestígio que acreditam estar diretamente ligado a esse feito. Querem também que as sanções financeiras e diplomáticas sejam levantadas e, além disso, querem reescrever a arquitetura na região, incluindo as alianças dos Estados Unidos na região”, disse ao diário britânico The Telegraph Daniel Pinkston, professor de Relações Internacionais na Universidade de Troy, em Seul, capital da Coreia do Sul.

O objetivo final, contudo é “voltar a unir a península sob os desígnios de Pyongyang”, concluiu o professor.

Alguns dos “delatores”, que conseguem fugir para o ocidente ou para a Coreia do Sul, trazem informação de dentro do país mas mesmo assim há poucas “toupeiras” — pessoas com acesso real ao poder para sejam conhecidos os reais objetivos de Kim. “Alguém que vos diga que sabe o que a Coreia do Norte quer está a mentir ou então a adivinhar. Não sabemos o que Kim come ao pequeno almoço como é que podemos saber o que se passa dentro da sua cabeça ou quais os seus objetivos finais?”, resumiu ao New York Times Jon Wolfsthal, académica na área do armamento nuclear no Carnegie Endowment for International Peace.

Mas também podemos argumentar que tudo isto o regime sempre quis. Porquê todos estes testes no último ano? Os analistas divergem numa questão: será que a Coreia do Norte colocaria um ponto final no seu programa de desenvolvimento nuclear se os Estados Unidos de facto optassem por retirar todas as tropas da Coreia do Sul como o ex-estratega-estrela de Trump, Stephen Bannon, sugeriu? Não é certo. Existe a possibilidade de que o Norte possa usar o seu poderio nuclear como “escudo” a uma invasão militar dos Estados Unidos, enquanto, por outro lado, tentaria conquistar o Sul à força. A possibilidade de um míssil nuclear poder de facto chegar aos Estados Unidos pode ser suficientemente dissuasor, e fazer com que o país escolha não se envolver num potencial ataque aos aliados.

“Se a escolha é entre São Francisco e Seul, os americanos vão escolher São Francisco”, disse Andrei Lankov, analista da Kookmin University ao New York Times.

E se Kim estiver a querer pressionar Xi (e não tanto Trump)? E a China vai ceder?

Até uma camisola assinada por Pelé, Xi Jinping recebeu. Das mãos do Presidente brasileiro, Michel Temer, o Presidente chinês, que adora futebol, recebeu a camisola com uma mensagem: “Boa sorte”. E toda a que a vier é pouca. O sexto teste nuclear da Coreia do Norte coincidiu com o início da conferência dos BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Parece que foi de propósito. Parece ou foi? Em vez de receber os convidados sem outras preocupações, Xi Jinping teve que lidar com a já habitual chuva de críticas do Ocidente quando o assunto é a irreverência nuclear de Kim.

A notícia gerou, literalmente, ondas de choque. No nordeste da China casas tremeram e os riscos de contaminação radioativa ainda não foram dissipados. Não é a primeira vez que o momento é escolhido com precisão. Em maio, a Coreia do Norte lançou um dos seus mísseis balísticos horas antes de Xi falar a vários líderes mundiais para apresentar aquele que é o mais ambicioso projeto de construção alguma vez pensado na China: a reconstrução da Rota da Seda.

A opinião dos analistas é que nada disto são coincidências. Mais uma vez, é Kim a tentar mostrar que pode provocar alguma confusão nas agendas perfeitas de quem se senta à mesa com os grandes — ou é um dos grandes. Alguns deles, ouvidos pelo New York Times, argumentam até que este último teste foi dirigido mais a Xi do que a Trump, como forma de pressão que acaba por ser também uma forma de pressionar os Estados Unidos a ficarem quietos.

“Kim sabe que Xi tem poder real em Washington. Está a pressionar os chineses para que eles digam a Trump: ‘Olha, tens que te sentar com Kim'”, disse Peter Hayes, diretor do centro de análise geoestratégica Nautilus Institute.

“Este sexto teste nuclear devia forçar o Presidente Xi a fazer alguma coisa, isto é um teste político mas parece que os humores de Xi ainda não mudaram, é possível que ele continue a manter-se afastado disto”, disse, por sua vez, Cheng Xiaohe, especialista nuclear na Universidade de Renmin. A “forte condenação” do Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês não é suficiente para os norte-americanos que pedem um pulso muito mais forte por parte do único país capaz de estrangular as aspirações nucleares da Coreia do Norte.

Tal como Stephen Bannon, também a China já fez passar a ideia de que, se a Coreia do Norte parasse os seus testes nucleares, os Estados Unidos também dariam como concluídos os exercícios militares na Coreia do Sul mas, até agora, nenhum sinal nesse sentido ainda chegou de Washington.

O entendimento entre Coreia do Norte e Estados Unidos parece tão mais difícil quando olhamos para o ponto de partida de eventuais negociações. Enquanto que os Estados Unidos apenas se querem sentar à mesa com uma Coreia do Norte que já tenha concordado com o fim do processo de proliferação nuclear, a China considera o desarmamento regime de Kim como um fim bem-sucedido das negociações. Enquanto os Estados Unidos veem a escalada militar da Coreia do Norte como uma ameaça à segurança mundial, os chineses veem ambos os países à mesma distância. Como disse Wang Yi, ministros dos Negócios Estrangeiros chinês, “são dois comboios que se aproximam um do outro e nenhum quer ceder passagem”.

Nas Nações Unidas, Wang Yi concordou que o mais urgente era pôr um travão aos testes nucleares da Coreia do Norte mas acrescentou que, para isso, “é preciso pôr de lado as convenções sobre a quem cabe dar o primeiro passo e quem é que está certo ou errado”. Em vez disso, disse ainda, “temos que começar por apanhar as frutas que estão mais abaixo, furar essa bolha de tensão que paira sobre a península e criar condições que preservem a paz na região”. Mas o homólogo de Wang, o secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson, não concorda: “Se congelarmos a situação como ela está hoje, congelamos uma Coreia do Norte que já tem uma capacidade nuclear considerável”.

A China tem medo também que a Coreia do Norte possa atacar ou, pelo menos, contaminar a as áreas mais perto da fronteira, perto de Punggye-ri, nome do local onde as últimas bombas nucleares têm sido testadas. Os residentes de Yanji, na província de Jilin Province, colocaram fotos nas redes sociais que mostravam prateleiras de supermercado vazias, a comida toda no chão depois daquilo que parecia um tremor de terra — e foi, só que artificialmente causado por um teste nuclear.

O que resta percorrer da via diplomática?

No início de agosto o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou por unanimidade mais sanções económicas à Coreia do Norte, com o objetivo de retirar quase mil milhões de dólares que o país garante através de exportações. As principais indústrias atingidas, têxtil, carvão e marisco sofrerão o impacto mas não é certo que façam Kim repensar o armamento nuclear. As sanções destinavam-se também a tornar mais difícil à Coreia do Norte financiar-se junto de instituições financeiras, por exemplo, na China ou na Rússia e, para esse objetivo, os Estados Unidos impuseram sanções a 16 entidades russas e chinesas suspeitas de, alguma forma, viabilizarem a existência das ambições da Coreia do Norte. A verdade é que a China é o cordão umbilical da Coreia do Norte, absorvendo 90% das suas exportações e fornecendo 80% dos seus combustíveis.

Ainda restam, porém, algumas cartas na manga negocial dos Estados Unidos. Algumas mais perigosas que outras. Por exemplo, a ideia avançada logo depois de testada esta última bomba, por Donald Trump, de que os Estados Unidos poderiam parar o comércio com qualquer país que aceitasse comprar e vender produtos à Coreia do Norte, poderia ser um desastre económico, incluindo para os próprios. Os negócios entre os dois países estão perto dos 650 mil milhões de dólares por ano, de longe a maior relação comercial de ambos.

A China, por seu lado, preocupa-se com o facto de que, se cortar ainda mais as ligações económicas com a Coreia do Norte, o regime possa irritar-se cada vez mais — com toda a gente à sua volta.

Resta ainda, então, apertar mais o cerco às exportações para China. As últimas sanções já baniram três das cinco categorias de produtos que a China pode importar da Coreia do Norte. Agora restam, entre outros, poucos produtos: marisco e roupa.

É difícil saber se a China está de facto a cumprir as sanções porque o país deixou de publicar os registos das trocas com a Coreia do Norte, deixando alguns críticos da via diplomática um pouco céticos.

A maior forma de pressão continua, ainda assim, a ser a económica. A Administração de Trump já impôs sanções a bancos suspeitos de lavarem dinheiro para a Coreia do Norte e a empresários e empresas que, alegadamente, servem de “testas de ferro” ao regime de Kim para que este se possa abastecer do material necessário à continuação do seu desenvolvimento nuclear. Mas o Departamento do Tesouro tem na pasta “sanções secundárias” que deve apresentar já para a semana no Conselho de Segurança das Nações Unidas, anunciou esta segunda-feira Nikki Haley, embaixadora norte-americana na ONU.

EUA nas Nações Unidas: Kim Jong-un está “a pedir guerra”

De momento, estão “na calha” a imposição de tarifas mais pesadas aos produtos chineses ou investigações mais duras às políticas de propriedade intelectual que a China é acusada de descurar.

Há ainda a opção de pedir à China que repatrie as centenas de milhares de trabalhadores norte-coreanos que lá trabalham e que enviam dinheiro para a Coreia do Norte, mas o mais drástico mesmo era o completo corte de abastecimento de petróleo. As atuais reservas da Coreia do Norte, durariam para um mês de guerra, não mais. Em tempo de paz, quase para um ano.

Fechar estas torneiras, contudo, criaria uma crise humanitária talvez irreversível a curto prazo — e seria sangue nas mãos dos líderes chineses, ainda que pressionadas pela comunidade internacional.

Quem está, então, do lado da Coreia do Norte?

A retórica Trump contra a China, e o facto de ele não ter medo de se exprimir com tanta veemência contra o gigante, explica-se desta forma: entre um iminente ataque a solo norte-coreano e a instantânea instabilidade que provocaria na região e apertar a Coreia do Norte economicamente, talvez a China escolha a segunda opção.

Mas nos dias que correm nem a China se pode contar entre um “aliado” certo da Coreia do Norte. Tanto os chineses como os russos, ideologicamente os países mais “perto” de Kim, condenaram sem qualquer margem para interpretações, os testes nucleares e balísticos da Coreia do Norte.

“As ações de Pyongyang para que o resto do mundo reconheça o regime como legítimo portador de armas nucleares são inaceitáveis”, disse Sergei Ryabkov, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo durante a Conferência dos BRICS.

Mas não foi sempre assim. No passado, a Coreia contou com vários países para desenvolver o seu arsenal nuclear.

Tudo começou na Guerra Fria, quando o mundo foi divido em duas esferas de influência. Depois de divididas as “Coreias”, e apesar de a Coreia do Norte não ter sido propriamente um Estado integrado na URSS, os dois países mantinham relações próximas: ideológicas, comerciais e académicas.

Naquela época, a Coreia do Norte fazia parte de um grupo de países que conduzia, em conjunto, pesquisas com o intuito de desenvolver capacidade nuclear — o Instituto para a Pesquisa Nuclear. Durante anos, os seus cientistas foram livres para viver e aprender na Rússia tudo o que quisessem.

A Coreia do Norte começou a construir os seus próprios mísseis a meio da década de 70, importando os chamados mísseis Scud do Egito, que tinham, por sua vez, sido comprados à Rússia. Os Scud são mísseis balísticos, com um alcance máximo de 300 quilómetros, que podem ser apetrechados, por exemplo, com ogivas nucleares ou armas biológicas. Através da reversão da engenharia utilizada para os construir, a Coreia do Norte conseguiu desenvolver os seus próprios mísseis, uma cópia exata dos Scuds, mas novos. Ao mesmo tempo que importava tecnologia de países aos quais a Rússia tinha vendido armamento, como o Irão, a Síria e o Egito, a Coreia do Norte também começou a pensar em formas de aliciar talento científico.

É um dos países mais isolados do mundo. Como é que a Coreia do Norte se tornou uma potência nuclear?

O Paquistão começou a comprar mísseis à Coreia do Norte e, em troca, a Coreia do Norte exigia tecnologia nuclear. Há ainda o caso de Adbul Qadeer Khan: além de ser o cientista à frente de toda a operação nuclear do Paquistão, também aceitou vender aos norte-coreanos segredos que colocaram o país mais próximo do enriquecimento de urânio, o mais importante passo para a produção de uma bomba nuclear.

Nos anos 80, a Coreia do Norte começou a acumular o que hoje em dia poderíamos chamar de “tecnologia sensível”. Numa visita a Viena, agentes norte-coreanos conseguiram contactar cientistas belgas que tinham acesso a um desenho para a construção de uma unidade de separação de urânio. O que quer isto dizer no dicionário do poderio nuclear? Que a Coreia do Norte tinha, pelo menos no papel, as instruções que poderiam levar a desenvolver armas nucleares com uma abrangência territorial e potencial de destruição preocupantes.

Durante os anos 2000 e até agora, a Coreia do Norte continua a comprar material que necessita para o seu programa nuclear através de companhias estabelecidas por norte-coreanos na China. Depois, estes compram, mais ou menos desimpedidos, o que quiserem, na Europa e nos Estados Unidos. É impossível monitorizar a atividade de empresas que importam clips ou varetas de metal que tanto podem ser utilizados para as rodas de uma bicicleta como para uma centrifugadora de enriquecimento nuclear.