I) A conta imaginária
A imagem é poderosa, mas é falsa: a conta não existe. Na cabeça de muitos contribuintes (e, não raras vezes, de muitos jornalistas!) existe uma espécie de conta imaginária onde se alinham numa soma interminável os descontos que ao longo da sua vida fazem para a Segurança Social. E quando pensam na sua reforma, os portugueses vêem‑na como uma subtracção que, por muito que vivam, nunca conseguirá esgotar tudo aquilo que pagaram e está na tal conta.
Mas infelizmente a conta não existe. E, mesmo que existisse, não daria para os encargos, pois o nosso modelo não é de capitalização, mas sim de repartição. Logo, a maior parte das contribuições pagas pelos trabalhadores no activo é imediatamente gasta. Em quê? No pagamento das despesas com os pensionistas actuais. Por consequência, as pensões a usufruir pelos trabalhadores que hoje estão a financiar o sistema dependem, não da capitalização das suas contribuições acumuladas na tal conta imaginária, mas sim da possibilidade de a Segurança Social conseguir que as próximas gerações de trabalhadores paguem as contribuições suficientes para continuar a assegurar o pagamento das pensões e a sustentabilidade do sistema.
Mas o problema não reside apenas no facto de não existir a conta onde os descontos de cada um se iriam acumulando. A verdade é que se ela existisse não chegaria para pagar pensões pelos valores actuais.
II) Os meus descontos chegam e sobram para pagar a minha reforma
Temos pena mas não é verdade. Basta pensar no seguinte: ao longo da vida activa os descontos para a Segurança Social correspondem a sensivelmente um terço do ordenado que se recebe (considerando o desconto do trabalhador e o desconto da entidade patronal); desses descontos são pagos os períodos de desemprego e os períodos em que se está de baixa. Se a vida activa tiver durado 40 anos (muitas vezes dura menos), e se o trabalhador tiver descontado sempre, isso significaria que teria poupado o suficiente para que lhe fosse paga durante 13 a 14 anos uma pensão correspondente à média dos seus ordenados nesses 40 anos. Se esse trabalhador for funcionário público, ter‑se‑á reformado com 60 anos (é essa a idade média de reforma dos últimos anos), e se trabalhar no sector privado tê‑lo‑á feito com 62,5 anos.
O problema não reside apenas no facto de não existir a conta onde os descontos de cada um se iriam acumulando – se ela existisse não chegaria para pagar pensões pelos valores actuais.
Portanto o nosso trabalhador amealhou o suficiente para receber a sua pensão até, na melhor das hipóteses, aos 75 anos. Ora a esperança de vida no momento da reforma indica que viverá até aos 82 anos se for homem, e até aos 85 anos se for mulher. Ou seja, durante 7 a 10 anos da sua vida de pensionista a sua reforma terá de ser paga ou pelos descontos dos trabalhadores activos ou através do Orçamento do Estado. Em conclusão: o sistema está a pagar pensões durante mais de 20 anos (a idade média de aposentação tem estado nos 60/62 anos, e a esperança de vida aos 65 anos está quase nos 84 anos) quando na verdade os descontos acumulados nem dariam para 13 a 14 anos de pensões que calculámos.
III) As reformas actuais são muito baixas
Só se for por ilusão de óptica: os pensionistas actuais recebem bem mais do que aquilo que descontaram. E não nos referimos apenas àqueles casos óbvios em que não existe correspondência entre o que se recebe e o que se descontou, como sucede com as pensões sociais para as quais por vezes nem houve descontos, ou, nos escalões mais elevados, com regimes especiais, como era o caso do dos ex‑administradores do Banco de Portugal, (a quem até há algum tempo bastava exercer essas funções durante cinco anos para, independentemente da idade, terem automaticamente direito à pensão por inteiro), dos juízes do Tribunal Constitucional, que têm direito à sua pensão após apenas dez anos no cargo, ou do antigo regime dos titulares de cargos políticos.
Na verdade todos os pensionistas cujas pensões foram calculadas sobre o último ordenado (o que sucedia até há pouco tempo com os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações), ou sobre os melhores dos últimos ordenados, estão a receber mais do que receberiam se esse cálculo incidisse sobre toda a carreira contributiva, a maior parte da qual foi passada a fazer descontos mais baixos sobre ordenados também mais baixos.
Todos os pensionistas cujas pensões foram calculadas sobre o último ordenado, ou sobre os melhores dos últimos ordenados, estão a receber mais do que receberiam se esse cálculo incidisse sobre toda a carreira contributiva.
Recorde-se que até 2007, no caso do regime geral da Segurança Social, a pensão era calculada tendo por base a remuneração dos melhores 10 dos últimos 15 anos. Para os funcionários públicos, o salário de referência para o cálculo da pensão era o último salário mensal, o que já por si significava que, por regra, se partiria de um valor mais alto do que aquele que se obteria através da média de vários anos. Para além disso, era comum uma espécie de “promoções‑bónus para a reforma”, que durante anos inflacionou o número de promoções dos funcionários públicos que estavam em final de carreira, assim permitindo que estes vissem as suas pensões calculadas de forma vantajosa. Estas condições eram tão vantajosas que um estudo da OCDE concluiu que em Portugal um pensionista com um salário médio e com uma carreira contributiva completa que se tivesse reformado antes de 2007 ficaria a receber, em média, uma pensão líquida que corresponderia a 110% do seu último salário líquido.
IV) Os cortes permitiram equilibrar as contas da Segurança Social
Infelizmente é falso. Os cortes nas pensões não significam que Portugal gaste menos em pensões. Tem‑se conseguido apenas que a despesa aumente menos, mas ela continua a aumentar, porque esse aumento é determinado por algo que o poder executivo não tem como alterar: o número de pensionistas continua a aumentar e o perfil desses mesmos pensionistas continua a mover‑se para níveis mais altos de pensão. Basta ver o seguinte exemplo: no ano de 2011 foram congeladas as pensões, complementos e os indexantes dos apoios sociais, mas apesar disso a despesa com as pensões aumentou. No ano de 2012 – um ano de fortes restrições orçamentais – a despesa com pensões cresceu 3,4% em relação ao ano anterior. Em 2011 aumentara 3,1%. Em 2010, 4,1%. Em 2009, 5,%. Ou seja, a tendência de crescimento da despesa manteve‑se.
V) A Segurança Social gasta muito dinheiro em intervenção social
É verdade, mas essa verdade não explica quase nada quando se fala de sustentabilidade da Segurança Social. De facto a Segurança Social paga pensões a cidadãos em situação de carência económica ou social que não estão cobertos por outros regimes. São estas as despesas do que inicialmente foi conhecido como regime não contributivo e que posteriormente se passou a designar através de expressões mais voluntaristas do ponto de vista ideológico, mas mais opacas do ponto de vista do financiamento, como regime de solidariedade ou sistema de protecção social de cidadania.
O Rendimento Social de Inserção e as pensões sociais de invalidez e velhice são algumas das prestações deste regime em que os montantes recebidos pelos beneficiários não têm qualquer correspondência com descontos que tenham ou não efectuado.
O dinheiro para estas contribuições vem do Orçamento de Estado. Portanto é pago pelos contribuintes através dos seus impostos. Logo as verbas gastas em intervenção social não afectam directamente a sustentabilidade da Segurança Social.
O dinheiro para estas contribuições vem do Orçamento de Estado. Portanto é pago pelos contribuintes através dos seus impostos.
Note‑se ainda que, ao contrário do que sucede com as pensões, o Estado consegue condicionar muito rapidamente o montante destas despesas, seja no sentido do crescimento ou da contenção, através da alteração dos critérios de acesso. Por exemplo, em 2009, ano de eleições, o peso do Rendimento Social de Inserção nas despesas cresceu 19,3%. Em 2010 a taxa de crescimento baixou para 2,4%. E em 2011 a despesa com o RSI deixou a coluna do crescimento e passou para a da redução: ‑20,2%. Em 2012 continuou a decrescer: ‑6,4%. Simplesmente porque se alteraram algumas regras e se actuou no domínio da fiscalização.
VI) A Segurança Social deve deixar de pagar o desemprego/reconversão profissional
Uma falsa boa ideia. Os proponentes deste tipo de soluções esquecem, ou fazem‑se esquecidos, que as presentes contribuições para a Segurança Social integram os anteriores descontos para o Fundo de Desemprego. Logo, ou se diferenciam novamente as contribuições, o que diminuiria as receitas da Segurança Social provavelmente mais do que aquilo que diminuiriam as suas despesas ou teria de se criar uma nova taxa para sustentar esse novo Fundo de Desemprego. Ora, não se vê como poderia essa nova taxa ser suportada pelos trabalhadores e pelas empresas, dada a gigantesca carga tributária que sobre eles impera.
Por outro lado e à semelhança do que acontece com o RSI, as prestações que substituem os rendimentos do trabalho, como o subsídio de desemprego, são rápidas a reagir às mudanças económicas e legislativas. Em 2012 as verbas destinadas ao desemprego e ao apoio ao emprego sofreram um aumento na ordem dos 23,3%, face a 2011. Por contraste, em 2011 a despesa com subsídio de desemprego e medidas de apoio ao emprego reduzira‑se em relação a 2010 ( ‑5,3%). Contudo, em ambos os anos o desemprego aumentou – 1,9 pontos percentuais em 2011 e 2,9 em 2012 –, mas o comportamento face às despesas foi muito diferente. E foi diferente não tanto por causa do número de pessoas que receberam estas prestações, mas porque se alteraram as regras de atribuição dessas prestações, nomeadamente a que respeitava à majoração do subsídio de desemprego dos casais desempregados e com filhos a cargo e à redução de 15 para 12 meses do prazo contributivo para acesso ao subsídio de desemprego.
Pelo contrário a despesa com as pensões é rígida e crescente.
VII) A Segurança Social é um contrato entre gerações
É verdade. Mas é um mau (para não dizer péssimo) contrato para uma das partes: a dos futuros pensionistas e actuais contribuintes.
As reformas da Segurança Social que têm sido levadas a cabo têm procurado garantir a manutenção dos direitos adquiridos dos actuais pensionistas e fazem incidir os ajustamentos sobre os direitos dos futuros pensionistas. Por exemplo: as alterações introduzidas na reforma de 2006/2007 levaram a que o valor das pensões a ser atribuído aos novos pensionistas fosse automaticamente mais baixo, porque se introduziu o chamado factor de sustentabilidade, o qual indexa o cálculo das pensões ao aumento da esperança média de vida, e se alteraram as fórmulas de contagem do tempo de serviço, passando as novas pensões a ser calculadas com base nas remunerações de toda a carreira contributiva (40 anos).
Ou seja, temos hoje reformas a pagamento que representam 100 por cento do último salário; outras, as pós-2007, que estão entre os 70% e 75% do último salário. Já quem se reformar daqui por uns anos não levará senão 60% a 65%. Se entretanto não ocorrerem reformas ainda mais penalizadoras para os futuros pensionistas, cenário que é o mais provável face ao estado das contas públicas. Segundo as projecções inscritas no Orçamento do Estado para 2013, o governo que estiver em funções no ano de 2020 já terá de recorrer ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para conseguir assegurar o pagamento das pensões.
Segundo as projecções inscritas no Orçamento do Estado para 2013, o governo que estiver em funções no ano de 2020 já terá de recorrer ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para conseguir assegurar o pagamento das pensões.
Este era um cenário que apenas se equacionava para 2040, mas a subida do desemprego, que fez baixar significativamente as contribuições para a Segurança Social e elevar as despesas, sobretudo com o subsídio de desemprego, antecipou para 2020 o momento em que o FEFSS começará a garantir, mesmo que provisória e parcialmente, o pagamento das pensões. Logo, a breve prazo, ou se reforma a Segurança Social, ou as pensões do chamado regime contributivo passam a depender de forma significativa do financiamento através de impostos, ou as pensões terão de ser reduzidas para níveis que farão parecer uma brincadeira os actuais cortes.
VIII) É o crescimento económico que tem de garantir a sustentabilidade da Segurança Social
É óbvio que sim, mas o óbvio só é óbvio quando dá jeito. Politicamente falando sobre Segurança Social, a macro-economia com as respectivas previsões de crescimento económico são como o Natal: acontecem quando e como um homem quiser. Atendendo apenas aos relatórios que sustentaram as últimas chamadas reformas – a de 2002 com o decreto de Paulo Pedroso, a alterar a forma de cálculo das pensões e a Lei de Bases da Segurança Social, a da responsabilidade de Bagão Félix no Governo de Durão Barroso, e a de 2006, no Governo Sócrates com o ministro Vieira da Silva –, constatamos como a expressão “construções na areia” serve de legenda a muitos dos cenários macroeconómicos que têm sustentado as promessas sobre a sustentabilidade da Segurança Social.
Um dos casos em que a divergência entre o antecipado e a realidade mais se faz sentir é no Relatório final sobre a Sustentabilidade do Sistema de Solidariedade e Segurança Social (2002), elaborado por uma equipa nomeada no final de 2000 pelo Governo de António Guterres. Este relatório, que, para azar dos portugueses, serviu de base à reforma de 2002, baseava‑se em cenários de onde a palavra “crise” estava excluída. Para o crescimento do PIB previa-se ir em crescendo de 1,8 (2002) até 3,0 (2004 e 2005). Infelizmente acabámos em valores de 0,4; ‑1,1; 1 e 0,3. A diferença entre o antecipado e o verificado no que respeita ao emprego e desemprego é também óbvia: a taxa de desemprego em 2005 acabou em 7,6. Ou seja, quase no dobro dos 4,0 incluídos nos cenários antecipados nos estudos.
Com cenários tão cor‑de‑rosa era, de facto, fácil prometer a “sustentabilidade do sistema” por largas décadas.
Mas se tomarmos o conjunto da projecção para 2002‑2009 o contraste com a realidade ainda é mais gritante. De acordo com as projecções feitas pela equipa dos ministros Ferro Rodrigues/Paulo Pedroso, o crescimento acumulado nesses oito anos deveria ter sido de 24,3%; na realidade, nesse período da nossa “década perdida” o crescimento acumulado foi de apenas 3,0%. Uma diferença superior a 20 pontos percentuais! Com cenários tão cor‑de‑rosa era, de facto, fácil prometer a “sustentabilidade do sistema” por largas décadas.
Infelizmente, o Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social anexo ao Orçamento do Estado para 2006 não rompeu com a tendência quase constante nos documentos oficiais sobre a Segurança Social para, após os gráficos em que se apresentam os erros de cálculo do passado, se passar à projecção de cenários futuros caindo exactamente nos mesmos erros.
A título de exemplo, basta olhar para a taxa de desemprego prevista neste Relatório final sobre a Sustentabilidade da Segurança Social, que deveria baixar dos 7,7% em 2006 para atingir os 5,5% em 2015. A taxa de desemprego prevista torna‑se mesmo, a partir de 2009, uma espécie de miragem inversa quando confrontada com os dados reais: 9,4 (2009); 10,8 (2010); 12,7 (2011); 15,6 (2012); e em 2013 com oscilações que chegaram aos 17,8. Quanto ao crescimento do PIB, bastará lembrar que os 3,0% previstos para 2009 de facto aconteceram, mas foram de crescimento negativo do PIB, que nesse ano se fixou em ‑2,91%. Também 2011 e 2012 voltaram a registar valores negativos: ‑1,55% e ‑3,17%, respectivamente.
Mas se isto se passa na área da economia, onde as projecções são naturalmente mais difíceis de fazer, a verdade é que também nas projecções demográficas a evolução da população entrou em divergência com o que tinha sido antecipado e, naturalmente, desejado, pois eram necessários números bonitos para conseguir a desejada “sustentabilidade do sistema”.
Claro que todas as projecções falham. Mas não é o erro que está em causa.
Claro que todas as projecções falham. Mas não é o erro que está em causa. É, sim, a tendência constante durante anos e anos nas projecções a mais do que cinco/dez anos sobre a Segurança Social para se errar criando invariavelmente cenários de um optimismo esfuziante.
Logo, de cada vez que nos dizem que não se deve mexer nos princípios do actual sistema garantindo que o crescimento económico resolverá os desajustamentos, convém lembrar que de cada vez que isso falhou o prejuízo foi endossado aos actuais contribuintes.
IX) A Segurança Social deve alargar a sua base de financiamento
Essa opção pode ser tomada, mas vai prejudicar os jovens. É preciso ter em conta que o dinheiro da Segurança Social não nasce numa estufa regada com boas intenções. Por mais estranho que possa parecer face às declarações de muitos protagonistas que parecem acreditar que algures nascem euros a favor dos pensionistas, só existem duas fontes significativas de receita da Segurança Social: o dinheiro dos contribuintes via as contribuições dos beneficiários e empregadores, e o dinheiro dos contribuintes via impostos.
Logo quando as contribuições não crescem, como sucedeu em 2012, ou não crescem o suficiente para acompanhar as despesas, caso dos anos de 2007 a 2011, aumenta a parcela das transferências correntes (vulgo transferência via OE – Orçamento do Estado). O que não vem directamente dos descontos feitos para a Segurança Social vem através dos descontos feitos para os impostos. Não admira portanto que arranjar novos contribuintes e novas fontes de financiamento para a Segurança Social seja uma obsessão quase desde o seu início.
O que não vem directamente dos descontos feitos para a Segurança Social vem através dos descontos feitos para os impostos.
Nos últimos anos a hipótese de financiamento da Segurança Social através da tributação das mais‑valias tem ganho adeptos. Por outras palavras, as empresas com poucos trabalhadores e um grande volume de negócios pagariam mais para a Segurança Social do que aquelas que, para um volume de negócios idêntico ou inferior, empregam mais trabalhadores.
Esta possibilidade é tão sedutora quanto potencialmente desastrosa: tributar mais as empresas de capital intensivo implica penalizar as empresas que mais investem em tecnologia, que frequentemente pagam melhores salários e que pela sua própria natureza mais tecnológica menos fogem aos impostos através dos esquemas da economia paralela. E sobretudo cabe perguntar se é do interesse dos portugueses e do seu sistema de Segurança Social discriminar positivamente as empresas que menos apostam na inovação. A resposta pode variar consoante a idade de quem responde: do ponto de vista dos actuais pensionistas esta forma de financiamento da Segurança Social pode ser interessante, já que no imediato gera mais receita. Mas a médio e longo prazo, ou seja, do ponto de vista dos jovens ou actuais activos, ela é negativa, pois distorce a economia, penalizando o investimento em investigação e desenvolvimento.
X) Devemos apostar numa reforma que resolva definitivamente o problema
Esqueça o definitivamente. Não é por acaso em vinte anos – 1987, 1993, 2002, 2007 – tivemos quatro alterações das regras de cálculo das pensões e quatro Leis de Bases da Segurança Social: 1984, 2000, 2002, 2007.
A mitologia popular em torno da conta imaginária da Segurança Social tem, entre as elites, o seu reverso num discurso sobre a necessidade de reforma, mas reduzindo‑ a sempre a pouco mais do que uma alteração das fórmulas de cálculo das pensões. Este imaginário das reformas, cada uma delas sempre a final – até à próxima, naturalmente –, é continuamente erodido pelo confronto com a realidade. Uma realidade que em tudo se afasta dos cenários para ela antecipados nas projecções macroeconómicas em que se ancoraram as ditas reformas.
Na verdade, ao optar ‑se por não enfrentar os problemas estruturais da Segurança Social, como o rácio entre activos e pensionistas e a sua natureza redistributiva, os factores de insustentabilidade não só continuam lá como se manifestam cada vez mais e com intervalos entre si cada vez mais curtos.
A insustentabilidade da Segurança Social vai cair-nos em cima. Mas até lá os mitos vão-nos entretendo.
Mas a realidade conta e, para lá daquilo que gostaríamos que ela fosse e que os políticos fazem de conta que é, existem dados que não se podem escamotear: em 1970, quando Marcello Caetano lançou as bases do Estado Social, os pensionistas eram 260.807, em 2012 chegaram aos 3.584.902. Em 1970 por cada idoso (indivíduo com 65 e mais anos) existiam 6,4 indivíduos em idade activa, ou seja, com idades entre os 15 e os 64 anos. Em 2012 essa percentagem caiu para 3,4. Em 1970 nasceram em Portugal 180.690 crianças. Em 2012 esse número foi menos de metade: 89.841.
Desde 2008 que o crescimento das despesas com pensões vem sendo superior ao das receitas das contribuições.
Qualquer semelhança entre esta situação e a onda de um tsunami que se vai formando no horizonte não é coincidência: a insustentabilidade da Segurança Social vai cair-nos em cima. Mas até lá os mitos vão-nos entretendo.
* Texto adaptado do livro “Este País Não é Para Jovens”, de Helena Matos e José Manuel Fernandes, publicado pela Esfera dos Livros.