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O partido de poder na Irlanda, o Fine Gael de Enda Kenny, deverá sair vitorioso das eleições desta sexta-feira, segundo as últimas sondagens. Mas nem uma economia a crescer mais de 7% e uma taxa de desemprego das mais baixas na zona euro são garantia de que se consiga manter a maioria governativa que liderou os destinos da Irlanda nos últimos cinco anos. Os trabalhistas, minoritários na atual coligação de governo, estão em queda nas intenções de voto – e o partido de esquerda, Sinn Féin, já espreita o lugar de terceira maior força política, atrás do Fianna Fáil (derrotado em 2011). A confirmar-se a vitória sem nova maioria, caberá a Enda Kenny procurar uma nova coligação ou ver-se afastado do poder, como aconteceu em Portugal e Espanha.
Houve 18 eleições na zona euro desde o início da crise da dívida. E, como assinala uma nota de antecipação elaborada pelo Royal Bank of Scotland, só três governos que tiveram o poder nestes anos conseguiram renovar o mandato: na Alemanha (que, ainda assim, teve de encontrar novo parceiro de dança), na Áustria (outro país que tem passado ao lado da crise) e, finalmente, na Grécia, com a reeleição de Alexis Tsipras em setembro – no quarto ato eleitoral no país desde o início da crise.
Em Portugal, a coligação que governou nos anos da troika foi o bloco mais votado mas perdeu a maioria absoluta e entregou a governação ao Partido Socialista. Em Espanha, que não teve um plano de resgate pleno mas também aplicou duras medidas de austeridade e reformas estruturais, Mariano Rajoy e o Partido Popular também não conseguiram nas urnas – pelo menos no ato eleitoral de final de dezembro – revalidar o maioria absoluta. E o país vizinho continua a viver uma incerteza política que, acreditam cada vez mais analistas, poderá desaguar em novas eleições.
Uma “fénix renascida”
Como nota o Commerzbank, num país fustigado por uma crise fortíssima há escassos anos, “as questões económicas vão ser determinantes” para o ato eleitoral que se realiza esta sexta-feira, 26 de fevereiro. E, aí, as notícias dificilmente poderiam ser melhores. Senão vejamos:
- A taxa de desemprego chegou a superar os 15% na Irlanda, no início de 2012, mas nos últimos quatro anos caiu quase ininterruptamente e está hoje em cerca de metade: 8,6%. Este valor compara com os 24% da Grécia, os 20,8% de Espanha e os 11,8% de Portugal, de acordo com os últimos números do Eurostat disponíveis para cada um dos países.
- O Produto Interno Bruto (PIB) está a crescer a um ritmo de 7% ao ano (sim, mais do que deverá crescer a China), regressando às taxas de crescimento rápido que, antes da crise, granjearam ao país o título de Tigre Celta. Quando saíram os últimos dados sobre o PIB da Irlanda, o economista Anthony Baert, do ING, chamou à Irlanda uma “fénix renascida“.
- O crescimento elevado foi decisivo para uma correção muito rápida da dívida pública do país, que rondava os 120% do PIB em 2012 e 2013 e, desde então, caiu para pouco mais de 100% do PIB no ano passado. Em 2016, a dívida acumulada já deverá terminar o ano abaixo dos 100% do PIB (96%, segundo a estimativa do FMI). Em contraste, a dívida pública bruta de Portugal só em 2021 deverá estar abaixo de 120% do PIB, segundo o Orçamento do Estado para 2016.
- Todos estes fatores, e vários outros, explicam porque é que nos mercados se pedem juros mais baixos à Irlanda do que a Espanha e Itália – e, claro, um fração do que é exigido a Portugal. Mesmo com a turbulência recente nos mercados financeiros, o prémio de risco da dívida irlandesa subiu apenas para a casa dos 70 pontos-base (0,7 pontos percentuais). Em Portugal, essa diferença entre os juros das obrigações do Tesouro e as bunds alemãs está nos 325 pontos e, em Espanha, a prima de riesgo ronda os 145 pontos-base.
“Fénix renascida” cresce 7% ao ano (mais do que a China)
Anthony Baert, economista do ING, diz que a Irlanda está a surfar uma onda de investimento por parte de empresas multinacionais, o que aumenta a atividade hoje e fomenta o crescimento estrutural no longo prazo. Além disso, o consumo está a subir apoiado na descida do desemprego e nos preços baixos do petróleo, ainda que [o consumo] esteja a crescer a um ritmo inferior às outras componentes”.
Numa comparação com os outros países mais fragilizados pela crise, “o crescimento e o emprego recuperaram de forma mais robusta na Irlanda do que em qualquer outro lado. Mas ainda há alguma incerteza sobre se esta tendência favorável é irreversível“, escreveram os analistas do Royal Bank of Scotland numa nota de investimento recente. Este tem sido o cavalo de batalha de Enda Kenny e do partido Fine Gael – uma das mensagens principais da campanha tem sido “manter a recuperação sobre rodas”.
Impressionadas pela evolução favorável dos juros da Irlanda no mercado, as agências de rating têm elogiado as reformas aplicadas no país – ainda que alertem que o trabalho tem de continuar porque, apesar de tudo, a dívida total ainda está em níveis excessivos. Em setembro, a agência Moody’s atribuiu um outlook positivo à dívida irlandesa e mostrou-se otimista em relação às expectativas de crescimento “numa das economias mais abertas da zona euro”.
“A economia irlandesa tem um potencial para crescer entre 3% e 3,5% em médio, por ano, ao longo dos próximos três a cinco anos, dada a sua abertura para o comércio internacional, o seu setor exportador competitivo com forte presença de empresas multinacionais em setores de elevado valor acrescentado“, notou a Moody’s, acrescentando, ainda, a “demografia favorável e a população ativa muito qualificada“. Estes comentários ajudam a explicar o que se vê no gráfico que se segue.
Irlanda paga menos pela dívida do que Portugal e Espanha
Irlanda foge à tendência e aposta no bloco central?
Horas antes das eleições, olhando apenas para as sondagens, o que se prevê é que não haverá um vencedor óbvio nas eleições irlandesas. O principal partido do Governo, o Fine Gael, deverá ter mais votos e mais deputados. Mas, com o seu parceiro de coligação – o Partido Trabalhista (Labour) – a perder apoio, o cenário de uma nova coligação entre estes dois partidos parece estar completamente afastado. Não deverá ser suficiente, desta vez.
Porém, contrastando com o que aconteceu em Portugal ou em Espanha, onde os principais partidos não se entenderam para formar um Governo de bloco central, a Irlanda pode estar prestes a inovar nas eleições pós-programas de ajustamento. Um governo de bloco central, composto pelo Fina Gael de Enda Kenny e o Fianna Fáil é uma possibilidade clara, apesar das quezílias históricas entre os dois partidos.
“Olhando para os números das sondagens mais recentes, a combinação mais provável de partidos é entre os dois principais partidos irlandeses Fine Gael e Fianna Fáil. Embora as diferenças políticas entre os dois partidos sejam pequenas, há uma longa história que os divide e algumas inimizades pessoais que terão de ultrapassar”, explicou ao Observador Theresa Reidy, professora da Universidade de Cork, na Irlanda. O Fianna Fáil dominou grande parte da política irlandesa no pós-Segunda Guerra Mundial, mas teve uma queda abrupta nas eleições de 2011, sendo fortemente penalizado pela crise financeira e ficando fora do Governo.
Esta opção não foi até agora recusada por Enda Kenny. A sua aposta até ao final da corrida foi convencer os irlandeses que a melhor opção seria manter a coligação entre o Fine Gael e os trabalhistas, mas nunca fechou a porta a um entendimento com o Fianna Fáil. “Eu peço respeitosamente às pessoas que ouçam a nossa proposta e tomem a sua decisão. Tenho confiança no que elas vão decidir”, afirmou o primeiro-ministro na reta final da campanha.
Mas há posições mais extremas dentro do seu próprio partido: “Não vamos ajudar a reabilitar o Fianna Fáil. Uma grande coligação entre o Fine Gael e o Fianna Fáil seria um casamento forçado com o Sinn Féin a apontar-nos uma arma automática”, defendeu Leo Varadkar, atual ministro da Saúde do Fine Gael num artigo publicado esta quinta-feira no jornal Independent. Outra opção seria que o Fianna Fáil apoiasse um Governo minoritário do Fine Gael, tal como já aconteceu no final dos anos 80, quando houve a necessidade de restaurar as finanças públicas do país.
Sinn Féin. O partido “anti-austeridade” num país em forte recuperação
Segundo Theresa Reidy, o apoio ao Sinn Féin, um partido de extrema-esquerda e atualmente o terceiro colocado nas sondagens, cresceu exponencialmente durante a crise. “A sua subida deve-se à adoção de propostas políticas populistas durante a crise. Foi muito eficaz na oposição e tem-se oposto de uma maneira muito forte à austeridade. Pode mesmo vir a duplicar o número de assentos no próximo parlamento”, indica a investigadora da Universidade de Cork. Por parte do Fianna Fáil parece haver pouco interesse numa aproximação ao Sinn Féin – essa possibilidade surgiu no início do ano e foi prejudicial para a popularidade do Fianna Fáil, de acordo com as sondagens.
Assim, para já estão todos a suster a respiração à espera dos resultados de uma eleição com implicações muito além da Irlanda. Que ilações políticas se tirarão na cúpula da política europeia se até o país mais bem sucedido na retoma económica se vir envolvido num processo longo de formação de governo?
Contudo, o barómetro dos mercados parece aguardar, tranquilamente, que o processo termine e possa haver um governo de bloco central. É que, apesar das diferenças no discurso, os planos económicos do Fine Gael e do Fianna Fáil não têm assim tantas diferenças, considera Peter Dixon, economista do Commerzbank. Os dois partidos têm abordagens diferentes mas ambos estão a contar com a folga orçamental de 8,6 mil milhões de euros que deverá ser gerada pelo crescimento económico nos próximos cinco anos – que se prevê robusto. É com essa folga orçamental que ambos os partidos prevêem almofadar um pouco os impactos negativos que ainda se sentem.
O “risco“, diz Peter Dixon, é que, à semelhança do que aconteceu em Portugal e Espanha, um partido como o Sinn Féin “venha a encontrar-se na liderança de um processo de formação de governo”, ou a ter um papel determinante nesse processo. “A campanha do Sinn Féin tem-se baseado na crítica à austeridade, numa tentativa de se diferenciar dos partidos mais estabelecidos, e os seus planos de governo implicam, claramente, uma expansão do papel do Estado“, nota o economista, destacando o aumento dos gastos com saúde pública, habitação social e transportes públicos” – planos que terão um custo superior à tal folga orçamental que, é claro, não é garantida. Por outras palavras, aumentos de impostos seriam uma certeza, colocando em causa a estratégia de cargas fiscais baixas que tem sido seguida.
Sem certezas sobre o desfecho final deste processo eleitoral, o Fine Gael tem noção que pode haver uma coligação entre os restantes partidos que o exclua do poder nos próximos anos. Segundo Theresa Reidy, a campanha do partido foi “fraca” e a esperança reside numa mudança súbita do sentido de voto, que parece não estar a acontecer, segundo revelam as mais recentes sondagens – que dão ao partido de Enda Kenny entre 27% a 30% dos votos.
Perante estas sondagens pouco entusiasmantes, e numa tentativa de persuadir mais eleitores a votarem no Fine Gael, Portugal já foi usado como ilustração do que pode acontecer quando existe incerteza política. Correu a Europa a declaração de Enda Kenny, há algumas semanas, dizendo que a Irlanda não queria ser como Portugal – um país que estava, dizia o chefe do governo irlandês, a pagar um preço “terrível” pela instabilidade política. Partindo do exemplo português, Enda Kenny defendeu que a recuperação económica “não pode ser tomada como garantida“.
Mas os eleitores parecem estar mais interessados noutro tipo de mensagens. “Há referências ocasionais à crise económica e ao programa de ajustamento, mas grande parte dos debates centram-se em questões concretas como saúde e a habitação”, descreve Theresa Reidy.