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TIAGO PETINGA/EPA

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Estado da Nação. O melhor de dois mundos: agradar à esquerda e a Bruxelas

O Governo quis agradar aos parceiros, cumprir as metas europeias e fazer um brilharete orçamental para passar uma mensagem para fora e enterrar a oposição. Mas que custos terão as cativações?

Em pleno inverno, no Parlamento, Mariana Mortágua agitava-se nos lugares mais ao fundo da sala da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças onde Mário Centeno tinha acabado de dizer que, em 2016, o défice tinha sido “o mais baixo da história”, e “não superior a 2,1%”. Quando chegou a sua vez de falar, a deputada do Bloco de Esquerda fez as suas próprias contas: “0,9 pontos abaixo dos 3% requeridos por Bruxelas. O que quer dizer que há 1.674 milhões de euros que podiam estar a ser gastos com auxiliares na Educação, médicos…”. O momento marcou o arranque de uma crítica à gestão das finanças públicas que foi ganhando terreno à esquerda do PS, nos partidos que aprovaram o Orçamento do Estado e que apoiam o Governo. Em dia de debate do Estado da Nação, o Observador analisa a caminhada do Executivo para convencer as instituições europeias que o seu Governo de esquerda era confiável, superando mesmo as metas. E como isso não apagou as muitas queixas sobre a austeridade no país e até fez nascer a sensação de que há uma nova austeridade.

Na semana passada, quando foi conhecido o valor das cativações em 2016, houve um aprofundar do desconforto da esquerda com a gestão de Centeno e isso pode não ser suficiente para que PCP e BE retirem o apoio ao Governo, mas traz exigências redobradas para as negociações do próximo Orçamento do Estado. Sobretudo porque os dois partidos continuam a ter caixas de correio cheias de queixas sobre o funcionamento de serviços públicos, segundo os próprios.

O último ano foi especialmente marcado pelos protestos, fecho de escolas e até greves por causa da falta de auxiliares de educação. Mas não só, houve também um despacho do secretário de Estado da Saúde, em setembro de 2016, onde as despesas de investimento ficaram dependentes de autorização do ministério: reparação de máquinas, como as que fazem raio-x, e limites na renovação de stock de medicamentos. E até houve um presidente da Infraestruturas de Portugal a dizer, no Parlamento, que existe “desinvestimento na rede rodoviária”. O pleno nos temas mais caros à esquerda que se juntou à direita nas críticas sobre a “degradação dos serviços públicos”.

Défice histórico conseguido com 942,7 milhões de euros em cativações

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O BE cedo começou a pedir ao Governo que não fosse além da Comissão Europeia, já o PCP continua a repetir a necessidade de romper com a política de direita, avisando que as suas “consequências perdurarão tanto mais tempo quanto se mantiver a falta de vontade do Governo em romper com aspetos estruturantes” dessa política. O principal aspeto? “Romper com os constrangimentos da União Europeia que dificultam a resposta aos problemas económicos e sociais do país”. Será esta mesmo a linha das intervenções comunistas no debate desta quarta-feira.

Mas romper com os tratados europeus esteve sempre longe de ser uma hipótese para o Governo de António Costa que enquanto negociava com a esquerda o segundo Orçamento, tentava convencer a Comissão Europeia a não aplicar a Portugal sanções por violar o limite do défice (3%) em 2015. Para evitá-las, o Governo comprometeu-se com cativações adicionais, em cerca de 0,2% do PIB. Mal pôde, mostrou a Bruxelas que o défice de 2016 iria ficar bem aquém das expectativas.

Tentar tranquilizar duas frentes opostas — a Comissão e os parceiros de esquerda em Lisboa — foi o desafio maior deste Governo este ano. Doze meses depois do último debate do Estado da Nação, a frente menos incomodada parece ser mesmo a externa. Mas comecemos pelo princípio.

O que correu bem?

A esquerda partiu para as negociações do Orçamento deste ano com uma mão cheia de exigências, sobretudo quanto à devolução de rendimentos, defendendo a eliminação integral e imediata da sobretaxa de IRS, logo a 1 de janeiro, e o aumento das pensões. Conseguiram tudo, mas não exatamente no modelo que pretendiam. Em vez de devoluções por inteiro e no início do ano, o pacote de medidas orçamentais estabeleceu reposições graduais que se verificariam sobretudo no verão. No caso das pensões, houve uma atualização em 0,5%, para as pensões até 838 euros, logo em janeiro, mas foi estabelecido que só em agosto chegaria o aumento extraordinário, de dez euros, para as pensões até 628 euros. E para as pensões sociais e rurais, o aumento de 6 euros.

No caso da sobretaxa de IRS, o seu desaparecimento foi gradual, com a maior fatia de contribuintes a deixar de pagar sobretaxa até esta fase do ano. A somar a estas duas medidas, a esquerda também viu eliminados, ao longo do ano passado, os cortes salariais na função pública. Ou seja, mais rápido que o que previa o PSD no seu programa de Governo.

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Em julho, perante a ameaça de sanções europeias, cresceu o fantasma de haver necessidade de um pacote adicional de medidas do Governo, para dar garantias perante os parceiros europeus. Desde fevereiro que os outros Estados-membros exigiam — e Portugal aceitou dar — mais garantias de que o défice ia ficar dentro do previsto. O Eurogrupo exigiu, Portugal disse que sim, mas a Comissão não ficou convencida (e os países da União Europeia também não). A Comissão avançou com o processo de sanções, algo que nunca tinha acontecido a Portugal e poucas vezes na Europa, mas o Brexit e as preocupações em relação ao populismo criaram receios em Bruxelas.

Os países da União não queriam dar um mau sinal aos restantes. Portugal não queria ter de pagar uma multa de centenas de milhões de euros. O acordo, no Eurogrupo de julho, aconteceu com o Governo a dar garantias que as metas seriam cumpridas. Como? Cativações. Logo naquela altura houve um compromisso de que haveria pelo menos 445 milhões de euros de euros que não seriam gastos. Os países do euro deram mais tempo a Portugal e cancelaram a multa.

Com a economia abaixo do esperado, mas não tão mal como o Governo esperava a meio do ano, foi preciso compensar parte das receitas perdidas. Para isso, o Governo avançou com um perdão fiscal – o Programa PERES – que deu mais de 500 milhões de receita extraordinária para as contas do Estado, e com um apertão de cinto sem igual na história recente da gestão orçamental portuguesa: 942,7 milhões de euros de cativações.

Com as cativações, o Governo não teve de ir ao Parlamento pedir a aprovação dos pedidos à esquerda de medidas menos populares e assegurou o melhor resultado orçamental da história da democracia portuguesa. Fim do défice excessivo que durava desde 2009, mais credibilidade, elogios da Europa e das principais instituições internacionais, que Mário Centeno tanto critica em muitas das suas intervenções públicas. Vitória? Para os partidos mais à esquerda do Governo, não foi bem uma vitória.

O que correu mal?

O motor começou engasgado, mas acabou em plena força. A economia portuguesa começou o ano pior que o esperado e as esperanças que os 1,8% de crescimento que o Governo projetava no orçamento se concretizassem desapareceram rapidamente. O Governo foi criticado várias vezes pelo otimismo das previsões. Foi rejeitando os ataques enquanto pode, mas teve mesmo de rever as suas expetativas: afinal a economia só iria crescer 1,2%.

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Mas a segunda metade do ano trouxe uma agradável surpresa, ainda que não completa, e as notícias não foram tão más quanto se pensava. O crescimento do terceiro trimestre surpreendeu pela positiva, o quarto trimestre também foi bastante positivo e, não só a economia acabou o ano a crescer 1,4%, ligeiramente acima do esperado na última previsão, como ainda deu gás a um maior crescimento para este ano, antecipado pelo Banco de Portugal e por algumas organizações internacionais, caso do FMI.

Ainda assim, o crescimento aquém do previsto no ano passado teve consequências para o orçamento. A falta de receitas geradas pelo crescimento abaixo do esperado fez com o que o Governo tivesse de apertar mais o cinto em alguns serviços. Foi por isso mesmo que os orçamentos dos serviços acabaram por não ver descongelados uma boa parte dos seus orçamentos — os tais 942,7 milhões de euros de cativações — mais as restantes poupanças que o Governo forçou além das cativações. Isso pode ver-se pela diferença entre o que estava previsto ser gasto no orçamento, e que o Parlamento aprovou, e o valor que foi realmente gasto.

Aqui, há poupanças em praticamente todas as áreas. Na Saúde, por exemplo, estava previsto um aumento da despesa face àquilo que aconteceu em 2015, último ano do governo PSD/CDS-PP, de 625,5 milhões de euros. Mais de metade deste aumento, 294,2 milhões de euros, acabou por não se concretizar. Mas esta não é a única área onde isto aconteceu. As cativações e as poupanças, só reveladas pela Conta Geral do Estado que saiu no início de julho, acabaram por criar alguma tensão à esquerda.

O Bloco de Esquerda já tinha revelado a sua insatisfação com a estratégia do Governo, que apenas tinha de cumprir uma meta de défice de 2,5% do PIB, que os países da União Europeia estabeleceram a meio do ano para as contas públicas portuguesas. Já contava com a derrapagem do ano anterior e com o crescimento económico mais fraco que o esperado no início do ano.

Como ficámos?

Houve cortes ou não houve cortes? O orçamento foi o que a esquerda aprovou ou não? Há algumas divergências à esquerda, que a direita tem aproveitado. Por sua vez, o aproveitamento da direita é motivo para a união da esquerda, que ataca em bloco os cortes do passado e o “ir além da troika” de Pedro Passos Coelho, como prova de que a direita não pode entrar neste debate por falta de moral para falar de cortes. Pelo meio, PS e Governo garantem que não houve cortes e que as cativações são apenas acréscimos de despesa que não se realizam. Será mesmo assim?

As mudanças que todos os executivos fazem na organização dos seus governos dificulta a comparação dos resultados de um Governo para o outro. Mas olhando para a despesa que foi feita pela Administração Central por cada uma das funções do Estado em 2015 e em 2016, é possível ver um aumento generalizado nos gastos, mas este não é completo. Exemplo disso, a Defesa.

No entanto, o Governo levou algumas promessas ao Parlamento e aos partidos à esquerda, para além das medidas que foram negociadas especificamente com cada um. Parte dessas promessas foram os aumentos previstos para alguns dos ministérios, até para “virar a página da austeridade” como dizia o ministro das Finanças. A esquerda não gostou. O Bloco de Esquerda disse desde que Mário Centeno clamou vitória por um défice de 2,1% (que veio a ser mais baixo), o mais baixo da democracia, que não percebia porque ia o Governo mais além do exigido no Tratado de Maastricht (os 3% de limite do défice), além do que os países da UE exigiam para este ano (2,5% de défice) e até daquilo que estava previsto no orçamento no início de 2016 – os 2,2% da meta do Governo.

Essa diferença podia, e devia, ter sido usada para investir nos serviços públicos que foram alvos de muitos cortes nos últimos anos, defendia o Bloco de Esquerda. O PCP atira à política do Governo, atacando o que acham que é o principal problema: a União Europeia.

A verdade é que, para ir aos 2% de défice, o Governo teve de apertar o cinto e isso notou-se também no que foi a execução das contas do Estado no final do ano passado, face ao que estava previsto e aprovado pelo Parlamento no início do ano.

O valor recorde das cativações foi o que acabou por dar o pontapé de saída nas críticas mais acérrimas da esquerda ao Governo. Não são cortes, necessariamente, mas não havia explicação para tanta cativação: 942,7 milhões de euros, o valor mais alto da história recente, e que varreu praticamente todos as áreas de despesa do Estado.

Cativações de Centeno descativaram a esquerda

Perante o valor de cativações em 2016, a esquerda acabou por acusar o toque no que a gestão do Orçamento diz respeito, sobretudo o Bloco de Esquerda que chegou mesmo a pedir a Mário Centeno explicações detalhadas sobre onde foram feitas cativações. Mas mais do que isso, o BE ficou desconfiado e disse que o ministro não estava a “ser transparente”. “Não é claro onde é que essas despesas estão a ser cativadas”, acrescentou Mariana Mortágua. Já o PCP, através de Paulo Sá criticou este instrumento de gestão orçamental usado pelo Governo, dizendo que é “óbvio que condicionam a capacidade dos serviços públicos de darem resposta às necessidades do país”. Ainda que no caso dos comunistas, as culpas sejam atiradas para os constrangimentos que são impostos aos país pelos compromissos europeus.

Em defesa do Governo, o ministro respondia que as “cativações não são cortes, são instrumento legal” e defendia a “gestão cautelosa que todos os membros do Governo têm feito” para que o país atingisse “o nível de credibilidade interna e externa que atingiu, e que não tinha há um ano e meio”. Havia de voltar ao Parlamento para explicar este capítulo de forma mais aprofundada, mas as questões da esquerda mantiveram-se.

No final, o Governo acaba mais um ano com muitos resultados para apresentar. A economia está a crescer mais rápido que o que se previa, e mais rápido que no passado recente. Os indicadores de confiança estão a melhorar. A meta do défice ficou muito abaixo do previsto e permitiu tirar Portugal do Procedimento dos Défices Excessivos, sem sanções e sem suspensão de fundos comunitários. A meta deste ano não parece estar em risco, segundo as instituições internacionais. Tudo está mais calmo. Mas depois de ter rejeitado várias propostas dos parceiros da esquerda por falta de margem orçamental — como a mudança nas deduções em IRS das despesa de educação, por exemplo –, o brilharete que quis fazer com os resultados do défice podem deixá-lo numa posição mais difícil para rejeitar as exigências do PCP e do Bloco de Esquerda nas negociação do Orçamento do próximo ano, que já começaram.

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