“O mercado de arte é geralmente descrito como tendo baixa correlação com os mercados financeiros, por exemplo as ações e as obrigações”, avisa Philip Hoffman, o presidente executivo do The Fine Art Fund Group. Para os investidores que aplicaram no Art Invest, o único fundo português de investimento em arte, são más notícias: os primeiros que abandonaram o fundo perderam 0,13% por ano numa década, enquanto as ações mundiais renderam, em média, 5,37%.
O Art Invest já deveria ter sido extinto – quando foi lançado em 2004 previa-se uma duração de dez anos –, mas os investidores que não aproveitaram para sair em 2014 continuam dependentes do fim do veículo do The Fine Art Fund Group, o principal ativo do fundo português. É pouco provável que, quando saírem, nunca antes de junho de 2016, os ganhos – se os houver – estejam muito longe de zero.
Promessa de elevadas valorizações
Em outubro de 2003, a Banifundos, a sociedade gestora de fundos do Banif que agora se chama Banif Gestão de Activos, foi autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o supervisor do mercado financeiro, a abrir as portas a quem quisesse investir em arte através de um fundo de investimento. Chamaram-lhe “Art Invest”.
Era uma oportunidade única para os portugueses: a partir de cinco mil euros, os investidores poderiam aplicar, indiretamente, num cabaz de bens artísticos; quem investisse 150 mil euros poderia levar temporariamente algumas obras de arte para casa.
“O Banif Banco de Investimento contribui assim para a modernização do sistema financeiro português, colocando ao seu dispor um instrumento alternativo e inovador para capitalizar os seus investimentos”, lia-se, em novembro de 2003, na publicidade referente ao Art Invest. Este fundo podia ser subscrito junto desse banco de investimento, bem como do Banif e do Banco Comercial dos Açores, a instituição que acabou por ser engolida pelo Banif quatro anos depois.
Após janeiro de 2004, o Art Invest fecharia as portas durante uma década – às entradas de novos investidores mas também às saídas dos participantes. Até 2014, o fundo seria liquidado e a receita distribuída por todos. Era esse o plano. O único modo de recuperar o dinheiro antes de 2014 seria vender a aplicação a outros investidores através do Banif. O banco cobraria até 10% do montante, “dependendo das condições de mercado”.
Apenas 24 investidores apostaram no Art Invest, mostra o relatório do primeiro ano do fundo depositado junto da CMVM, que, em conjunto, aplicaram 2,5 milhões de euros. Esperavam as “elevadas valorizações históricas” da arte, como mencionava a publicidade.
Que saiam os primeiros perdedores
Os primeiros tempos do Art Invest foram promissores. Só em 2005, a unidade de participação do fundo valorizou-se 17,55%. Em outubro de 2008, o fundo concretizou a sua primeira venda: The Ferry Girl III (The Peacock’s Eye), pintado por Paula Rego em 1992 e adquirido pelo Art Invest em 2006. Esta obra, que foi, a par de The Ferry Girl VI, também de Paula Rego, a primeira a ser comprada pelo fundo, rendeu mais de 60%.
Porém, a crise financeira suspendeu as expectativas de elevados ganhos. Os primeiros investidores que abandonaram o fundo, em fevereiro de 2014, perderam 0,13% por ano com os seus investimentos iniciais, mostram os cálculos conduzidos pelo Observador com base nos relatórios anuais e outras comunicações que a Banif Gestão de Activos publica junto da CMVM.
“A amplitude da correção [do mercado de arte] é evidente, qualquer que seja o indicador analisado”, lê-se no relatório do fundo referente a 2009, quando a cotação do Art Invest desceu 12,64%. O fundo “terminou o seu quinto ano de atividade espelhando a queda do mercado de arte, em consequência da crise internacional”.
Nem todos os investidores abandonaram o fundo na data prevista. Em janeiro de 2014, quando faltavam duas semanas para o décimo aniversário do Art Invest, a Banif Gestão de Activos convocou os investidores para uma assembleia para decidir a extensão do fundo até ao final de junho de 2015.
O adiamento do fim do Art Invest foi aprovado, mas quem quisesse abandonar o fundo poderia fazê-lo. Os que solicitaram o reembolso receberam 3,5932 euros por unidade de participação em fevereiro e junho de 2014, que se juntaram aos 1,40 euros distribuídos em junho de 2012. Esta soma é inferior aos cinco euros investidos progressivamente nos dois primeiros anos, mais 1% de comissão de subscrição paga por quem investiu menos de 50 mil euros.
No final de 2014, só havia dez participantes no fundo, o que indicia que 14 investidores optaram por sair.
Quando a segunda data de encerramento do Art Invest se aproximou, a Banif Gestão de Activos voltou a convocar uma assembleia geral para votar a nova prorrogação até junho de 2016. Tudo indica que o novo adiamento tenha sido aprovado no dia 22 de junho, porque o fundo continua ativo, mas os dez investidores não devem ter tido a opção de abandonar o barco, porque a convocatória não previa a votação sobre essa matéria.
Se o fundo fosse fechado à cotação do final de junho de 2015, os investidores que permaneceram registariam um ganho anual de 0,40%, assumindo que também pagaram uma comissão de subscrição de 1%.
Continuar a adiar o fim
É verdade que o Art Invest foi inovador: além de ser o primeiro fundo de arte português, foi também o primeiro fundo especial de investimento registado em Portugal. Embora se aponte a coleção La Peau de l’Ours, promovida pelo negociante parisiense André Level em 1904, como o primeiro fundo de arte, a formulação moderna destes veículos de investimento só aconteceu já no século XXI. Além disso, André Level teve um desempenho dificilmente ultrapassável: quadruplicou o capital inicial em dez anos.
O Art Invest foi lançado dois meses antes do fundo do The Fine Art Fund Group, que é a referência para os restantes fundos modernos. Segundo o “Art & Finance Report 2014”, publicado pela Deloitte, o grupo britânico geria mais de 180 milhões de euros em junho de 2014, 60% do valor sob gestão em fundos europeus e norte-americanos de arte. Todavia, a China está a dominar: na mesma altura, 55 dos 72 fundos de arte em todo o mundo estavam nessa nação, absorvendo o equivalente a 617 milhões de euros.
Desde 2003 que estava previsto que o The Fine Art Fund, o primeiro fundo do The Fine Art Fund Group, fosse o principal património do Art Invest. “O The Fine Art Fund, que será o principal ativo em que o fundo estará investido nos primeiros dois anos, é um fundo que não está sujeito a nenhuma entidade reguladora nem supervisora acarretando por esse motivo um risco acrescido”, alertava o prospeto da oferta pública de subscrição.
Na verdade, ao longo dos mais de 11 anos, o The Fine Art Fund foi sempre o maior ativo na carteira do Art Invest. Em média, a aplicação no fundo gerido em Londres (embora esteja constituído sob a forma de uma sociedade em Delaware, nos Estados Unidos da América) representou 63% do património do fundo português.
É por isso normal que, se o The Fine Art Fund continua ativo, o Art Invest não pode ser liquidado. No relatório de 2014, a equipa da Banif Gestão de Activos avisa os investidores que o The Fine Art Fund comunicou-lhes, em outubro desse ano, a extensão do prazo de desinvestimento até março de 2016. “Esta decisão poderá vir a condicionar a data de liquidação do Art Invest”, alertaram.
“Não há atraso”, explica Philip Hoffman, presidente do The Fine Art Fund Group. “Desde o início que o prazo é de 10 a 15 anos.” Hoffman revela ao Observador que já vendeu 98% da sua carteira.
“Mantivemos os Velhos Mestres para o fim”, conta, referindo-se às obras de pintores de elevada qualidade que trabalharam até meados do século XIX, como Rembrandt. Os restantes 2% que falta vender deverão ser alienados até 2017, estima Hoffman. Isto quer dizer que, em junho de 2016, poderá ser preciso esticar o prazo do Art Invest por mais seis meses, pelo menos.
Em junho de 2015, além da participação no The Fine Art Fund, o Art Invest contabilizava seis obras de autores portugueses. As mais valiosas eram Codes to Specific to Fear, de Julião Sarmento, avaliada em 125 mil euros, e The Ferry Girl VI, de Paula Rego, que valia 105 mil euros.
A equipa do Banif está, naturalmente, à procura de compradores. Em 2013, os gestores do Banif tentaram alienar toda a carteira a “uma entidade nacional”, mas sem sucesso. Por isso, vendem aos poucos. Uma das últimas vendas foi a António Cachola, cuja coleção está albergada no Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Cachola, o diretor financeiro da Delta Cafés, pagou 14.750 euros pelas obras Macrocefalia e Os Ladrões de Túmulos, de João Maria Gusmão e Pedro Paiva. Estas obras foram registadas pela primeira vez na carteira do Art Invest em janeiro de 2008 por 10.446 euros, o que sugere um ganho superior a 40%. Apenas Macrocefalia está atualmente em exposição em Elvas.
Porque não se ganha dinheiro
Os relatórios anuais do Art Invest não mencionam qualquer venda de obras de arte com prejuízos. No balanço dos primeiros dez anos, a equipa de gestão revelou que “o fundo já vendeu 12 obras de arte, originando o produto da venda um inflow na ordem dos 594.000 euros, com uma rendibilidade cash-on-cash de cerca de 11,6%”.
Em alguns casos, os lucros tiveram a ajuda do destino. Em 2009, um incêndio destruiu uma grande parte do acervo de Hélio Oiticica, uma das referências do movimento brasileiro do Neoconcretismo dos finais da década de 1950, que se encontrava na residência do irmão no Rio de Janeiro. Em 2012, depois de dificuldades em vender a peça a colecionadores brasileiros por motivos fiscais, o Art Invest conseguiu alienar a obra da série Relevo Espacial, através da galeria Dickinson de Nova Iorque, com uma mais-valia de 25%, em dólares norte-americanos.
Se as obras de arte alienadas pela equipa da Banif Gestão de Activos são vendidas com lucros, muitas vezes avultados (como os 60% do primeiro quadro de Paula Rego), porque não se valoriza o Art Invest?
A culpa não é da participação no The Fine Art Fund, remata Philip Hoffman. “O nosso fundo é lucrativo”, mesmo depois de descontar as comissões cobradas, avisa o presidente do The Fine Art Fund Group. Hoffman não comenta os resultados do Art Invest, mas alerta que o The Fine Art Fund é cotado em dólares norte-americanos, enquanto o Art Invest está denominado em euros.
Como não é alvo de supervisão, é difícil aferir o desempenho do fundo gerido em Londres. No entanto, a pouca informação publicada pelo Art Invest sobre o The Fine Art Fund permite calcular que o fundo britânico concedeu um retorno anual, em dólares, de aproximadamente 1,3% entre outubro de 2006 e junho de 2015. Hoffman não comenta.
A confirmar-se, é pouco. Philip Hoffman afirmou, ao The Wall Street Journal, em 2013, que buscava rentabilidades anuais líquidas entre 7% e 12% para os seus clientes.
Antes de o Art Invest ser colocado junto dos investidores, o prospeto alertava para o risco dos investimentos em dólares. “O fundo está sujeito a risco cambial, não estando prevista a cobertura sistemática deste risco. No entanto, poderá a entidade gestora, caso o entenda, realizar pontualmente a cobertura do risco cambial.” A análise à carteira do Art Invest ao longo dos anos revela, de facto, vários contratos cambiais.
Comissões levam ganhos
As obras vendidas deram lucros. O resultado do investimento no The Fine Art Fund é positivo. Para onde foi o dinheiro? A maioria para os cofres do Banif.
Entre 2004 e 2014, o Art Invest pagou 323 mil euros em comissões, incluindo a taxa que paga anualmente à CMVM. Cerca de 82% desse montante global são respeitantes às comissões de gestão e de depósito, que vão diretamente para o grupo Banif.
Resumidamente, a comissão de gestão, destinada à Banif Gestão de Activos, é de 2,5% sobre a parte da carteira investida diretamente em obras de arte e de 0,5% sobre a componente aplicada no The Fine Art Fund. Esta distinção acontece porque o The Fine Art Fund também tem as suas comissões de gestão. A percentagem cobrada pelo The Fine Art Fund Group não é pública, mas assumindo o valor médio indicado pela Associação de Fundos de Arte, a sociedade britânica faturou 328 mil euros à conta da aplicação do Art Invest.
A Banif Gestão de Activos também recebe uma comissão de desempenho. É equivalente a cerca de 20% da valorização das obras acima da rentabilidade anual implícita das obrigações governamentais alemãs a dez anos acrescida de 3%. Atualmente, para a sociedade gestora ter direito a alguma comissão de desempenho, os ativos artísticos em carteira teriam de valorizar-se a uma taxa anual de 3,72%. A cobrança desta comissão só ocorrerá na data de liquidação.
O Banif – Banco de Investimento, como entidade depositária, também recebe a comissão de depósito: todos os anos, 0,10% do valor do fundo.
“Além dos encargos de gestão e depósito, o fundo suportará ainda todas as despesas decorrentes da compra e venda dos ativos, da conservação, avaliação, seguros e depósito de obras de arte”, indica o regulamento de gestão. Só a guarda das peças artísticas pode custar até 0,5% dos ativos por ano.
A Banif Gestão de Activos pode também cobrar, em nome do Art Invest, outra comissão aos investidores. Aqueles que quiserem levar os bens artísticos para casa pagam 1,25% do valor da obra, além das despesas de recolha, de embalagem e desembalagem e de transporte. Têm também de financiar um seguro numa companhia escolhida pela sociedade gestora do Banif.
Acusação de conflito de interesses
O londrino The Fine Art Fund Group e o Art Invest tiveram mais em comum. Após o lançamento do Art Invest, Artur Silva Fernandes, que presidia ao Banif – Banco de Investimento e à Banif Gestão de Activos, foi nomeado administrador não executivo do The Fine Art Fund Group, mostram as versões arquivadas do portal do grupo britânico. Artur Silva Fernandes também fazia parte do comité de investimentos do Art Invest.
“A CMVM, enquanto supervisor do fundo, teria a obrigação de detectar e impedir esta situação de conflito de interesses, bastando para tal que cuidasse de saber ‘quem é quem’ no The Fine Art Group, que tem no seu board o Dr. Artur Silva Fernandes”, acusou Maria José Cadete na sua dissertação no Mestrado em Mercados de Arte, que resulta de parceria entre o ISCTE-IUL e a Universidade de Lisboa.
Artur Silva Fernandes em abril de 2011 (em inglês): “Iremos seguir esse caminho para tipos mais criativos e alternativos de gestão de fundos.”
O Observador questionou a CMVM sobre se estudou o potencial conflito de interesses, mas não obteve resposta oficial da entidade supervisora do mercado de capitais. O Banif também não se pronunciou sobre este tema, nem sobre as outras questões que o Observador lhe remeteu.
Philip Hoffman, que é o presidente do The Fine Art Fund Group desde o seu início, defende que não houve conflito de interesses. “O Artur nunca foi pago pela sua função no conselho de administração”, revela. Hoffman explica que Silva Fernardes estava lá para representar o Art Invest, um dos vários clientes do grupo britânico.
Em 2012, Artur Silva Fernandes abandonou o The Fine Art Fund Group, no mesmo ano em que saiu do grupo Banif. Hoje é presidente da Global Reach Investments, a sociedade de capital de risco que tentou comprar a Espírito Santo Property, que detém a Herdade da Comporta, entre outros. O jornal i noticiou que o Banco Portugal instaurou um processo de contraordenação contra o executivo “por causa da gestão do Banif”.
Comissões? Fica tudo em casa
O Art Invest foi o primeiro – e único até agora – fundo português de investimento em arte. Especulou-se que João Rendeiro, o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP), desejasse criar um fundo semelhante para a coleção da Ellipse Foundation, mas o próprio acabou por dizer, em 2006, que isso nunca foi ponderado, embora o projeto tivesse “uma componente de investimento em relação aos participantes na fundação”.
A coleção de arte contemporânea da Ellipse Foundation pertence à Holma, uma sociedade holandesa, segundo o Sol. As cerca de 800 obras estão em Alcoitão. A Holma terá de ser considerada insolvente nos Países Baixos e terá de ser feito um leilão das peças para o dinheiro entrar no BPP. A receita servirá para pagar aos credores no processo de insolvência do banco português.
A situação do Art Invest é, obviamente, muito diferente, especialmente porque interessa a todos os portugueses e não apenas a alguns clientes do Banif. A investigação do Observador revela que, em junho de 2015, 88,92% dos capitais investidos no Art Invest eram detidos pelo Banif – Banco de Investimento, completamente controlado pelo Grupo Banif, que, por força do plano de recapitalização, é detido em 60,53% pelo Estado português.
Ou seja, somos todos donos de 473 mil euros do Art Invest, o equivalente a cinco cêntimos por cidadão. Julião Sarmento, Paula Rego, Rui Chafes, João Queiroz, José Pedro Croft e Álvaro Lapa são artistas plásticos no seu bolso.
Desde o início do Art Invest que o Banif, então controlado pelo seu fundador, Horácio Roque, é o seu maior investidor. No final do ano de lançamento, o banco tinha cerca de 62% do fundo. Em 2014, o banco, já controlado pelo Estado português, aproveitou para comprar unidades de participação alienadas pelos investidores mais pequenos.
Mas não é tudo. Desde 2004 que o Banif detém investimentos diretamente no The Fine Art Fund. No final de 2014, a aplicação valia 524 mil euros, o que dá três cêntimos por português.
Assim sendo, a maioria das comissões cobradas pela Banif Gestão de Activos e pelo Banif – Banco de Investimento, ficam sempre em casa: o que o banco de investimento paga em comissões como investidor no fundo é pago ao próprio banco de investimento e à sociedade gestora. Resta saber o que pensam os restantes investidores anónimos do Art Invest, aqueles nove que, em vez de cinco cêntimos, tinham até 68.500 euros investidos no fundo no final de 2014.