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© Maria Gralheiro

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"Não há conteúdo pedagógico sério": o que os especialistas dizem de SuperNanny

Psicólogos e pediatras condenam a exposição das crianças, mas dizem que SuperNanny faz pensar na falta de soluções para apoiar estas famílias. No estrangeiro, houve críticas graves a programas iguais.

Mãe e filha debatem-se na imposição de regras. Chegada a hora de ir dormir, a menina de sete anos faz birra porque não quer ir para a cama. A mãe vê-se forçada a impor um castigo, que passa por sentar a menina no banco durante alguns minutos. A criança esperneia-se, chora e diz repetidamente “não quero ir para o banco”. Tudo isto acontece ao som de uma pianada melancólica e com a supervisão da SuperNanny, a apresentadora do programa emitido no domingo à noite, na SIC, que já levou a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) a emitir um comunicado a alertar para o “elevado risco” de o programa “violar os direitos das crianças, designadamente o direito à sua imagem, à reserva da sua vida privada e à sua intimidade”.

Académicos, psicólogos e pediatras dividem-se. Os diferentes especialistas na área da educação, contactados pelo Observador, falam num tom depreciativo sobre a exposição desnecessária a que a criança foi sujeita, e os conselhos transmitidos por Teresa Paula Marques, a apresentadora que no programa não se assume enquanto psicóloga, geram pouco consenso.

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“Ela tem de voltar a formar-se”

“A estratégia do tempo de pausa foi completamente mal utilizada”, aponta Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra. “Isto é muito mau”, continua, referindo-se precisamente ao momento em que a menina de sete anos é castigada e votada a ficar sozinha, sentada num banco. “Primeiro, não se isola a criança. Segundo, não se faz a criança sentir que está de castigo. O tempo de pausa é o tempo em que a criança se pode acalmar e nunca pode ser superior a cinco minutos”, afirma a docente, que fala ainda numa atitude “completamente desrespeitadora” para com a criança.

Filomena Gaspar, que assistiu ao programa de domingo à noite, refere que Teresa Paula Marques, cuja atuação já foi alvo de queixas recebidas na Ordem dos Psicólogos, “comportou-se como uma especialista”, no sentido em que impôs a necessidade de existirem respostas certas. “Ela é que dava as respostas todas, foi isso o que me chocou mais”, diz, destacando o facto de a SuperNanny não ter tido em conta as competências da mãe.

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Maria Filomena Gaspar dá ainda outro exemplo, referindo-se ao momento de confrontação entre mãe e avó, na presença da pedagoga: “Aquilo não é intervenção, não tem nada que ver com terapia familiar. Ela [Teresa Paula Marques] não trabalha nem utiliza os modelos que promovem a mudança. Estes são modelos que dão receitas fáceis e tornam as pessoas dependentes dos especialistas. Não promovem a autonomia nem o crescimento pessoal”. A docente universitária deixa claro que a experiência profissional “não é, nem nunca foi, sinal de eficácia” e atira: “Ela tem de voltar a formar-se”.

Já o pediatra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, acrescenta que os “princípios gerais subjacentes aos conselhos dados parecem corretos”, ainda que devam ser “enquadrados nos problemas específicos de cada família”. “Há uma simplificação e tentativa de ‘tipificação’ de comportamentos que podem ser gravemente perniciosos”, acrescenta, condenando as “receitas mágicas” que diz estarem muito provavelmente condenadas ao insucesso e que podem ainda potenciar novos conflitos. Jorge Amil Dias defende ainda que o programa parece revelar “uma aparente teatralização de uma situação familiar”.

"Ela [Teresa Paula Marques] não trabalha nem utiliza os modelos que promovem a mudança. Estes são modelos que dão receitas fáceis e tornam as pessoas dependentes dos especialistas. Não promovem a autonomia nem o crescimento pessoal."
Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra

“O programa mostra a lacuna que existe na educação parental”

Isabel Abreu Lima, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) prefere sugerir que há diferentes pontos de vista em causa e começa por dizer que não vê nenhuma atuação da psicóloga que seja “passível de recriminação”, apesar de apontar o dedo à exposição da criança de sete anos. “Há aqui um intuito de mediatismo, já não sabemos bem definir o que é público do que é privado, habituados que estamos à devassa total da vida privada. Por outro lado, tenho a dizer que o que a psicóloga está a transmitir aos pais é extremamente útil. É possível que tenhamos muitos pais e mães a identificarem-se com aquela situação”, diz, chamando a atenção para as estratégias positivas apresentadas no programa, isto é, a imposição de regras, a criação de rotinas e a definição de limites.

Dito isto, a mesma docente deixa claro que não é partidária “de fazer estas intervenções sem o devido enquadramento”, admite que a aprendizagem dos conselhos dados não é assim tão direta e imediata, e assegura que não é adequado largar “estas coisas” na esfera pública sem salvaguardar que são bem entendidas. Isabel Abreu Lima fala ainda na necessidade de uma intervenção preventiva face à educação parental: “O programa mostra a lacuna que existe ao nível da formação de pais e da informação dada aos pais. Não tenho dúvidas que a maior parte dos pais precise de ajuda e que ninguém lhes esteja a dar essa mesma ajuda”.

"O programa mostra a lacuna que existe ao nível da formação de pais e da informação dada aos pais. Não tenho dúvidas que a maior parte dos pais precise de ajuda e que ninguém lhes esteja a dar essa mesma ajuda."
Isabel Abreu Lima, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP)

Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica contactada pelo Observador, concorda e fala da probabilidade de uma “mãe profundamente vulnerável” ter recorrido ao programa enquanto solução de último recurso. “Qual é o nível de oferta deste tipo de serviços em Portugal?”, questiona, ao mesmo tempo que defende não existir lugar para uma intervenção emocional nas consultas de psicologia nos hospitais públicos. “Vale a pena pensar, antes de criticar esta mãe e esta produção, qual seria a alternativa”, diz, reconhecendo que a forma do programa “não é perfeita” e que o nível de “exposição valeria a pena ser revisto e ponderado”.

“Este tipo de programas não agoira coisas positivas e embora se diga que só participa quem quer, as pessoas e as famílias que o fazem encontram-se em situações vulneráveis”, garante Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos. É também ele quem diz que “nenhum modelo na psicologia defende a exposição pública”.

Para o pediatra já citado, Jorge Amil Dias, o programa assenta na “exploração ‘modernaça’ de conflitos e ansiedades familiares”, no qual “não há conteúdo pedagógico sério”.

Afinal, quem é a SuperNanny?

Se não fosse psicóloga, diz Teresa Paula Marques num dos vídeos de apresentação do novo reality show da SIC, seria jornalista, “pois tem na comunicação uma das suas paixões”. Aos 51 anos e em SuperNanny, a psicóloga volta a aproximar os dois mundos — há anos que colabora com várias revistas e canais de televisão.

A primeira colaboração foi com a revista Teenager, onde tinha uma espécie de consultório e respondia às dúvidas dos adolescentes. Seguiram-se Bravo, Mariana, TV Mais, Caixa Activa, Ageless, Certa, Professor +, Flash, Viver com Saúde, Abarca, Correio da Manhã e Pais & Filhos. E depois programas de televisão, como Muita Lôco e Queridas Manhãs (SIC) e Rua Segura (CMTV).

Em 1996 publicou o primeiro livro: Cada jovem é um caso. Até 2011, editaria outros quatro, todos relacionados com psicologia infantil ou juvenil: Como lidar hoje com os filhos, Guia prático para compreender o seu filho, Ninguém me entende! e Clínica da Infância.

No texto da sua apresentação no site de SuperNanny, Teresa Paula Marques, natural do Tramagal, Abrantes, diz que gosta de ir ao cinema, de escrever e de fazer bijuteria -- “Quase todos os colares que usa são feitos por si”.

Em 25 anos de profissão, trabalhou “num bairro com famílias de etnia cigana”,”com pessoas seropositivas e respetivas famílias”, organizou “sessões de esclarecimento em escolas” e deu “aconselhamento a pais”.

Convidada há já dois anos para protagonizar SuperNanny, a psicóloga garantiu ao Observador, depois da polémica do primeiro episódio, que levou a queixas da Comissão de Proteção de Crianças e da Unicef Portugal, que não está no programa como tal — mas recusou revelar em que outra qualidade aparece.

Em vez disso, no texto da sua apresentação no site de SuperNanny, Teresa Paula Marques, natural do Tramagal, Abrantes, diz que gosta de ir ao cinema, de escrever e de fazer bijuteria — “Quase todos os colares que usa são feitos por si”.

Críticas das Nações Unidas e sentenças em tribunal

Um relatório do Comité dos Direitos das Crianças das Nações Unidas, tornado público em 2008, exortava o governo do Reino Unido, entre outras coisas, a tomar medidas para proteger a privacidade das crianças. Em causa estavam programas como SuperNanny, disse aos media britânicos Lucy Smith, à data membro do comité e professora de Direito na Universidade de Oslo, condenando “a invasão da privacidade das crianças” por formatos do género, que as mostraram “a comportar-se de forma terrível e as retrataram sob uma luz horrível”.

Não foi a única ocasião em que o formato recebeu um parecer negativo: um episódio do alemão “Die Super Nanny”, decidiu o Tribunal Administrativo de Hanover em 2014, após queixas de telespetadores e da Comissão de Proteção de Menores, “violou a dignidade humana”. Em causa estava um capítulo do reality show, emitido três anos antes, onde terão sido exibidas várias cenas de gritos, ameaças e agressões de uma mãe para com os filhos.

"A ausência de consentimento por parte das crianças preocupa-me. Quando crescerem estes miúdos vão ver as gravações em que aparecem a comportar-se como fedelhos e vão ficar envergonhados."
Deborah Borchers, membro da Academia Americana de Pediatria

Nos Estados Unidos, onde além de SuperNanny foi exibido também o idêntico e concorrente 911 Nanny, os especialistas em psicologia infantil e pediatria criticaram abertamente os formatos, não só por as amas em questão darem conselhos “simplistas” ou até “questionáveis aos pais desesperados”, mas sobretudo pelas consequências deste tipo de exposição.

“A ausência de consentimento por parte das crianças preocupa-me. Quando crescerem estes miúdos vão ver as gravações em que aparecem a comportar-se como fedelhos e vão ficar envergonhados”, disse ao The New York Times, em 2005, Deborah Borchers, membro da Academia Americana de Pediatria.

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