Depois de vários anos de crise e incerteza económica e política, há um sentimento algo perturbador quando se folheiam os relatórios de antecipação de 2018 e o consenso aponta para um crescimento económico sólido e globalmente sincronizado, valorizações saudáveis nas bolsas e riscos políticos pouco significativos. É o tipo de cenário que deixa preocupado um pessimista — ou, simplesmente, alguém que tenha bem frescas na memória as surpresas dos últimos anos.
2017 foi um ano que surpreendeu pela falta de surpresas — basta olhar para os índices de volatilidade das principais bolsas, em mínimos históricos, para o comprovar. Se a previsão é a de que 2018 seja um ano sem grande potencial para surpresas, onde podem estar os riscos para essa expectativa? Conheça os 10 principais temas que vão mexer com a economia e com o investimento no novo ano.
Trump e Kim Jong-Un vão comer um hambúrguer ou a guerra é inevitável?
É a grande incógnita à entrada para 2018 e o principal risco para a economia mundial. O confronto entre duas figuras imprevisíveis, o presidente dos EUA e o líder norte-coreano, subiu de tom em 2017. Donald Trump chegou a dizer que seria uma “honra” encontrar-se com Kim Jong-Un, “nas circunstâncias certas”, e os dois partilharem “um hambúrguer. Mas, depois dos vários testes nucleares e mísseis lançados pela Coreia do Norte, o ano de 2017 termina com Trump a chamar “louco” ao “rocket man” que lidera a Coreia do Norte e, por outro lado, com o presidente norte-americano a criticar a China por ter sido “apanhada em flagrante” a permitir entregas de petróleo para o país de Kim Jong-Un.
“Uma escalada pronunciada das tensões na Coreia do Norte ou um conflito armado seriam altamente negativos para os mercados”, avisa o Credit Suisse no relatório de antecipação de 2018. Vários mercados estão em máximos históricos, ainda que os analistas considerem que, de um modo geral, as cotações não estão exageradas quando são levadas em conta as perspetivas de aumento dos lucros empresariais. Mas um conflito armado com a Coreia do Norte, que implicaria gigantes como o Japão e a China, aparece como o fator que mais rapidamente poderia levar a uma correção nos mercados e a um impasse na economia mundial.
“É a questão geopolítica mais perigosa, à entrada neste novo ano”, diz ao Observador o diretor da sala de mercados do Montepio, Miguel Gomes da Silva. “Acredito que os EUA não irão lançar uma ofensiva só porque o Trump decide, porque há uma série de filtros antes de isso acontecer”. Mas o “perigo” advém do facto de a tensão com a Coreia “envolver a China, o Japão. E a Europa está aqui no meio, quer a paz, mas vai ter de tomar uma posição”, diz Miguel Gomes da Silva.
A Coreia do Sul disse recentemente que, na sua leitura dos acontecimentos, a Coreia do Norte vai adotar uma posição menos agressiva sob a pressão das sanções. Mas, se não for assim, o que parece claro é que os mercados não estão a descontar um cenário de guerra — pelo que a volatilidade seria forte caso haja mesmo uma guerra. “É difícil antecipar o que pode acontecer no mundo se houver uma guerra com a Coreia”, diz Miguel Gomes da Silva.
Economia europeia. O navio-petroleiro pode abrandar?
“A economia europeia é um navio-petroleiro — é lenta a mudar de direção e a ganhar velocidade. Mas, após a crise financeira global e a crise da dívida, a recuperação económica na Europa está, agora, em marcha a bom ritmo”. Este é o retrato feito pela gestora de ativos Schroders, que está otimista de que a Europa vai continuar a acompanhar o crescimento sólido que as principais regiões do Mundo estão a registar, de forma sincronizada. A expectativa dos principais economistas é a de que vai continuar o sentimento positivo que se instalou na Europa após a vitória de Emmanuel Macron nas presidenciais francesas (que afastou o “fantasma” Le Pen que pairava sobre o continente à entrada de 2017).
O investimento das empresas pode voltar aos níveis pré-crise?
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As empresas estão mais confiantes quanto à retoma, o que as torna mais propensas a investir (assim, alimentando a retoma). Este é o tipo de ciclo virtuoso que está instalado na economia europeia. Ainda assim, um fator que subsiste e que poderá fazer com que a recuperação do capex não seja tão rápida a voltar aos níveis antes da crise é que o próprio modelo de negócios em várias áreas, por exemplo com tecnologias de informação, fazem com que os gastos sejam cada vez mais em modelos de subscrição do que com grandes investimentos à cabeça.
Esse alívio foi notório nos mercados acionistas. Os principais índices bolsistas, como o Stoxx 600 e o MSCI Europe, fecham o ano a ganhar 8%, com as ações das empresas a beneficiarem de um cocktail de fatores positivos: maior confiança na retoma, maior visibilidade sobre os resultados futuros, menores riscos políticos, inflação baixa e, ao mesmo tempo, taxas de juro baixas e um banco central ainda muito interventivo, que prefere pecar por excesso de estímulos do que por carência.
“Salvo se houver uma grande crise geopolítica ou a menos que se materialize algum ‘cisne negro‘, acreditamos que o crescimento global vai continuar, em 2018, a ser muito robusto e pode, mesmo, acelerar um pouco mais”, antecipa o Credit Suisse. No caso da Europa, a tendência, antecipa o banco suíço, é a de que as economias — das maiores às mais pequenas — beneficiem do aumento do investimento por parte das empresas, que nos últimos anos tem sido travado por fatores como a incerteza em torno das perspetivas económicas futuras.
Jerónimo Martins é aposta do JPMorgan para 2018
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No início de dezembro, o influente JPMorgan incluiu a Jerónimo Martins numa lista restrita de ações globais que são aposta para 2018. Num setor com boas perspetivas mas poucas empresas investíveis com bom potencial, o JPMorgan considera que a Jerónimo junta “o formato certo” com uma historial “sólido” de execução empresarial, proporcionando um crescimento potencial “razoável” a cotações que não são exageradas. A ação está a valer pouco mais de 16 euros mas o JPMorgan atribui-lhe um preço-alvo de 19,50, o que seria um recorde.
“Nesta fase, a maior parte dos fatores a travar o capex (investimento de capital por parte das empresas) já se dissiparam, na nossa opinião”, diz o Credit Suisse. Uma inversão nesse campo já se deu em 2017 “e acreditamos que haverá uma aceleração em 2018”. Nos mercados acionistas, que valem quase o dobro (+77%) do que nos mínimos de 2011, a tentação pode ser para vender, para assegurar as mais-valias, mas a maior parte dos bancos de investimento continua a ver margem para mais ganhos.
O Natixis reconhece que a aceleração do crescimento já poderá ter passado o seu ponto mais alto, mas a atividade económica continuará a um ritmo acima da média. Resultado, também este banco recomenda a aposta nas ações europeias em 2018.
Quem irá suceder a Draghi? A corrida começa em 2018
O italiano Mario Draghi termina o mandato em 2019, mas em 2018 esse já começará a ser um tema quente nos mercados financeiros. Draghi ficará na história da zona euro, muito provavelmente, como um presidente que nunca experimentou a sensação de subir as taxas de juro. Depois de o francês Trichet as ter subido duas vezes nos primeiros meses da crise, o que é visto por muitos como um erro de política monetária, com Draghi foi sempre a descer, até níveis negativos — e foi Draghi que prometeu fazer “tudo, dentro do mandato, para preservar o euro” (o início do fim da crise) e interveio nos mercados com um programa inédito de compra de dívida pública.
Criticado mais nos países do norte do que do sul, a opinião predominante é a de que “Draghi foi a pessoa certa no momento certo”, diz ao Observador Miguel Gomes da Silva, diretor da sala de mercados do Montepio. “Se tivéssemos tido um senhor com um pensamento mais ortodoxo, como Trichet, não teríamos passado esta crise como passámos. E, neste momento, se tivéssemos um presidente alemão ou holandês as taxas já teriam saído de zero”, acrescenta.
Olhando para um possível sucessor, se for um alemão, dificilmente deixará que a política monetária seja tão acomodatícia por muito mais tempo. Mas há muitas dúvidas de que possa ser um alemão a liderar o BCE nestes tempos (ainda) conturbados: já é em Frankfurt a sede do banco central, um organismo que foi criado à imagem do Bundesbank.
“Já em 2018 haverá alguma preocupação, especialmente se parecer que possa ser um alemão a suceder-lhe”, afirmou Azad Zangana, economista europeu da Schroders, em Londres, em novembro. Na conferência anual de investimento da gestora de ativos, Zangana defendeu, contudo, que “não é provável que seja alguém que tenha sido frequentemente derrotado nas votações no Conselho do BCE” — ou seja, não deverá ser o alemão Jens Weidmann. “O mais provável é que seja alguém de um país mais neutro, mais alinhado com o consenso, como da Bélgica ou do Luxemburgo”, afirmou o economista da Schroders.
Tão ou mais importante do que o nome ou a nacionalidade do sucessor, “importa ver o que Draghi fará antes de sair, se deixa um plano relativamente fixo em curso ou se o seu sucessor herda um plano aberto”, diz Miguel Gomes da Silva, que acredita que é “inevitável” que Mario Draghi decida prolongar o programa de compra de ativos para lá de setembro de 2018.
Para os mercados financeiros, desde o valor das ações até à taxa Euribor que paga no seu empréstimo da casa, esta é uma matéria crucial, porque nesta altura os ativos financeiros refletem sobretudo taxas de juro baixas, mais do que o crescimento económico. Investe-se em ações e ativos com maior risco porque, “para os gestores de património, a alternativa é miserável”, diz . “Se as coisas mudarem, dependendo do ritmo de crescimento das taxas de juro, se houver instabilidade nos mercados, não tenho dúvidas de que a correção pode ser forte”, acrescenta o especialista.
Eleições em Itália. É perigoso desvalorizar os riscos?
À entrada em 2017, os principais riscos eram políticos — sobretudo as eleições francesas, o início do processo do Brexit e, claro, as eleições alemãs. Neste novo ano, lê-se muito menos sobre política nos relatórios de antecipação de 2018 dos maiores bancos de investimento. Mas há um fator que, não sendo tão explosivo como a possibilidade de Marine Le Pen se tornar presidente de França, tem potencial para agitar as águas na Europa em 2018, o que teria impacto para os mercados e para a economia.
Os italianos elegem novo governo nos primeiros meses do ano — no início de março — e neste momento o partido anti-establishment Movimento Cinco Estrelas, fundado pelo antigo comediante Beppe Grillo (um perfil aqui), lidera as sondagens como partido com mais intenções de voto: 28%. Mas ninguém conseguirá maioria, a fazer fé nas sondagens, e teremos um impasse parlamentar. Aí, apesar das desavenças internas, é possível que o Partido Democrático consiga voltar a formar governo, se fizer uma coligação que permita ultrapassar o Movimento Cinco Estrelas que hoje é liderado por Luigi Di Maio.
É esse cenário de continuidade que os mercados estão a refletir, como mais provável. Mas todos têm bem fresco na memória o que pode acontecer nos meses e semanas antes de um referendo ou uma eleição — basta lembrar o Brexit ou a eleição de Donald Trump. O que se tende a esquecer, e que caracteriza o sistema político, é que “eles tiveram um Trump durante anos, como primeiro-ministro”, afirma Miguel Gomes da Silva, do Montepio, referindo-se a Silvio Berlusconi, que poderá voltar a ter um papel influente nestas eleições ou mesmo ser eleito caso seja retirada a proibição relacionada com uma condenação por fraude fiscal, em 2013.
“Itália vai-se resolver como sempre se resolveu. No fim, as coisas acabam por se resolver. Eles lá se arranjam”, afirma Miguel Gomes da Silva, em entrevista ao Observador, lembrando que “o norte é riquíssimo e a economia nacional é muito grande, com um PIB de quase dois biliões de euros e uma população de mais de 60 milhões de pessoas”. O Movimento Cinco Estrelas já tem aparecido com um discurso mais moderado, menos eurocético, pelo que os investidores estão um pouco mais relaxados perante o risco de que este partido consiga formar governo e de imediato lançar um referendo à continuidade de Itália na zona euro ou na União Europeia.
O diretor da sala de mercados do Montepio salienta que “o risco de Itália é o risco da Europa, dos movimentos independentistas. Esse é um risco que está presente, em Itália, em Espanha, na Bélgica. O maior risco na Europa é o de haver mais Brexits, o desmembramento da União Europeia”, remata o especialista. Também a Schroders acredita que as eleições italianas, como a questão catalã, pode trazer volatilidade para os mercados, mas isso pode criar “oportunidades de compra”.
Em Portugal, “o risco de eleições antecipadas começa a ser latente”
O final de 2017 não podia ter sido melhor para Portugal, nos mercados, do que foi. Em meados de setembro, a agência de rating com quem Passos Coelho tinha suspendido o contrato — a S&P — decidiu tirar a notação atribuída à República Portuguesa de território de “alto risco”. Mais importante do que essa decisão, em si, foi a especulação, que se seguiu nos meses seguintes, de que a Fitch (essa, sim, que tem contrato com Portugal) fizesse o mesmo em dezembro, o que levaria a dívida portuguesa a regressar à “Primeira Liga” dos mercados de obrigações soberanas, isto é, os dois ratings acima de lixo chegariam para fazer a dívida portuguesa regressar aos principais índices de obrigações.
Chegada a vez da Fitch, a agência de notação de risco não defraudou as expectativas e o rating subiu, levando os juros de Portugal para níveis inferiores aos de Itália. “Com a subida de rating podemos ser vistos um pouco mais como Espanha e não tanto como Itália, o que não quer dizer que a economia portuguesa seja igual à economia espanhola”, afirma Miguel Gomes da Silva, diretor da sala de mercados do Montepio.
Risco de Portugal cai para menos de terço
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Mais do que as taxas de juro implícitas nas obrigações do Tesouro, que sofrem o efeito de outros fatores, um dos melhores indicadores para medir o risco de um país é olhar para o custo de comprar um seguro contra incumprimento naqueles títulos — os chamados credit default swaps. E, aí, as notícias não podiam ser melhores para Portugal: o custo desses instrumentos baixou de mais de 270 pontos-base no início de 2017 para pouco mais de 80 pontos-base neste final de ano. Desde as primeiras semanas de janeiro de 2010, o ano que marcou o início da crise da dívida europeia, que o preço dos credit default swaps não era tão baixo.
A melhoria nos indicadores de risco de Portugal não podia vir em melhor altura. Já a partir de janeiro o BCE vai cortar para metade o ritmo de compras mensais de dívida pública europeia e a previsão atual é que o programa termine, por completo, em setembro de 2018 (ainda que muitos analistas acreditem em mais uma extensão). À luz da melhoria recente nos juros, os analistas que seguem a dívida portuguesa defendem que este movimento favorável já terá corrido o seu curso. O desafio para 2018, um ano em que se prevê que as taxas de juro subam de um modo geral, é que Portugal não volte a ser visto com desconfiança pelos investidores, que já não haverá uma presença tão intensa do BCE a absorver títulos que forem vendidos no mercado.
“Em 2018 teremos mais um orçamento do Estado, para 2019. É o último orçamento deste governo e vai haver uma tentativa eleitoralista, todos os partidos vão querer ‘aparecer'”, antecipa Miguel Gomes da Silva. “Não tenho dúvida alguma que se houver um receio de que possamos derrapar, um desvio no défice ou uma subida da dívida, vamos ser fortemente penalizados — e o risco de eleições antecipadas começa a ser latente”, acrescenta o especialista, assegurando que “os investidores estão atentos, sobretudo porque o BCE vai estar a comprar menos”.
João Lourenço está a abalar Angola. Que consequências para Portugal?
Por ser uma economia relativamente pequena, Angola não recebe muitas menções nos relatórios dos grandes bancos de investimento, mas a importância para a economia portuguesa ainda é muito relevante, apesar de nos últimos anos já ter havido algum “desmame”, diz Miguel Gomes da Silva, do Montepio. O novo presidente, João Lourenço, precisou de menos de três meses para afastar boa parte do “aparelho” de governação que recebeu de José Eduardo dos Santos, tendo feito acima de 300 nomeações e exonerando mais de 30 oficiais generais e cerca de 20 administrações de empresas públicas, na área petrolífera, dos diamantes e de comunicação social, além do próprio Banco Nacional de Angola e de bancos comerciais detidos pelo Estado.
“Ninguém é suficientemente rico para que não possa ser punido, ninguém é pobre demais para que não possa ser protegido”, foi um dos mais sonantes avisos que o novo chefe de Estado, um general de 62 anos, deixou ao tomar posse, a 26 de setembro. Para Portugal, o caso mais sonante foi a exoneração de Isabel dos Santos da presidência da Sonangol, substituida por um quadro da petrolífera que a empresária e filha do ex-presidente tinha expulsado da empresa no final de 2016, Carlos Saturnino. A Sonangol, por exemplo, é acionista de referência do Millennium BCP (um dos vários interesses angolanos na economia portuguesa).
As mudanças em Angola não parecem estar a desencadear instabilidade na ex-colónia, mas esse risco existe. “Angola já não é o El Dorado que já foi. A crise em Angola nos últimos anos obrigou as empresas portuguesas a procurarem alternativas, pelo que por aí não haverá um impacto muito grande. Mas há um risco político porque as relações estão complicadas por causa do processo de Manuel Vicente“, diz Miguel Gomes da Silva. O diretor da sala de mercados do Montepio diz que não acredita que haja um risco de guerra civil em Angola mas lembra que João Lourenço não referiu Portugal no discurso da tomada de posse, “o que é uma mensagem para os políticos portugueses que têm interesses em Angola”.
Se a bitcoin estourar, os mercados constipam-se?
A bitcoin animou a comunidade financeira nos últimos meses de 2017, sobretudo depois de o controverso presidente do gigante JPMorgan Chase, Jamie Dimon, ter afirmado que a criptomoeda é uma “fraude” e que só um “estúpido” compraria. Tenha Dimon razão ou não, a verdade é que existem cada vez mais “estúpidos” a apostar na moeda digital. Fala-se muito de manipulação do preço da bitcoin. já que, segundo a Bloomberg, cerca de 1.000 pessoas têm 40% de todas as bitcoin em circulação (e estima-se que cerca de um terço das bitcoin existentes estejam perdidas para sempre, em discos rígidos avariados ou em donos falecidos) mas ninguém nega que há cada vez mais interessados e investidores nesta e noutras criptomoedas.
Potencialmente, trata-se da maior bolha financeira desde a “mania das Tulipas holandesas”, ou até maior do que essa. A realidade é que mesmo quem defende que a bitcoin é uma bolha reconhece que o seu valor pode, muito facilmente, duplicar ou triplicar nos próximos meses. Mas não faltam, também, vozes que alertam que 2018 pode ser o ano em que os governos e os reguladores dos principais países (G20 reúne-se na primavera e deverá falar sobre o tema) podem decidir encostar a ponta de um alfinete às moedas digitais. Uma das formas de o fazer é aplicar as regras contra o branqueamento de capitais ao mundo da bitcoin. Esta semana, a Coreia do Sul já anunciou medidas nesse sentido — e é um país que estará a ter um papel importante na multiplicação do valor da moeda digital nos últimos meses.
Bitcoin chega à alta finança. Até onde irá a febre das moedas digitais?
Se a bolha estoirar em 2018, o que não faltará é cobertura mediática. Mas qual será o verdadeiro impacto para os mercados financeiros e para a economia? É muito difícil dizer, mas uma sondagem de um conjunto alargado de economistas revelou que quase 75% acreditam que um eventual colapso da bitcoin não constitui uma ameaça real para a estabilidade do sistema financeiro. Mas esta não é uma opinião consensual: Torsten Slok, economista-chefe do Deutsche Bank, incluiu a bitcoin como um dos grandes riscos para as economias mundiais em 2018. O perigo de um colapso da bitcoin viria, em parte, pelo impacto para a confiança dos investidores de retalho, receia Slok.
A China vai continuar a conseguir gerir a desaceleração?
Durante décadas, com mão de obra barata e um modelo económico puramente baseado na exportação a baixos preços, a China teve um efeito deflacionista para as principais economias mundiais. Mas o país está a mudar o modelo económico, com o objetivo de aumentar a componente do consumo interno e, por essa razão, o cenário pode mudar: a China pode dar um contributo líquido positivo para fazer acelerar a inflação nos principais blocos económicos, onde a inflação se tem revelado fugidia.
O risco associado a esta mudança no modelo económico é que tem sido acompanhada por um rápido aumento dos níveis de endividamento, sobretudo nas empresas, que “vai continuar a ser uma preocupação latente em 2018”, antecipa o Credit Suisse. Além disso, a China tem um setor significativo de banca paralela e informal, o que é um risco adicional. O banco suíço avisa que “qualquer inversão negativa nas taxas de crescimento da China será um risco importante para os mercados e para a economia global”.
No ano passado, estes receios também existiam e acabaram por não se concretizar, com a China a manter taxas de crescimento que, segundo os dados oficiais, estão acima de 6,5%. A administração liderada por Xi Jinping está “empenhada em moderar os excessos na atividade de crédito, pelo que o crescimento não deverá acelerar na China, mas o governo tem ferramentas para impedir que a taxa de crescimento abrande demasiado”, explica o Credit Suisse. O JPMorgan diz que há “sinais cada vez mais evidentes que a tendência na China é de abrandamento” mas, ainda assim, sublinha que os economistas do banco “não estão especialmente preocupados com a saúde da economia chinesa”.
Trump é (realmente) uma ameaça para o comércio global?
Um dos slogans mais importantes da campanha de Donald Trump para a presidência dos EUA foi “America First“, ou seja, “a América [os EUA] em primeiro lugar”. Quase um ano depois da tomada de posse, a agenda de Trump tem sido dominada por outros temas, mas continuam em cima da mesa possíveis iniciativas protecionistas, seja por via de medidas concretas ou através de iniciativas diplomáticas. Os riscos de protecionismo acabaram por não ser um tema tão quente, em 2017, quanto se poderia prever, mas as negociações da NAFTA, na primeira metade de 2018, podem ser cruciais e ser um barómetro do verdadeiro risco de uma ameaça protecionista para o crescimento global.
A NAFTA é o acordo comercial entre os EUA, o Canadá e o México (de 1994) que, basicamente, eliminou as taxas alfandegárias entre estes países da América do Norte, criando uma zona de comércio livre que já foi muito criticada por Donald Trump — antes e depois da presidência. Trump já veio dizer, em mais do que uma ocasião, que o México está a matar a economia norte-americana “no emprego e no comércio”. “Um acordo preliminar [na renegociação] da NAFTA no primeiro semestre é uma possibilidade, mas uma atitude intransigente por parte dos EUA poderá levar a um colapso das negociações”, diz a BlackRock no relatório de antecipação de 2018.
A forma como decorrerem estas negociações será lida como “um oráculo para a tendência do comércio internacional no futuro” e pode haver repercussões para outros acordos comerciais, diz a gestora de ativos BlackRock. O Credit Suisse também avisa que “um cancelamento da NAFTA, sem um acordo alternativo, poderá ter um impacto grave para os mercados financeiros internacionais e para o crescimento económico, sobretudo nos mercados emergentes”. A próxima ronda de negociações da NAFTA, a sexta, começa já na última semana de janeiro — e dia 1 de julho há eleições no México.
O “cisne negro”
Em 2017, o “cisne negro” mais apontado pelos economistas foram os riscos relacionados com a cibersegurança. E a crise com o vírus WannaCry, em maio, aproximou-se da descrição de “cisne negro”, o evento inesperado capaz de causar grandes distúrbios nos mercados e nas economias. Tenha ou não sido a Coreia do Norte a lançar aquele vírus, como os EUA, o Reino Unido e a Austrália acreditam ter sido, o acontecimento abalou as bolsas no pico da crise, mostrando como os riscos cibernéticos são cada vez mais preocupantes — ao ponto de já não poderem ser considerados um “cisne negro”.
Olhando para 2018, os analistas apontam vários possíveis “cisnes negros” capazes de colocar em causa todas as previsões convencionais para o próximo ano. Um dos mais intrigantes está relacionado com a investigação de Robert Mueller às suspeitas de interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016. A demissão, decidida por Donald Trump, de James Comey, que estava originalmente a investigar estas suspeitas, pode levar a uma acusação de obstrução da justiça. Mueller tem a tarefa complexa de achar evidências de que foram violados um ou mais artigos concretos da lei ou da Constituição — “traição” não se aplica porque os EUA não estão em guerra com a Rússia e “colusão”, uma palavra de que Trump gosta muito, é um termo mais ligado ao mundo empresarial do que a cargos de responsabilidade pública.
Outros possíveis “cisnes negros” podem estar relacionados com o Reino Unido e o processo do Brexit, que pode conhecer desenvolvimentos neste próximo ano (como uma queda do governo de May), e, também, a instabilidade pode vir de onde menos se poderia esperar: da Alemanha, onde Angela Merkel continua com grandes dificuldades para formar governo.
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