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Quando “Pesadelo na Cozinha” se estreou na TVI no dia 12 de Março era difícil de prever o seu sucesso. Tem liderado as audiências aos domingos, com valores próximos do milhão e meio de telespectadores. Entretanto em casa, e não só, as pessoas que desconheciam Ljubomir Stanisic apaixonaram-se. Tornou-se material para capas de revistas, uma celebridade num país pequeno que gosta de ver a frontalidade do chef e apresentador na televisão mas que reage mal quando esse tipo de atitude está à sua frente.
“Pesadelo na Cozinha”, tal como a versão portuguesa de “Shark Tank”, percebeu que a melhor forma de replicar este tipo de programas no mercado português é abraçar a portugalidade das pessoas. Evitar a imitação e adaptar o discurso e as intenções à realidade em que se vive. É um formato que funciona. “Pesadelo na Cozinha” sofre de um problema comum na programação portuguesa, os episódios são longos (muito longos, até). Contudo, soube gerir bem essa espécie de obrigação divina das produções portuguesas através da montagem. Claro que uma mão cheia de episódios seriam melhores com metade do tempo, mas conseguiu-se sobreviver a isso.
O décimo terceiro e último episódio vai para o ar este fim de semana. Os domingos não vão ser os mesmos sem aqueles noventa minutos. Ljubomir Stanisic destacou-se de Gordon Ramsay e criou o seu próprio programa. É fácil, depois de ver o chef noutros contextos, que não há personagem ali. Ljubomir Stanisic ensinou os portugueses a gerirem os seus restaurantes e negócios. Muito do que se viu em “Pesadelo na Cozinha” são problemas de gestão de negócio, que não são exclusivos a restaurantes. Subtilmente apontou o dedo às maneiras portuguesas de gerir qualquer coisa: falta de organização, desenrascanço, o medo do patrão, o respeitinho (que se torna em falta de respeito), o medo de arriscar e a falta de confiança em mudar. Pode-se espremer um livro de autoajuda, para o negócio e vida pessoal, através dos casos de “Pesadelo na Cozinha”. É o que se vai tentar fazer com estas lições, uma por episódio.
Bote fogo na carne, não nos empregados
Amburgaria
O primeiro episódio neste restaurante em Setúbal criou tanto impacto como quem vê o primeiro episódio de “The Wire” anos depois de se ter estreado: por que é que eu não vi isto antes? No caso de “Pesadelo da Cozinha” é mais “por que é que não se fez isto antes em Portugal?”. Só o nome do restaurante indicou logo que aquilo ia ser bom. Não foi preciso avançar muito no episódio para chegar a um dos momentos mais icónicos de toda a série, quando Ljubomir Stanisic recebe o choco frito na mesa e diz “parecem cagalhões”. Pareciam de facto cagalhões e aquele prato é um ótimo ponto de partida para um episódio em que se ouve o dono do restaurante dizer que queria deitar fogo a tudo, ao restaurante e aos empregados. Chegar a este ponto é muito mau sinal. E mesmo que se esteja lá, dizê-lo é de uma violência atroz e um juízo estrangulador do que se acha do seu negócio e do que se quer para o seu futuro. Por isso, evite deixar que as coisas cheguem a este ponto. Esforce-se para criar boas relações com os seus empregados, tente ouvi-los, perceber o que vai mal com eles e com o seu trabalho. É essencial para qualquer coisa começar a melhorar. Especialmente um negócio.
Sorria
Rio Minho
A primeira visita a Lisboa, num restaurante em Sete Rios, mostrou uma coisa que foi recorrente na maior parte dos episódios: donos, gerentes e empregados deprimidos. Uma das coisas mais assustadoras de “Pesadelo na Cozinha” foi olhar para a cara de algumas pessoas e perceber que estavam mortas por dentro. Perderam o gosto pelo que faziam, tentam sobreviver nessa falta de paixão com o pouco que sabem, sem qualquer preocupação em mudar as coisas. Isso cria vícios cíclicos que raramente trazem algo de bom. Ainda para mais quando não há qualquer pingo de felicidade, apenas o horror de viver o dia a dia e sobreviver. Por isso, mesmo quando as coisas estejam más, tente sorrir, olhe para o lado bom da vida: há sempre qualquer coisa. Isso contagia, agrada os empregados e os clientes. E abre caminho para que as coisas mudem.
Less is more
Tapas
As doses monumentais deste restaurante na Moita eram absurdas. As razões para tal acontecerem são muitas (má gestão, um cozinheiro sem noção, teimosia, resmunguice, entre muitas outras), a solução é simples: é preciso agarrar o touro pelos cornos. Quantidade não é sinónimo de qualidade e apesar dos portugueses adorarem um prato cheio, ir para um restaurante e ser forçado a deitar comida fora ou levar para casa não é agradável (por vezes é, mas não é ideal). Principalmente quando não se vai para a casa a seguir. Por isso, se está a oferecer mais do que os clientes querem, ajuste. Perceba que não está a ser um porreiraço, apenas está a gerir mal o seu negócio. E, por favor, prove ou experimente o que está a fazer.
Prove o que está cozinhar
Suprema
Parece básico mas é algo que transcende a maior parte dos cozinheiros e chefs que passaram pelo “Pesadelo na Cozinha”. É verdade que no Tapas a ideia de prova surgiu com força, mas foi no Suprema, em Águeda, que isso foi muito evidente. Donos convencidos de que são os melhores no que fazem e que fazem tudo bem tem qualquer coisa de absurdo quando um negócio não está a correr bem. Por isso, faça uma autoanálise recorrente, se tiver um restaurante, prove a comida que dá aos seus clientes. Se achar que está boa, faça ainda melhor. E se o negócio mal dá para sobreviver, repense tudo. Os clientes aparecerem só porque é barato é um mau prenúncio.
Não prove o que cozinhou
Canela
Se o seu restaurante for um nojo, por favor não prove o que cozinhou. Pode correr mal. A segunda passagem por Lisboa, desta vez num restaurante em Campolide, foi uma das mais icónicas da primeira temporada de “Pesadelo na Cozinha”. Um dono que se recusava a aprender, teimoso até mais não e a achar que o que fazia é que estava sempre bem. Não está. Se aparecem baratas no seu restaurante, ou na sua casa, é porque algo está mal. Tenha preocupação em manter as coisas asseadas, é um passo importante para entender como se podem mudar as coisas. Fazer algo diferente, mesmo que corra mal, é uma lição. Coisas a apodrecer e com bichos não ganham gosto. Estão simplesmente podres e estragadas. E google “marinada”. Vai ficar surpreendido.
A única forma de não ser ultrapassado é estar sempre um passo à frente
Tomate
O Tomate em Espinho nasceu de um sonho: uma viagem a Itália há algumas décadas criou a vontade de abrir um restaurante de comida italiana. Os anos passaram-se e a ideia de comida italiana já é só uma ideia. Entretanto, vários restaurantes italianos abriram e mostraram aos seus clientes o que é comida italiana. As pessoas agora também viajam mais, algumas até aprenderam a fazer alguns pratos italianos em casa. Não se agarre a uma ideia romântica, não se acomode e, sobretudo, não se deixe ultrapassar. Reinvente-se e aprenda a estar um passo à frente. Os clientes agradecem. E voltam.
Feche os olhos. Respire. Está tudo bem
Hotspot
O caso de Peniche é especial. O dono era diabético e a vida não lhe parecia andar a correr bem. Este é o primeiro episódio em que Ljubomir Stanisic tece considerações agradáveis sobre a comida. Algo inédito até então. O problema não estava na comida, mas no temperamento do dono. Se por alguma razão, seja ela qual for, se descontrola por momentos e está sempre com os nervos em franja, aprenda a parar. A fechar os olhos, respirar fundo, tomar um duche de água fria e tentar compreender que o mundo é um local muito mais agradável quando as coisas são feitas com felicidade e não com irritação. É difícil, sim. Mas guarde as sábias palavras de Rui Vitória: se fosse fácil, não era para nós.
Aprenda a ouvir
Chic Dream
Conceição, a dona deste restaurante no Porto, era a contradição em pessoa. Ela sabia que não era muito boa a gerir um negócio e estava disposta a ouvir Ljubomir Stanisic. O chef percebeu imediatamente essa dificuldade na senhora e pôs mãos à obra. Problema, a senhora ficava irritada quando lhe era dito o que estava mal e o que tinha de fazer. Ora porque não gostasse das ordens ou porque não simpatizava com a forma como as coisas lhe estavam a ser ditas. Ouvir é importante. Por vezes tem que se ouvir coisas em voz alta, aos berros, de uma forma dura, porque é a única forma de partir a pedra da teimosia. Não é um ataque a si, à sua pessoa, mas ao que está a fazer. É para fazer melhor. E se fizer, e se fizer melhor, vai perceber o erro e ganhar calo para a vida. A vida também é feita de raspanetes. Ouvi-los é uma boa forma de evitá-los no futuro.
Reinvente-se todos os dias
O Beco
N’O Beco atingiu-se o cume da chico-espertice tuga. Já havia sido óbvio noutros episódios que alguns donos tinham entrado no programa para renovar as suas cozinhas e restaurantes. Porque, claro, muitos não queriam realmente alguém que fosse lá ensinar como gerir o negócio. Queriam coisas grátis. O português adora coisas grátis. Virem cá dizer como se tem de fazer as coisas é que não. Mas foi isso que aconteceu, Ljubomir ficou meio parvo quando a cozinheira começou a fazer uma lista de compras (microondas e tupperwares, a sério?) e irritado quando percebeu que ninguém estava realmente a trabalhar a sério. Saiu. Voltou com um plano simples e eficaz: pôs toda a gente a olhar para o peixe que tinham naquele dia e criar pratos a partir dali. Se um dos problemas é o desperdício, a melhor forma de o evitar é criar a partir do que está a mais. Rentabiliza-se, inova-se, faz com que as ideias estejam sempre frescas e coloca as más rotinas bem longe.
Tenha bom gosto
Pinto’s 2
Falta de bom gosto é um problema, porque toda a gente acha que tem bom gosto. Pode-se dizer que é subjectivo, pode-se dizer que não é bem objectivo. Tudo isso é verdade. As coisas em termos de gosto não são simples. Mas atire essa ideia de que tem “bom gosto” para o caixote do lixo. Toda a gente tem um gosto, é mais frequente ele ser mau do que bom. E aprenda outra coisa essencial, querer ser diferente não é sinónimo de bom gosto. Pode ser, mas não é uma conta exacta. Tornar as coisas simples é uma boa forma de contornar o mau gosto. Utilizar molduras de plástico usadas como pratos é sinal de que as coisas estão a ir por um mau caminho. Comece pelas coisas simples, não se atire de cabeça a algo só porque alguém não lhe tem coragem de dizer que “isso não é giro”.
Por amor de deus, sorria!
Barmácia
Esqueça que leu “Barmácia”. Este restaurante na Praia das Maçãs mostrou novamente de que quando as coisas correm mal, as pessoas perdem a paixão ao longo dos anos. Neste caso, essa paixão até afetou a relação do dono, João, com a sua companheira, cozinheira no restaurante. João não lhe sorria há anos. As coisas não podem correr bem quando não se sorri. É importante sorrir. Há estudos sobre isso. Por isso, desculpe a insistência, mas por amor de deus, sorria!
Numa nota paralela, alguém consegue explicar a fixação de Ljubomir em filmar algumas cenas – especialmente quando está a ensinar aos cozinheiros algum prato – perto do mar? E por que é que no episódio mais próximo do mar ele decidiu filmar esse segmento do programa num cenário que parecia um museu de elétricos? Os caminhos de Freud são misteriosos.
Nunca se esqueça de onde veio
Tejá
Começa-se cá em baixo e eventualmente chega-se a dono do seu próprio negócio, a idealização de patrão com que se sempre se sonhou. Por vezes essa ideia é de um total desligamento do negócio, de quem já percorreu demasiados quilómetros nesse caminho e agora acha que o seu lugar não é ali. Isso é errado, principalmente quando as coisas não correm bem. Por isso, quando isso acontece, nada como voltar às origens, começar com algo que faça lembrar como tudo começou e voltar a ter aquela vontade de ganhar, de triunfar, que desapareceu ao longo do caminho, do conforto de se estar no trono.
A paixão é essencial no que faz
Carolina do Aires
Já alguma vez ouviu ou leu Ljubomir a falar da sua mulher e da sua família? Há uma paixão inacreditável. E é fascinante vê-lo em certos momentos no programa a entregar uma paixão semelhante no seu ofício e a tentar transmiti-la às pessoas em seu redor. O episódio desta marisqueira na Costa da Caparica só irá para o ar no domingo, mas certamente estará lá um dos ingredientes essenciais do sucesso deste “Pesadelo na Cozinha”: a paixão. Em todos os episódios é notório a forma como o chef procura alguém na equipa que ainda tem uma réstia de paixão e está disposto a mudar as coisas, a aprender. Ele pega nessa pessoa e começa a construir toda a sua ideia a partir daí. Por vezes é muito óbvio, noutras não, mas está sempre lá.
Agarrar quem ainda tem um pouco de motivação para tornar isso numa paixão imensurável e trazer de novo a felicidade. É algo essencial para o negócio, tentar encontrar nas pessoas aquilo que elas realmente gostam de fazer e que podem fazer melhor: é isso que as motiva a sair todos os dias da cama. E o mesmo se aplica num processo de autoanálise, é importante fazermos coisas pelas quais se sente paixão. Ainda mais importante fazer algo onde essa paixão possa crescer e nunca desaparecer. Sem isso, corre-se em vão para um canto escuro. Com paixão o céu é o limite. E Ljubomir fez ver isso a algumas pessoas, tenha sido por um minuto, por um dia ou para o resto das suas vidas. Esse foi o ingrediente secreto da receita de sucesso do seu “Pesadelo na Cozinha”.