“Impressionante”. É assim que tem sido, no entender de Andreas Schleicher, o progresso dos alunos portugueses ao longo dos últimos anos. Mas o diretor do departamento de Educação da OCDE deixa um aviso: “Portugal tem obviamente assistido a um enorme progresso, mas precisa de ter cuidado para educar as crianças para o seu próprio futuro e não para o nosso passado. “
O caminho ainda é longo e Portugal pode inspirar-se nos países que estão no topo do desempenho escolar, afirma o também responsável máximo pelos testes do Programme for International Student Assessment (PISA), sublinhando que estes países têm várias práticas e políticas em comum: valorizam os professores, promovem a inovação dentro da sala de aula e procuram garantir que todos os estudantes têm acesso ao ensino de excelência.
Andreas Schleicher não tem dúvidas que o ensino terá de mudar. Ou melhor: a forma como se ensina. O futuro terá de ser, obrigatoriamente, “centrado no aluno”, mais “integrado”, mais “colaborativo” e “participativo” e assente nas experiências de cada aluno, trabalhando não só as competências cognitivas, mas as emocionais e sociais.
Em entrevista por escrito ao Observador, Andreas Schleicher, que esteve em Lisboa, esta sexta-feira, a participar numa conferência sobre os resultados do PISA, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, insiste na importância de fortalecer a profissão docente, dando-lhes margem de progressão e mais tempo para trabalharem com os alunos e lembra que o chumbo não resolve problemas, pelo contrário.
Pela primeira vez em 15 anos, os alunos portugueses ficaram acima da média da OCDE em leitura, matemática e ciências, no PISA. O que acha que contribuiu para esta subida?
Portugal tem feito progressos impressionantes na última década no que diz respeito à profissionalização dos professores e na construção de uma rede de escolas mais coerente e colaborativa. Isso implicou alguns passos difíceis como a fecho de escolas nas zonas rurais, que estavam altamente dispersas. Por mais difícil que possa ter sido para pais e professores, parece ter sido benéfico para a aprendizagem dos alunos.
Apesar disso, há um longo caminho a percorrer. Onde deve Portugal investir?
Sim, ainda há. E passar do bom para o ótimo vai exigir políticas e práticas muito diferentes daquelas que são necessárias para passar do mau para o razoável. Vale a pena olhar para os sistemas de educação com elevado desempenho. Todos eles dão muita atenção à seleção e à formação dos seus professores. E quando estão a decidir onde vão investir, dão prioridade à qualidade dos professores. E permitem aos professores progredir na carreira. Além disso, os países com um alto desempenho trocaram o controlo burocrático e contabilístico pela profissionalização das formas de organização do trabalho. Eles encorajam os seus professores a inovarem na forma como ensinam, para melhorar o seu próprio desempenho e o dos colegas. Também procuram garantir que o ensino de alta qualidade chega a todo o sistema para que todos os alunos beneficiem de um excelente ensino. Atingir uma maior equidade na educação não é apenas um imperativo de justiça social, parece ser também uma maneira de utilizar os recursos de forma mais eficaz e promover a coesão social.
A Suécia e a Finlândia têm sido apresentados como casos de sucesso e exemplos a seguir aqui em Portugal. Mas os resultados destes países no PISA têm caído. Porquê?
Felizmente a Suécia está a assistir novamente às primeiras melhorias e a Finlândia ainda faz parte do grupo de países com melhor desempenho no PISA. Mas há grandes lições a retirar do caso sueco. A proliferação desregulada de escolas privadas tem permitido uma grande variabilidade na qualidade do ensino.
E o que faz com que países como Singapura e Japão pontuem sempre tão bem?
Os responsáveis máximos pelos sistemas educativos nos países do Leste Asiático convenceram os seus cidadãos a fazerem escolhas que valorizam a educação. Em Singapura, por exemplo, os pais investem os últimos recursos na educação dos filhos para que eles tenham um futuro promissor. Em grande parte do mundo ocidental, os cidadãos já hipotecaram o futuro dos seus filhos, como se pode ver pelas enormes montanhas de dívida pública. Depois, há a crença, disseminada um pouco por todo o Leste Asiático de que todas as crianças podem ter sucesso. O facto dos alunos na maioria dos países do Leste Asiático acreditarem que a realização e o sucesso é sobretudo um produto de muito trabalho e não da inteligência herdada, como as crianças portuguesas normalmente dizem, sugere que a educação e seu contexto social podem fazer a diferença, incutindo valores que promovem o sucesso na educação.
Mas, para além disto, muito de tudo isto se deve a políticas e práticas que são adotadas nesses países. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Depois dos resultados do PISA em 2012 terem sido tornados públicos, fiquei interessado em Shanghai. E quando visitei Shanghai em 2013 vi professores a usarem uma plataforma digital para partilharem planos de aula. O que só por si não era nada de muito raro. O que os tornava diferentes era que quanto mais os outros professores fizessem download das lições, as criticassem ou melhorassem, maior era a reputação do professor que a tinha partilhado. No final do ano, o diretor não iria apenas perguntar quão bem o professor tinha ensinado os seus ou a suas alunas, mas também qual o contributo dele para melhorar todo o sistema educativo. A abordagem de Shanghai não é só um ótimo exemplo para identificar e partilhar boas práticas entre professores, como também é poderosa do ponto de vista do crescimento e desenvolvimento profissional. Desta forma, Shanghai criou uma comunidade de professores e criou espaço para a criatividade e a iniciativa dos professores.
O que pensa sobre o currículo em Portugal?
Portugal tem obviamente assistido a um enorme progresso, mas precisa de ter cuidado para educar as crianças para o seu próprio futuro e não para o nosso passado. A reprodução de matérias, onde os estudantes portugueses são bastante bons, está-se a tornar menos importante. O tipo de coisas que são fáceis de ensinar são igualmente fáceis de digitalizar e automatizar.
Limitar a educação à transmissão de conhecimento académico é correr o risco de estupidificar os alunos, reduzindo-os à competição com os computadores, ao invés de focar em características humanas fundamentais que permitem que a educação fique à frente dos progressos tecnológicos e sociais. Pensar sobre a verdade, domínio do conhecimento humano e da aprendizagem; sobre o belo, domínio da criatividade, da estética e do design; sobre o bem, domínio da ética; o justo, domínio da vida política e cívica; o sustentável, domínio da saúde da natureza e física. São apenas alguns exemplos.
As competências sociais e emocionais que nos ajudam a viver e trabalhar juntos são cada vez mais importantes para o sucesso no trabalho e na vida. Essas são as competências necessárias para definir metas, trabalhar em equipa e gerir emoções. Desempenham um papel essencial em todas as fases da vida. Juntamente com as capacidades cognitivas e de aprendizagem, é importante que os alunos desenvolvam fortes competências sociais e emocionais, que os vão ajudar a equilibrar e definir a sua personalidade. Isto pode incluir traços de caráter como perseverança, empatia, resiliência, “mindfulness”, ética, coragem ou liderança.
Cada vez mais professores em todo o mundo, e também em Portugal, têm vindo a defender um modelo de ensino menos expositivo e mais voltado para as individualidades de cada aluno. Aulas mais práticas, com mais pesquisa, debate e envolvência dos alunos que podem, inclusive, definir as suas metas de aprendizagem. Como olha para estas experiências que vão emergindo?
Nós precisamos de pensar não apenas no currículo, mas, mais ousadamente, na organização da aprendizagem. O passado foi sobre a sabedoria recebida, o futuro é sobre a sabedoria gerada pelo utilizador. O passado estava dividido — com professores e conteúdos divididos por disciplinas e alunos separados por expectativas de perspetivas futuras. O passado podia também ser mais isolado — com as escolas concebidas para manter os alunos dentro e o resto do mundo lá fora, com uma falta de envolvimento com as famílias e uma relutância das escolas em se associarem umas às outras, em serem parceiras. O futuro precisa de ser integrado — com ênfase na integração das disciplinas e dos estudantes –, precisa de ser conectado — para que a aprendizagem esteja ligada a contextos do mundo real e a questões contemporâneas e aberta aos recursos existentes na comunidade.
O ensino no passado estava baseado em matérias. O ensino no futuro terá de assentar nas experiências de aprendizagem que ajudam os alunos a pensar além dos limites das disciplinas. O passado era hierárquico, o futuro terá de ser mais colaborativo.
No passado, diferentes alunos eram ensinados de maneiras semelhantes. Precisamos de nos tornar melhores a abraçar a diversidade, com abordagens de ensino diferenciadas. O passado era centrado no currículo, o futuro é centrado no aluno. Os objetivos do passado era a padronização, com os alunos divididos por grupos etários, seguindo o mesmo currículo e, todos avaliados ao mesmo tempo. Falar de futuro é falar de personalizar experiências educacionais, programar o ensino de acordo com as paixões e as capacidades dos alunos, ajudando os alunos a personalizar a aprendizagem e a avaliação de maneiras que fomentem a participação e o talento. Falar de futuro é falar sobre incentivar os alunos a serem engenhosos. Isso irá capitalizar os pontos fortes dos estudantes mais talentosos. O futuro será sobre a participação dos alunos.
Tradicionalmente, havia uma ênfase no papel da gestão escolar, mas precisamos de fazer melhor na liderança. Isso inclui coordenar o currículo e os programas curriculares, monitorizar e avaliar os professores, promover o desenvolvimento profissional dos professores e apoiar culturas de trabalho colaborativas. O passado era sobre o controlo de qualidade, o futuro é sobre a garantia de qualidade.
E sobre o tamanho das turmas? Em Portugal os professores dizem que é difícil ensinar em turmas com cerca de 30 alunos…
Pense nisso desta maneira: Portugal e China têm um número semelhante de alunos por professor. Mas na China as turmas têm o dobro dos alunos de Portugal. Como é que isto aconteceu? É que na China a componente letiva dos professores é pouco mais de metade da dos professores portugueses. Isso dá-lhes muito tempo para trabalhar individualmente com os alunos e com os pais, para preparar e avaliar as aulas, para investir no seu desenvolvimento profissional e no dos colegas. Em Portugal, os professores têm pouco tempo para fazer qualquer outra coisa que não seja ensinar. Assim, ao invés de diminuir o tamanho da turma, pode ser mais importante pensar noutras formas de fortalecer a profissão docente.
Por último, os chumbos. Em Portugal, a taxa de chumbos é muito alta. Como olha para este indicador? E qual a solução?
Sim, a taxa de chumbos é ainda muito alta. Não é uma boa prática, não conduz a uma melhoria dos resultados, é muito dispendiosa e estigmatizante. Os professores precisam de mais apoio para diagnosticarem as dificuldades de aprendizagem mais cedo, bem antes dos problemas serem tão acentuados que tornam o chumbo a opção. Eles precisam de tempo e espaço para ajudarem os alunos a superar as suas fraquezas. O chumbo é praticamente inexistente nos sistemas de ensino com melhores desempenhos.