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Ribeiro Cristóvão. "Comecei a ir ao microfone no Carnaval e só porque o António Sérgio faltou, tinha ido para a farra"

Podia ter sido padre, mas acabou a fazer relatos de futebol. Primeiro em Angola, para onde embarcou sozinho, aos 16 anos, depois em Portugal, onde criou o mítico Bola Branca.

Ainda hoje não há ninguém nascido em Portugal até 1990 que não lhe cantarole o nome assim que o ouve — “Ri-bei-ro Cristó-vão”. E a culpa é de Artur Agostinho, que trouxe do Brasil para a Rádio Renascença a modernice de trautear os nomes de quem fazia os relatos dos jogos de futebol. Foi com ele e com Alves dos Santos, o homem que foi o primeiro a apresentar o Domingo Desportivo, ainda a RTP emitia a preto e branco, que António Ribeiro Cristóvão criou outro programa mítico, mas de rádio, que há 37 anos continua, todos os dias, a ir para o ar. E que também dá azo a mais cantorias: “Booooola Branca”.

Foi em Angola, para onde embarcou sozinho, com 16 anos, que se inspirou: lá o calor era tanto que os jogos de futebol eram à noite e sempre com bolas totalmente brancas — como os campos não tinham iluminação, se fossem de outra cor não se viam. Também foi em Angola que começou a trabalhar na rádio, conheceu a mulher com quem casou há 53 anos e viu nascer os três filhos.

Depois de uma infância de necessidades, passada entre a casa dos pais em Proença-a-Nova e os seminários em Vila Viçosa e em Évora, vieram tempos gloriosos: “Recordo que na altura fazia uma certa confusão a algumas pessoas minhas amigas e de família, porque recebia 4 ou 5 vezes mais do que eles ganhavam aqui”. Mas que chegaram ao fim quando, em setembro de 1975, regressou a Portugal de mãos a abanar — e para descobrir que não era bem-vindo: “Chamavam-nos colonialistas, exploradores dos pretos”.

Quando estava na Rádio Clube do Huambo chegou a fazer relatos de jogos da seleção angolana em Moçambique

Durante meses, andou à procura de trabalho, sem sucesso. Quando finalmente o encontrou, numa Renascença recém-restituída à Igreja, nunca mais parou: primeiro foi a Bola Branca, depois o Troféu e a seguir o Domingo Desportivo, na RTP, “o programa que todos ambicionavam fazer”.

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Como jornalista, esteve presente em duas fases finais de Campeonatos do Mundo de futebol e em quatro Europeus, entrevistou Maradona, descobriu Futre (e levou-o a casa no final), e estava lá na noite em que Sousa Cintra, então presidente do Sporting, o clube do qual é sócio desde os 16, decidiu comprar todos os instrumentos da orquestra que tinha acabado de ouvir tocar na discoteca de um hotel algures em Timisoara, na Roménia.

Aos 78 anos, António Ribeiro Cristóvão, que já não relata mas ainda é comentador de jogos de futebol na SIC, contou estas e muitas outras histórias em entrevista de vida ao Observador. Como aquela do tempo em que era deputado e afrontou o então primeiro-ministro José Sócrates no Parlamento.

Nasceu em Proença-a-Nova, em 1939, e aos 16 anos mudou-se para Angola. Como é que isso aconteceu?
Fiz a escola primária em Proença-a-Nova e depois, como as posses não eram muitas, o meu pai, que tinha um comércio, procurou a opção mais económica para eu poder conseguir ir além da 4ª classe. Éramos três, eu era o mais novo. Portanto fui para o seminário, estive em Vila Viçosa e em Évora.

"Lembro-me de que quando fui para o seminário o meu pai teve algumas dificuldades em pagar os 60 escudos — 30 cêntimos agora — que aquilo custava por mês."

Que idade tinha?
Tinha 10 anos. Foi uma coisa dolorosa, sobretudo para a minha mãe, coitada. O meu pai e a minha mãe faziam um casal muito curioso: tinham 13 anos de diferença, a minha mãe era mais velha, o que era muito incomum na altura. Quando nasci, ninguém falava nisso, mas já foi uma gravidez de risco, a minha mãe tinha 45 anos. E naquelas condições, em que não havia maternidades, iam lá aquelas velhinhas amparar as criancinhas.

Do que é que se recorda dos tempos de Proença-a-Nova?
De ir à escola, de brincar, de jogar à bola — parti este braço duas vezes a jogar à bola, era tramado! Íamos à igreja também, havia esse hábito de família, sobretudo no Natal, e na Páscoa havia uma grande intensidade nas festividades religiosas.

E quanto às dificuldades de que falava há pouco?
Eram as dificuldades de toda a gente, as normais da época. Lembro-me de que quando fui para o seminário o meu pai teve algumas dificuldades em pagar os 60 escudos — 30 cêntimos agora — que aquilo custava por mês. E por 60 escudos eu tinha cama, mesa, roupa lavada, ensino, mas o meu pai mesmo assim considerava que era um bocado caro — e era, para ele, era um bocado caro.

António Ribeiro Cristóvão entre os irmãos, "em plena Segunda Guerra Mundial, no tempo em que não havia dinheiro para sapatos"

Porque é que foi Vila Viçosa? Havia seminários mais próximos…
Porque eu já tinha dois tios padres e um primo em Évora, portanto fui por arrastamento. Aliás, não fui só eu: fomos uma data de primos para os seminários de Évora e de Vila Viçosa.

Facilitou-lhe um pouco a vida…
Pois, já havia aquela base. Normalmente os seminaristas da minha zona iam para Portalegre. Mesmo assim foi uma separação dura e complicada, porque eu era muito apegado à minha mãe e ela a mim, era o caçula, o mais novo, tinha uma certa tendência por mim. Custou-me muito. E não teve nada a ver com a vivência que tinha em Proença-a-Nova, passei a maior parte do tempo fechado. Saíamos às vezes, aos sábados, e passeávamos em grupo. Passei ali um tempo que me marcou muito e do qual ainda hoje tenho sequelas: continuei a ser uma pessoa ligada à igreja e nesse sentido procurei encaminhar também os meus filhos e agora os meus netos, sou eu que vou com eles ao domingo à catequese.

"No seminário só tive castigos quando não conseguia comer alguma coisa. Mudar da minha terra para o Alentejo foi mudar também de cozinha e de sabores, não gostava nada daqueles pratos com muito toucinho. E o rigor ali era muito grande: quando não comíamos ao almoço, à noite o prato estava à nossa frente outra vez."

Foi bom aluno?
Era um aluno mediano. Era muito brincalhão e um bocado distraído, muitas vezes estava nas aulas a pensar que nunca mais chegava o recreio para irmos jogar à bola.

Essa tendência para a brincadeira custou-lhe faltas e repreensões? Algumas reguadas?
Ah sim, sim! Na primária tive um professor terrível, o professor Dario (não era Dário, era mesmo Dario), de que toda a gente tinha medo. Era um senhor austero, velho, careca, sem sorrisos, e de vez em quando lá vinham as reguadas, que doíam muito. No seminário só tive castigos quando não conseguia comer alguma coisa. Mudar da minha terra para o Alentejo foi mudar também de cozinha e de sabores, não gostava nada daqueles pratos com muito toucinho. E o rigor ali era muito grande: quando não comíamos ao almoço, à noite o prato estava à nossa frente outra vez.

Chegou a ponderar ser padre?
Sim. No fundo entramos todos um pouco com essa intenção, mas depois as coisas começam a avançar noutros sentidos e quando fiz o 5º ano saí.

Foi uma decisão difícil ou nem por isso?
A partir de certa altura comecei a ter dúvidas sobre a vocação. E depois, com aquela idade, a gente também começa a olhar para as cachopas. E aí foi como diz aquela velha anedota, do padre que dormia com a criada com uma tábua a separar e que quando lhe perguntavam como faziam quando vinha a tentação respondia: “Quando vem a tentação tiramos a tábua”. Tudo se misturou na altura e contribuiu para que eu saísse. Não foi uma saída que me tivesse violentado, mas acho que se tivesse continuado também não tinha desgostado. O que de facto acontece é que a grande maioria saía: entrámos 76 só 5 é que foram padres.

"Naquele tempo dava-se muita importância à voz, que é uma coisa que agora não acontece, agora qualquer pessoa, mesmo sem voz, vai ao microfone."

Portanto já nessa altura havia crise de vocações na Igreja…
Havia, e pronto, lá fui para Angola. O meu irmão já tinha ido para África, sozinho, e chamou-me para lá também. Entrei aqui no barco na Rocha Conde de Óbidos e 16 dias depois cheguei ao meu destino. Tinha 16 anos, quase a fazer 17. Fui de barco de Lisboa até ao Lobito e depois de comboio para o Luso, hoje Luena, que era próximo da fronteira com a Zâmbia. E pronto, lá estive quatro anos até que tive de ir para a tropa e assentei praça em Nova Lisboa.

O que é que o seu irmão fazia lá?
Trabalhava no comércio. A minha irmã tinha três anos mais do que eu e o meu irmão mais 6, portanto na altura tinha 22. Quando fui para Nova Lisboa, hoje Huambo, comecei uma nova fase da minha vida e estive 4 anos na tropa.

Fez a tropa em Nova Lisboa, em tempo de guerra, mas nunca esteve em zonas de conflito

Antes disso, como foram esses primeiros anos em Angola?
Consegui entrar para uma repartição pública, fui para o serviço de Agricultura e Florestas, na altura, trabalhava como escriturário. O Luso era uma cidade nova e capital de um distrito novo, o Moxico. Na altura as capitais de Angola tinham todas uma emissora de rádio e o Luso também passou a ter a sua — havia 17 no total. Quando a rádio começou, eu, que sempre tive uma grande obsessão pelos relatos de futebol fui também concorrer para a rádio.

Essa obsessão começou em que altura?
Logo em miúdo, tinha uma telefonia daquelas que se ligava, ia-se dar uma volta ao quarteirão e só depois é que começava a funcionar. Era de válvulas, demorava uma série de tempo a aquecer, e era ligada a uma bateria. Tinha para aí uns 7 ou 8 anos e andava pelas ruas, com o jornal debaixo do braço, a fazer relatos: Peyroteo para Travassos, Travassos para Vasques, para aqui, para ali. Comecei cedo com esta mania, nunca imaginando que ia ser a minha vida.

Os óculos escuros eram uma das imagens de marca de Ribeiro Cristóvão

Como é que foram as provas?
Foram provas de leitura, fundamentalmente para testar a voz. Naquele tempo dava-se muita importância à voz, que é uma coisa que agora não acontece, agora qualquer pessoa, mesmo sem voz, vai ao microfone.

Isso aconteceu com 17 anos ainda? Já tinha voz de rádio tão novo?
Entrei para a rádio em 1958, com 19. Já tinha assim uma voz… séria, vá. E pronto, entrei para o Rádio Clube do Moxico onde estive dois anos a fazer coisas um bocado insípidas: umas leituras, a apresentar uns discos…

Ribeiro Cristóvão (o primeiro de pé à esquerda) começou no Rádio Clube do Moxico e depois passou para o do Huambo

Acumulava com o trabalho na repartição?
Sim, até às 17h00 estava lá, depois à noite ia para a rádio. Em Nova Lisboa aconteceu a mesma coisa. Fui para o Rádio Clube do Huambo, que era a segunda rádio mais importante de Angola e tinha profissionais de grande gabarito, Sebastião Coelho, Joana Campina, o Fernando Curado Ribeiro, o pai da Rita [Ribeiro, atriz], que foi quem criou um slogan que tivemos até virmos embora: “Rádio Clube do Huambo, uma voz portuguesa em África”. Um dia, estava na tropa já há uns 5 meses, fui lá falar com o Sebastião Coelho. Achou-me graça e deixou-me ir lá fazer umas coisas. E eu sou assim: depois de me deixarem fazer umas coisas estão feitos comigo.

Nunca mais de lá saiu.
Os quatros anos que estive na tropa estive sempre lá, conciliava também; nunca saí de Nova Lisboa, estive sempre na Escola de Aplicação Militar de Angola, onde dava recrutas, nunca estive em zonas de guerra. Quando a tropa acabou, fiquei na rádio como profissional. Um ano depois entrei para a CUCA [Companhia União de Cervejas de Angola], que era uma das empresas em Angola de que as pessoas mais ambicionavam ser funcionárias.

"Tínhamos um Cessna de 7 lugares, com um comandante que tinha saído da Força Aérea, o comandante Marcelino, e a minha vida era andar a visitar os clientes e os agentes e as unidades militares, desde o leste até cá abaixo ao sul de Angola."

Porque tinham melhores condições, melhores salários?
Por isso e porque eram empresas de grande dimensão: eram os Caminhos de Ferro de Benguela e a CUCA… estive lá 12 anos. África é um deslumbramento, ainda hoje é, já lá voltei duas vezes mas nunca consegui ir a Nova Lisboa porque fui em alturas em que ainda havia guerra intensa e nunca me deixaram ir ao Huambo, fiquei-me por Luanda. Os meus filhos nasceram lá os três, mas nunca falam em África nem em Angola nem em coisa nenhuma, vieram com 6, 8 e 10 anos. Eu sou o mais arreigado, sonho muitas vezes com Angola e com as coisas de lá, a minha mulher diz que não.

Conheceram-se lá?
Eu estava na tropa, ela andava no liceu, pronto, começámos ali a namoriscar e quando saí da tropa o namoro tornou-se mais chegado. Naquela altura havia uma grande desconfiança das famílias em relação aos militares porque a maior parte dos que estavam em Nova Lisboa não eram de lá, tinham medo que quando acabassem a tropa se fossem embora e largassem as raparigas. Eu por acaso fiquei, mas era o que acontecia com a maior parte. Ao fim de um ano, tinha ela 18 e eu 25 anos, casámos. Tivemos uma lua-de-mel de uma semana no Lobito e dez dias depois entrei para a CUCA. À noite continuava a ir para o Rádio Clube, mas depois a partir de certa altura tornou-se mais difícil, porque também tive uma ascensão profissional na CUCA…

Quando casaram Nídia tinha 18 anos e António 25

Tornou-se relações-públicas, certo? Antes disso o que fazia?
No início fiquei nos escritórios, éramos muitos, uns 12 ou 15, cada um com as suas tarefas. Depois, se calhar comecei a dar um bocado nas vistas e convidaram-me para as relações-públicas e para o departamento comercial, e passei a sair muito de Nova Lisboa. Tínhamos um Cessna de 7 lugares, com um comandante que tinha saído da Força Aérea, o comandante Marcelino, e a minha vida era andar a visitar os clientes e os agentes e as unidades militares, desde o leste até cá abaixo ao sul de Angola. Quando estava na fábrica a minha função era mostrar as instalações da CUCA — e tínhamos imensas visitas, todos os dias.

Na altura a CUCA era uma das maiores, senão a maior empresa de Angola…
Era a maior, a sala de visitas de Angola, de maneira que todos os dias tínhamos grupos enormes de visitas e de militares que vinham da metrópole. Mostrava a fábrica, como se fazia a cerveja e depois terminávamos num barzinho que tínhamos numa torre de 7 andares, com cerveja e camarão a acompanhar. Entretanto os meus filhos foram nascendo e a CUCA dava-nos férias de 4 em 4 anos aqui em Portugal.

Todas as visitas à fábrica da CUCA, em Nova Lisboa, acabavam no terraço

Pagava as viagens da família toda?
Pagava as viagens e pagava o nosso ordenado aqui. Na altura era muito complicado trazer dinheiro de Angola, mas como a CUCA pertencia ao Grupo da Sociedade Central de Cervejas, da Sagres, dava-nos quatro meses de férias com os ordenados recebidos aqui. Todos os meses ia ali à Almirante Reis receber o meu ordenado, que recordo que na altura fazia uma certa confusão a algumas pessoas minhas amigas e de família, porque recebia 4 ou 5 vezes mais do que eles ganhavam aqui.

Tendo em conta essa diferença, como é que era a vida lá?
Era fantástica. Aquilo era tudo grande, nós éramos todos muito próximos uns dos outros, tínhamos uma relação muito intensa. Deixávamos as chaves nas portas das casas, visitavamo-nos muito, e era fácil, de facto. Gostava de ir à caça de vez em quando e cheguei a caçar coisas grandes, palancas. E tínhamos uma ideia de distância muito diferente da de cá: às vezes, aos sábados, estávamos na Kambu, uma grande esplanada em Nova Lisboa, lembrávamo-nos de ir tomar café ao Lobito, metiamo-nos no carro e íamos — eram 200 quilómetros para cada lado. E mesmo ir a Luanda, que já eram 650 km, também era mais fácil, fui lá muitas vezes fazer relatos de futebol: saía de Nova Lisboa a seguir ao almoço — os jogos eram sempre à noite, por causa do calor –, fazia o relato no Estádio dos Coqueiros, e depois regressava. Fazia 1300 km na maior das calmas. Também vim a Portugal fazer duas vezes a final da Taça e fui a Moçambique fazer relatos da seleção de Angola.

Em Nova Lisboa, além de relatar, também costumava jogar futebol

Manteve sempre a ligação à rádio?
Sim, mesmo nos tempos da CUCA, sempre até vir embora. Em junho de 1974 vim passar férias a Portugal, tinha o 25 de Abril eclodido há pouco tempo.

Como é que foi chegar a Lisboa depois da revolução?
Foi terrível, estava tudo uma confusão, tinha cá estado dois anos antes e notei uma diferença muito grande. As pessoas já nos hostilizavam porque éramos de África e estávamos em Angola a explorar os pretos e aquelas coisadas todas. Mesmo assim, tinha uma fé inquebrantável em relação a Angola. De tal maneira que ainda comprei aqui um carro novo e levei-o para Angola.

"Vinha todos os dias para Lisboa de barco, nuns barquitos pequeninos que existiam na altura e demoravam uma hora desde Alcochete. Vinha habituado ao calor de África, meter-me naquele barco cheio de buracos às 7h da manhã era muito complicado. Mas vinha. Durante 4 meses andei a correr ceca e meca à procura de emprego, bati a todas as portas -- várias vezes."

Em 1974?!
Em setembro de 1974. Depois, por um acaso da sorte, ainda o consegui trazer, quando viemos. Mas também não trouxe mais nada. Ficou lá tudo. Nessa altura nós, os de Angola, éramos mal-vistos, chamavam-nos colonialistas, exploradores dos pretos. Quando viemos definitivamente, a 28 de setembro de 1975, fomos morar para Alcochete, que era onde vivia a minha irmã — que era uma zona altamente revolucionária. O ambiente estava muito pesado e continuou assim durante muito tempo, até para arranjar emprego senti muitas dificuldades. Vinha todos os dias para Lisboa de barco, nuns barquitos pequeninos que existiam na altura e demoravam uma hora desde Alcochete. Vinha habituado ao calor de África, meter-me naquele barco cheio de buracos às 7h00 da manhã era muito complicado. Mas vinha. Durante 4 meses andei a correr ceca e meca à procura de emprego, bati a todas as portas — várias vezes.

Que idade tinha na altura?
Tinha 36 anos.

E 3 filhos para sustentar.
Foi a única riqueza que trouxe de Angola, três filhos e a minha mulher, mais nada. Andei pela Emissora Nacional, pelo Rádio Clube Português, até fui à televisão; tinha lá um amigo, o Adriano Parreira, que na altura era conhecido como o “locutor preto”. Disse-me logo: “Oh pá, aqui não tens hipótese nenhuma”.

Que justificações é que lhe davam?
Este foi sincero: “Isto aqui está tomado pelos comunas, vieste de Angola estás lixado”. Nos outros sítios não me diziam isto, mas quase. A Emissora Nacional, por exemplo, estava a ser dirigida por militares, que também não gostavam de nós. Depois passei a bater com mais insistência à porta da Renascença, que tinha sido invadida e ocupada por uns tipos da esquerda e da extrema esquerda mas que em janeiro de 1976 foi devolvida pelo Mário Soares e pelo Almeida Santos à Igreja. Fui lá várias vezes, depois resolvi ir pedir ajuda a um dos meus tios de Évora, que lá mandou uma carta para o senhor cónego António Gonçalves Pedro, que era na altura o diretor do Conselho de Gerência, dizendo-lhe que não sabia o que é que eu valia como profissional da rádio, a única garantia que dava era a de que eu era boa pessoa.

E foi o que bastou.
Lá me deixaram entrar mas não foi assim com muita convicção: entrei no dia 1 de fevereiro de 1976 e fizeram-me um contrato de um mês.

Quanto recebia?
Seis contos. Dava para pagar o apartamento em Alcochete, a comida e mais nada.

E em Angola, quanto ganhava?
Quando saí de Angola, entre o que ganhava na CUCA e o que fazia na rádio, já ganhava aproximadamente 30 contos. É uma diferença grande.

"Lembro-me de que foi numa noite de Carnaval que comecei a ir ao microfone, e foi porque o António Sérgio, que era o locutor de serviço, faltou, tinha ido para a farra."

Mas não ficou só um mês na Renascença…
Soube mais tarde que a ideia deles era dizerem-me para ir à minha vida ao fim do mês. Só que ao fim do vigésimo dia o senhor engenheiro Magalhães Crespo, que era o executivo da gerência, chamou-me e disse-me que queriam fazer um contrato definitivo comigo. E aumentaram-me de 6 para 9 contos. Durante aqueles 20 dias dei o máximo, não faltei uma vez, estava lá todas as manhãs às 8h00 e só saía às 21h00, para apanhar o último barco para Alcochete.

O que é que fazia na altura?
Éramos só quatro na redação. Fazíamos as notícias e escrevíamos os noticiários todos, de manhã à noite, mas durante os primeiros tempos nem me deixavam ir ao microfone. Lembro-me de que foi numa noite de Carnaval que comecei a ir, e foi porque o António Sérgio, que era o locutor de serviço, faltou, tinha ido para a farra. Depois começou a entrar mais gente, as coisas começaram a desenvolver-se, e passei a fazer mais coisas. A produção da Renascença circunscrevia-se à informação, o resto dos programas eram feitos por empresas externas. Uma delas era a Rádio Placard, do Porto, que tinha os programas de desporto e os relatos de futebol. Foi o Rui Romano, marido da Alice Cruz, com quem eu também já tinha trabalhado em Angola, que me disse que um dia tinha de fazer uns relatos. Comecei a fazer e depois, em 1980, quando a Renascença resolveu chamar a si a produção de todos os programas, fundámos o departamento de Desporto.

Com os filhos, Sandra, Miguel e Teresa, e a mulher

E finalmente conseguiu ficar só com o futebol, que era aquilo que gostava mesmo de fazer.
Sim, na altura o departamento foi-me entregue a mim e tive a felicidade de o Artur Agostinho, que tinha fugido exilado para o Brasil a seguir à revolução, estar a regressar. Chamei-o e depois fui buscar também o Alves dos Santos, que era uma figura carismática da nossa televisão. Eu trazia já a Bola Branca de Angola…

De Angola?! Conte lá essa história.
Em Angola, quando se começou a jogar à bola à noite, a iluminação era muito fraca, por isso jogava-se com uma bola branca, para se ver melhor. Criei aqui o programa com esse nome, mas o título já existia na rádio em Angola. Colou e tornou-se um ícone nacional.

Foi o primeiro programa desportivo na rádio portuguesa?
Sim e ainda hoje se mantém com o mesmo título. Tínhamos várias edições, a da noite era mais alargada, mas de resto eram espaços curtos de 15 minutos, entendi sempre que as pessoas não tinham muita paciência para ouvir grandes chouriçadas de desporto. Era condensada mas era uma informação muito precisa, muito séria e que nos dava muito gozo fazer.

"Nunca mais me esqueço: como não tinha transporte, meti-me numa carrinha da Renascença e fui. Entrei, estacionei e o Adriano Cerqueira diz assim: 'Este gajo vem aqui para lixar a Renascença e ainda vem na carrinha deles'."

Nessa altura os jornais desportivos saíam duas vezes por semana, a Bola Branca acabava por ser das poucas fontes diárias de informação desportiva.
Era a única que havia. Foi o Artur Agostinho, que no Brasil tinha estado na Rádio Globo, que trouxe aquela inovação de cantar os nossos nomes nos relatos. Isso também colou muito, ainda hoje, quando chego à SIC, há alguns daqueles mais antigos que começam a cantar: “Ri-bei-ro Cristó-vão”.

Em 1982 deu o salto para a televisão. Como é que isso aconteceu?
Naquela fase havia muitas convulsões na RTP e as direções de vez em quando mudavam. Houve uma altura em que o Adriano Cerqueira e o Zé Eduardo Moniz foram saneados e fizeram um contrato com a Renascença e passaram a fazer eles a informação da manhã. Foi ali que os conheci. Em 1982, já estavam de regresso à RTP, o Zé Eduardo ligou-me: “Eh pá, estou aqui na Rua Castilho, com o Adriano, vem até cá que a gente quer falar contigo”. Nunca mais me esqueço: como não tinha transporte, meti-me numa carrinha da Renascença e fui. Entrei, estacionei e o Adriano Cerqueira diz assim: “Este gajo vem aqui para lixar a Renascença e ainda vem na carrinha deles”. Lá me formalizaram o convite, queriam que abandonasse a rádio e fosse só para a televisão. Disse-lhes que nem pensassem nisso.

Não era raro acontecerem imprevistos no Domingo Desportivo, como nesta edição, de 1988

Porquê?
Porque tenho uma dívida de gratidão para com a Renascença, foi por isso que nunca saí e mantenho até hoje a minha relação à rádio, 41 anos depois. E depois porque nunca tinha feito televisão. Isto foi a uma segunda-feira, na quarta o Adriano disse-me para ir aos estúdios do Lumiar “fazer uma experiência”. Puseram-me perante umas câmaras, a ler uns textos, e pronto. Entretanto eles iam fazer uma nova programação que ia ter o Gira-Bola, que era o Domingo Desportivo, mas com outro nome, e o Troféu, que era um programa desportivo de 4 horas aos sábados à tarde.

Quatro horas?! Na RTP1 ou na 2?
Era na 1. Tinha muitas reportagens, de voleibol, basquetebol, andebol, hóquei em patins, atletismo, tinha tudo. Na sexta-feira, depois de ter feito aquela experiência telefonou-me e disse: “Amanhã quero-te aqui às 15h00 para apresentares o Troféu. Trazes uma gravata e um casaco”. E eu disse: “Oh pá, ó Adriano, está a brincar comigo?!”.

"O primeiro convidado era o Mário Coluna, que só dizia sim, não, mas e talvez. Estávamos em plena entrevista e avariou lá uma porcaria qualquer e a peça seguinte não entrava e a entrevista que devia ter durado 10 minutos durou meia hora. Foi um suplício."

Mas não estava.
Não, e no dia seguinte lá fui apresentar o programa. Nunca mais me esqueço desse Troféu, não só por ter sido o primeiro, mas também por ter acontecido uma coisa muito gira. Na altura havia com muita frequência avarias técnicas, os programas paravam e até aparecia o placard: “Pedimos desculpa pela interrupção, o programa segue dentro de momentos”…

O Troféu era em direto? Em menos de uma semana, sem experiência, meteram-no a fazer 4 horas em direto?
Era em direto, era. Nem dormi nessa noite, tremia que nem varas verdes. O primeiro convidado era o Mário Coluna, que só dizia sim, não, mas e talvez. Estávamos em plena entrevista e avariou lá uma porcaria qualquer e a peça seguinte não entrava e a entrevista que devia ter durado 10 minutos durou meia hora. Foi um suplício. Fiz o Troféu durante um mês e ao fim de um mês o Gira-Bola não tinha colado, portanto já tinha passado para Domingo Desportivo, que era um programa antigo feito pelo Alves dos Santos, a preto e branco.

Deixou o Troféu e passou para o Domingo Desportivo?
Recordo-me de que na altura o Domingo Desportivo era o programa que todos ambicionavam fazer na RTP. Algumas pessoas olharam para mim de lado porque cheguei e pouco mais de um mês depois já lá estava.

Porque é que havia tanta concorrência?
Porque era o programa mais visto, as pessoas esperavam ansiosamente pelo Domingo Desportivo, que era o único que tinha os resumos dos jogos todos. Na altura aquilo era complicado, eram duas fitas: uma para o som, outra para a imagem. Quando havia jogos em Chaves ou em Elvas era um suplício, os estafetas tinham de vir de mota até ao Monte da Virgem ou ao Lumiar com as bobines debaixo do braço para fazerem as montagens e termos os jogos.

Num evento com alguns dos ilustres do desporto nacional: Manuel Fernandes, Eusébio, Fernando Gomes e Carlos Lopes

Passou a ser reconhecido na rua a partir dessa altura?
Sim, e dava-me satisfação, como é evidente, mas às vezes acho que era demais. Até porque a Renascença era no Chiado, eu saía para ir almoçar e vinham aquelas multidões a subir a Rua Garrett e a Rua do Carmo… As coisas correram bem, de tal maneira que até o próprio Pinto da Costa escreveu uma carta à RTP.

"Hoje tenho uma má relação com aquela gente lá no Sporting. Com o tipo que me trata mal na Sporting TV e me chama nomes: 'Aquela múmia, que está ali e já devia estar em casa!"'; com o Bruno de Carvalho, que não é lá uma pessoa muito afável, e com o Jesus também."

Isso aconteceu numa altura em que regressou ao programa depois de ter saído, certo?
Sim, saí e em 1986 voltei a entrar. Foi aí que o Pinto da Costa escreveu uma carta a congratular-me pelo regresso.

Nunca assumiu a sua preferência clubística?
Assumi, disse sempre que sou do Sporting. Sou sócio do Sporting há 62 anos e tenho as quotas em dia, sou o sócio 1083. Mas sempre disse também que deixo a minha cor clubística à porta do sítio onde estou a trabalhar. E a verdade é que hoje tenho uma má relação com aquela gente lá no Sporting. Com o tipo que me trata mal na Sporting TV e me chama nomes: “Aquela múmia, que está ali e já devia estar em casa!”; com o Bruno de Carvalho, que não é lá uma pessoa muito afável, e com o Jesus também. Ainda aqui há dias estávamos na apresentação de um livro do Rui Santos, o Jesus entrou, cumprimentou toda a gente e não me cumprimentou a mim. Sei que não gostam de mim, mas isso não me perturba rigorosamente nada. Já tive relações com grandes presidentes do Sporting, como com o senhor João Rocha, por exemplo. Fui várias vezes a casa dele, na Lapa, como convidado. E também me dava bem com muitos jogadores.

Nessa altura era completamente diferente do que é agora, não era?
Tínhamos uma relação muito próxima com os jogadores, conhecíamos as famílias, as mulheres, os filhos. Éramos muito poucos, íamos nos mesmos autocarros, nos mesmos aviões, ficávamos nos mesmos hotéis. E isso dava-nos essa faculdade de termos uma relação próxima, que era também uma relação de muita confiança. Muitas vezes íamos nos autocarros, ouvíamos coisas, discussões, mas aquilo ficava ali. Hoje as coisas são mais complicadas, há mais gente. Nós, nessa altura, entre jornais e rádios, quando íamos lá fora não atingíamos a dezena sequer.

Começou a namorar com Nídia quando estava na tropa -- e ela no liceu. Casaram há 53 anos

No estrangeiro esteve em alguns dos momentos mais célebres da História do futebol português. Como Saltillo, por exemplo.
Estive lá dois meses. Fui para o México com a seleção, ia de muletas porque tinha partido aqui um pé, na RTP, e depois o Bento trouxe-as de volta, porque partiu a perna lá. Reconheço que os jogadores tiveram muita razão em muitas coisas, mas também me fez confusão que, 20 anos depois de Portugal ter ido ao Mundial pela última vez, perante aquela oportunidade excelente de a seleção se projetar e de alguns jogadores se mostrarem, não tivessem aproveitado. Acho que os jogadores podiam ter tido um pouco mais de cuidado com eles próprios. Os mexicanos tinham uma má imagem da seleção portuguesa, que passava a vida na piscina e na boa-vai-ela. O próprio Bobby Robson, que estava com a seleção inglesa a 500 metros de nós, fazia comentários muito desfavoráveis ao comportamento dos nossos jogadores. Talvez a revolução que depois se veio a operar no futebol tenha começado ali, mas talvez as coisas também pudessem ter sido feitas de outra maneira.

Na altura as condições e os salários dos jogadores não tinham nada a ver com o que são hoje…
Não, nem pouco mais ou menos. O Bento partiu a perna e recebeu do seguro 40 escudos por mês, porque a Federação não tinha feito seguros ou estavam mal feitos….

"Fui entregar a cassete ao Maradona e presenciei aquela célebre história de o Ivković lhe ir cobrar os 100 dólares."

Como é que vocês, jornalistas, se começaram a aperceber de que alguma coisa não estava bem?
Nós estivemos sempre no mesmo hotel que os jogadores, o La Torre, e víamos que a organização não existia ali. O campo de treinos era a subir, não havia programação de treinos nem de jogos de preparação, uma vez até jogaram contra uma equipa de malta do hotel… Quando tivemos o primeiro jogo e ganhámos à Inglaterra por 1 a zero, que foi uma coisa da qual ninguém estava à espera, lembro-me que acreditar que podia correr bem. Depois perdemos com a Polónia e as coisas complicaram-se mas empatando com Marrocos podíamos continuar. O selecionador de Marrocos, que era um brasileiro, chegou a esboçar uma tentativa de acordo para empatarem. Mas o Torres disse: “Não senhor, nós vamos dar cabo dos marroquinos, vamos ganhar, não quero cá acordos nenhuns”. E depois perdemos 3-1. Eles vieram embora eu fiquei até à grande final entre a Alemanha e a Argentina, que o Maradona e mais 10 conseguiram ganhar.

Chegou a entrevistá-lo?
Cheguei, cheguei, era um tipo fantástico. Quando estava no Nápoles veio jogar aqui a Alvalade, com o Sporting. E o Manolo Belo, um galego atrevido que era produtor independente da SIC, foi falar com ele em castelhano e convidou-o para uma entrevista. Foi uma entrevista fabulosa que durou mais de meia hora. O Maradona ficou tão contente que lhe pediu uma cópia. O Manolo disse-lhe que não era assim tão fácil mas que tinha um amigo que, quando fosse o jogo em Nápoles, lhe levava a cassete. E fui eu. Fui entregar a cassete ao Maradona e presenciei aquela célebre história de o Ivković lhe ir cobrar os 100 dólares.

Que história é essa?
O jogo acabou com desempate por grandes penalidades. E quando o Maradona foi marcar, o Ivković, que estava lá a tentar perturbá-lo, disse-lhe que apostava 100 dólares em como ele não marcava. E assim foi, defendeu e no fim do jogo foi à cabine do Nápoles pedir o dinheiro, que estava com a mulher do Maradona. Eu estava ao pé dela quando ele lá foi dizer-lhe para lhe dar os 100 dólares, o tipo não perdoou. E pronto, lá lhe dei a cassete e lá estive a falar com ele. Era um tipo muito afável. E um jogador extraordinário. Para mim, até há pouco tempo, foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos, agora já acho que o Ronaldo o ultrapassou.

"Quando o jogo acabou fui ter com o Futre e disse-lhe: 'Amanhã vais ao Domingo Desportivo'. E ele: 'Então mas eu vou ao Domingo Desportivo? E quem é que me leva para o Montijo?'. 'Levo-te eu, pá, vou para Alcochete!'"

Também tem uma relação próxima com ele?
Não, quando esteve no Sporting era miúdo, não dava muito nas vistas. E depois foi para Inglaterra. Mas falava muito dele com o Aurélio Pereira, que me dizia “Eh pá, é um gajo bestial”. O que, aliás, já me tinha dito uma vez do Futre e do Litos.

Do Futre já foi mais próximo.
Sim, porque o Futre é giro. Um dia estava em casa, numa sexta à noite, toca o telefone: era o senhor João Rocha. “Gostava que amanhã de manhã fosse ver a Alvalade um Sporting-Benfica em juniores, temos lá jogadores do caraças, pá!” Eu não ia aos jogos de juniores, de manhã estava era a descansar! Mas fui. E quem eram os jogadores do caraças? O Futre e o Litos. Na altura gostei imenso do Litos mas o Futre era especial. Quando o jogo acabou fui ter com ele e disse-lhe: “Amanhã vais ao Domingo Desportivo”. E ele: “Então mas eu vou ao Domingo Desportivo? E quem é que me leva para o Montijo?”. “Levo-te eu, pá, vou para Alcochete!”

Foi dos primeiros a entrevistar Paulo Futre, no Domingo Desportivo, ainda o ex-jogador era junior no Sporting

Teria quê? Uns 17 anos?
Por aí. E pronto, o nosso amigo Paulinho lá foi ao Domingo Desportivo. Coitadinho! Não foi uma entrevista brilhante — ele hoje é dos mais extrovertidos, mas na altura falava assim aos solavancos e com alguma dificuldade. Depois tivemos sempre uma relação muito chegada. Tanto que quando eu estava na Assembleia da República ele me perguntou como era aquilo e disse-lhe para ir lá almoçar comigo — e ele foi.

Como é que foi essa sua experiência de deputado? Foi substituir Maria Elisa, não foi?
Eu sou de Proença-a-Nova e um dia o presidente da Câmara convidou-me para concorrer nas eleições à Assembleia Municipal, para presidente: “Isto não dá trabalho nenhum, é uma reunião de três em três meses, é chegar aqui, reunião, despachar e vai embora”.

Não estava ligado a nenhum partido na altura?
Não, ele era PSD. Fui lá, aceitei, participei na campanha e ganhámos as eleições. Fui presidente da Assembleia Municipal durante 4 anos. Entretanto, a meio do mandato, ele telefonou-me, disse-me que ia haver eleições para a Assembleia da República e que como a zona do Pinhal não tinha lá ninguém, queria pôr-me lá a mim. Disse-lhe para não se meter nisso.

Isso foi em que ano?
Em 2002. Disse-lhe que não, mas ele meteu-me na lista à mesma. A primeira era a Maria Elisa, o segundo o Fernando Penha, um engenheiro agrónomo de Castelo Branco, e o terceiro era eu. Elegemos dois deputados e eu fiquei fora. Mas entretanto as coisas não correram muito bem à Maria Elisa, que ao fim de pouco tempo saiu. Eu era o primeiro suplente, decidi assumir.

Porquê? O que é que lhe passou pela cabeça na altura?
Já tinha feito a cobertura da Assembleia da República, como repórter, durante 4 anos, no final dos anos 70. Tinha gostado do ambiente, na altura aquilo fervia, cheguei a assistir a debates até às 3h00 e às 4h00 da manhã, e estavam lá grandes figuras, o Mário Soares, o Sá Carneiro, o Freitas do Amaral… Portanto fui. Mas não me meti em grandes cavalarias. Porque não tinha experiência, porque não era dada grande importância ao interior e depois porque as pessoas que são de facto marcantes e importantes são as que ficam na primeira fila — e eu nunca fiquei na primeira fila.

Foi deputado, pelo PSD, durante seis anos

Onde é que ficava?
Ficava lá mais para trás, para a terceira ou quarta, tínhamos um grupinho onde nos juntávamos, o Hermínio Loureiro estava sempre perto de mim, quando eu entrava dizia sempre “Booooola Branca!”. Fiz parte da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, à qual estava ligado o desporto, e da Subcomissão de construção dos estádios do Euro 2004. Depois o Governo caiu e da segunda vez…

Ao todo quanto tempo foi deputado?
Seis anos. Ainda aguentei muito tempo! Nunca faltei, nem uma vez. E tive sempre boa relação com toda a gente, até com o Partido Comunista, falava com o Jerónimo e com o Bernardino Soares sobre o Benfica. E com o António Filipe sobre o Belenenses. Dizia-me sempre: “O Belenenses é como o PCP, não ganhamos a ninguém”. O Bloco de Esquerda é que era mais complicado. Hoje falo muito com o Louçã, que também vai muitas vezes à SIC, mas enquanto estive na Assembleia nunca falou comigo.

"Com o Sócrates aquilo era duro. Tive uma vez uma pega com ele, quando acusou o Paulo Rangel, que era o líder da bancada parlamentar do PSD, de ter vindo do CDS. Eu tinha uma cópia da inscrição dele na JSD de Castelo Branco e mandei distribuir pelas bancadas."

Voltando atrás, o Governo caiu e depois?
Fui convidado novamente para integrar as listas, o Morais Sarmento era o cabeça de lista por Castelo Branco, e aí disse que queria mesmo ficar num lugar não elegível. O segundo era o Carlos Pinto, que era presidente da Câmara da Covilhã, o terceiro era o Fernando Jorge, um médico com umas clínicas espalhadas aí pelo país todo, e o quarto era eu. Resultado: levámos uma abada do Sócrates, que conseguiu maioria absoluta, o Morais Sarmento tomou posse mas esteve lá uma semana, o Carlos Pinto disse que tinha muito que fazer na Covilhã e o Fernando Jorge agarrou-se às clínicas. E lá tive de ir dançar eu outra vez. Com o Sócrates aquilo era duro. Tive uma vez uma pega com ele, quando acusou o Paulo Rangel, que era o líder da bancada parlamentar do PSD, de ter vindo do CDS. Eu tinha uma cópia da inscrição dele na JSD de Castelo Branco e mandei distribuir pelas bancadas. Ficou amuado, deitou-me um olhar de morte, mas não disse nada.

Hoje em dia, longe das redações, dos microfones e do parlamento, como é que são os seus dias?
Deito-me tarde, porque escrevo todas as noites um textinho para o site da Renascença, e faço também todos os dias uma cronicazinha gravada para eles. A minha ocupação são os meus netos, tenho 7, dos 23 aos 9 anos, vou buscar alguns todos os dias à escola. Umas 15 ou 20 vezes por mês vou à SIC, comentar o futebol, e uma vez por mês vou à RTP, ainda faço parte do Conselho de Opinião da RTP. E para o próximo ano hei-de participar na próxima série do programa Vidas Suspensas, da Sofia Pinto Coelho, na SIC, que correu muito bem e teve muita audiência.

"Uma vez em Belfast fiz o jogo, no meio do público, e quando cheguei ao fim não tinha o passaporte. Fomos à embaixada, o embaixador lá me deu uma carta e disse-me: 'Sabe o que é que o senhor arranjou? Amanhã esse passaporte está nas mãos de um gajo do IRA'." 

Portanto, apesar de reformado, continua cheio de trabalho, já só não vai aos estádios fazer relatos.
Já nem me lembro da última vez que fui a um estádio, já nem vou ver jogos. Há para aí uns 4 anos que não vou a um estádio.

Fez dois Mundiais e quatro Europeus de Futebol: "Fartei-me de viajar! Conheci os países todos de leste, ainda no tempo da cortina de ferro"

Não foi ao Europeu de França?
Não, não fui, não sinto falta. Porque sei que o ambiente já não é o mesmo, a malta vai um ou dois dias antes, o acesso aos jogadores é zero, assim não tenho interesse. A primeira vez que fui fora, depois de vir de Angola, foi a Moscovo com o Benfica, em 1977. Fiquei fascinado. Mas na altura éramos seis jornalistas, fiquei no quarto com o Vítor Santos, que era diretor da Bola, e ainda tivémos tempo para dar umas voltinhas pela cidade. E depois esta malta nova quer ir para as discotecas e para as miúdas e para mim já não dá…

Mas no seu tempo ia?
No meu tempo ia, ia! À noite íamos todos dar uma voltinha! Lembro-me de uma vez que fomos à Roménia, a Timisoara, de onde veio para aqui um jogador fantástico que era o Timofte, e à noite fomos todos para a discoteca do hotel. O Sousa Cintra, que era um homem muito extravagante, comprou os instrumentos todos da orquestra, eram baratos! No dia seguinte ficou tudo no aeroporto, não o deixaram passar e ele fez um escabeche incrível. Outra vez perdi-me em Belfast, sozinho. A seleção ia jogar contra a Irlanda do Norte, ganhámos 3-1. Quando cheguei ao hotel, que estava em obras porque meses antes tinham lá posto uma bomba, os tipos ficaram todos passados comigo: “O senhor não sabe que é um perigo andar sozinho aqui em Belfast? Correu um risco do caraças, os gajos do IRA andam aí por todo o lado, a chatear as pessoas, pá”. Aquilo foi de tal forma que no dia seguinte fui para o estádio fazer o jogo, no meio do público, e quando cheguei ao fim não tinha o passaporte. Fomos à embaixada, o embaixador lá me deu uma carta e disse-me: “Sabe o que é que o senhor arranjou? Amanhã esse passaporte está nas mãos de um gajo do IRA”. Nunca cheguei a saber se aconteceu ou não, nunca mais me disseram nada sobre isso.

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