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Donald Trump. A globalização pode acabar?

Trump é o principal inimigo da globalização. Quer renegociar acordos comerciais e aumentar as taxas alfandegárias sobre produtos importados. Tudo para proteger a indústria americana.

Se faz parte do grupo de pessoas que pensa que nada será pior do que a eleição de Donald Trump para a presidência norte-americana, aconselhamos que não se precipite. Porquê? Repare bem no calendário eleitoral que a Europa política tem pela frente:

  • 4 de dezembro — realiza-se em Itália um referendo sobre a reforma constitucional proposta pelo governo de Mateo Renzi. Em caso de derrota, Renzi prometeu que se demitirá. O que poderá levar a uma nova subida nas sondagens do movimento populista 5 Estrelas;
  • 23 de abril de 2017 — data para a primeira volta das eleições presidenciais francesas. As sondagens ‘colocam’ Marine Le Pen, candidata da extrema-direita, na segunda volta contra o moderado Alain Juppé; François Hollande aparece em quarto lugar nas sondagens.
  • outubro de 2017 — eleições legislativas federais na Alemanha. Angela Merkel tenta nova reeleição com a crise dos refugiados a potenciar o crescimento da extrema-direita da AfD;

Como vê, o futuro pode ser ainda mais negro.

O crescimento do populismo italiano liderado pelo Movimento 5 Estrelas de Beppe Grilo, uma possível vitória da extrema-direita francesa e a possível entrada da extrema-direita da AfD no Parlamento alemão para lutarem contra o Euro têm um grande ponto em comum com Donald Trump:

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  • O combate à globalização.

Enquanto Trump quer renegociar acordos de comércio internacional subscritos pelos Estados Unidos para proteger a industria norte-americana, a extrema-direita e a extrema-esquerda europeias (PCP e Bloco de Esquerda em Portugal) querem combater o projeto de livre de circulação de pessoas, bens e capitais protagonizada pela União Europeia.

Os adversários da globalização querem o regresso do protecionismo com a subida de taxas e a criação de novos obstáculos à circulação de produtos importados. Alegam que assim será potenciada a competitividade das empresas nacionais e a criação de novos postos de trabalho.

Os adversários da globalização querem o regresso do protecionismo com a subida de taxas e a criação de novos obstáculos à circulação de produtos importados. Alegam que assim será potenciada a competitividade das empresas nacionais e a criação de novos postos de trabalho. Mas será mesmo assim?

Mas será mesmo assim? Será que a globalização é mesmo a mãe de todos os males e a responsável pela perda de competitividade económica dos Estados Unidos e da Europa? Será que a globalização é inimiga do progresso e o regresso do protecionismo pode promover o crescimento económico?

O início da globalização moderna

O processo de globalização moderna não começou no final do século passado. Tem origem na defesa de um comércio internacional livre com menos taxas e barreiras alfandegárias durante a Revolução Industrial. E ao contrário do que se pensa, não pretendeu defender os interesses das grandes empresas.

Veja-se o que aconteceu em 1843 no Reino Unido. O Parlamento aprovou as Leis do Milho que aumentaram as taxas sobre o grão importado de forma a proteger os preços praticados pelos donos das grandes plantações de milho em terras inglesas. Os donos das pequenas industrias transformadoras lideraram o protesto contra o que consideravam ser os interesses de uma “oligarquia” do sector primário que então liderava a economia. Ricard Cobden, recordou a revista “The Economist” em outubro passado, argumentou, então, que o livre comércio só traria vantagens para a industria britânica:

  • permitiria o acesso a mercados maiores;
  • baixaria o preço dos produtos importantes, nomeadamente bens essenciais, para as classe mais baixas;
  • transformaria a agricultura inglesa num sector mais competitivo e eficiente;
  • e fomentaria um período de paz internacional entre todos os países que quisessem beneficiar dessas vantagens económicas.

Argumentos que foram seguidos por outros sectores de atividade e ajudaram a virar a economia britânica para o exterior.

Mudemos agora de continente e avancemos para os Estados Unidos. Para o Estado da Carolina do Norte mais concretamente. No final do séc. XIX, a poderosa industria de algodão começou a deslocar-se da área de New England (que hoje vai do Maine ao Connecticut) para a Carolina do Norte. Aproveitando os salários mais baixos dessa área mais a sul, começaram a ser construídas as famosas “mills” — grandes quintas com manufaturação que permitia a produção de algodão. A mais famosa chama-se “Revolution Mill” e em 1938 era a maior fábrica de flanela do mundo. Fechou 44 anos depois e a sua produção foi deslocalizada para a América Latina e a Ásia. A justificação foi a mesma que levou à saída de New England: salários mais baixos.

Outra cidade da Carolina do Norte, Thomasville, passou a ser conhecida pela sua industria na área do mobiliário depois do final da II Guerra Mundial. Durante a década de 2000, a produção foi deslocalizada para a China pela mesma razão: salários mais baixos, assegura a “The Economist”.

Aproveitando os salários mais baixos dessa área mais a sul, começaram a ser construídas as famosas "mills" -- grandes quintas com manufaturação que permitia a produção de algodão -- na Carolina do Norte. A mais famosa chama-se "Revolution Mill" e em 1938 era a maior fábrica de flanela do mundo. Fechou em 1982 e a sua produção foi deslocalizada para a América Latina e a Ásia. A justificação foi a mesma que levou à saída de New England: salários mais baixos.

Não ficará surpreendido se informarmos que Donald Trump ganhou o outrora grande estado industrial da Carolina do Norte com uns confortáveis 50,5% dos votos contra 46,7% de Hillary Clinton. A classe média baixa constituída por famílias prejudicadas pela globalização terá sido a principal força eleitoral de Trump.

Tal como as outrora zonas industriais do norte de Inglaterra (como Manchester e Liverpool) tinham sido, juntamente com a zona leste com maior penetração de imigração de leste, a principal força da vitória do Brexit.

Vantagens da globalização: menos 700 milhões de pobres

O que nos leva à questão essencial: a globalização promoveu o progresso ou a estagnação económica?

Com todos os defeitos inerente a um processo económico global, promoveu o progresso, como pode verificar com estes dados recolhidos pela “The Economist” junto das Nações Unidas e de outras instituições públicas e privadas:

  • Exportações subiram de um contributo de 8% para o PIB mundial em 1950 para um valor de 20% em 2000;
  • Em 1990, de acordo com dados das Nações Unidas, cerca de 43% da população dos paises em vias de desenvolvimento (1,9 mil milhões de pessoas) vivia em situação de extrema pobreza — isto é, com cerca de 1 dólar por dia. Em 2010 esse número desceu para 21%, isto é para 1,2 mil milhões de pessoas. Pormenor relevante: a linha da extrema pobreza definia-se então pelo valor de 1,25 dólar por dia. Conclusão: menos 700 milhões de pobres.
  • Essa redução só foi conseguida devido ao crescimento económico dos países em vias de desenvolvimento. Em termos médios, o PIB desses países subiu a uma média anual de 6% — o que representa em média 1,5% a mais do que no período de 1960 a 1990;
  • As zonas mais favorecidas foram as seguintes: Leste da Ásia (8% em média anual); Sul da Ásia (7%), África (5%);
  • A China contribuiu com dois terços destes valores. No período 1981-2010, saíram da extrema pobreza cerca de 680 milhões de chineses, tendo a taxa sido reduzida de 84% para 10% em 2013.

Como foram atingidos estes resultados? Através da deslocalização de centros de produção que promoveram o emprego nos países em vias de desenvolvimento do continente asiático. Por exemplo, e de acordo com dados da OCDE, a industria têxtil deslocalizada para o Vietname, que trabalha essencialmente para exportação, pagava salários 40% mais elevados do que aqueles que eram pagos pelas firmas locais.

Entre 1990 e 2000, a população dos paises em vias de desenvolvimento que vivia em situação de extrema pobreza passou de 1,9 mil milhões de pessoas para 1,2 mil milhões. Uma descida de 43% para 21%. Conclusão: menos 700 milhões de pobres.

Do ponto de vista dos países desenvolvidos ocidentais, a globalização trouxe igualmente vantagens:

  • Deslocalização dos centros de produção para países com salários mais baratos permitiu reduzir o preço dos bens. Logo, o poder de compra dos cidadãos ocidentais subiu significativamente;
  • Estudos privados realizados em 40 países ocidentais, citados pela “The Economist”, garantem que os consumidores teriam corte de 28% no seu poder de compra se a globalização fosse revertida, enquanto as classes sociais com menor poder de compra perderiam 63% do seu poder de compra;
  • A abertura dos mercados levou igualmente a um incremento de empresas exportadoras nos países desenvolvidos que pagam salários mais elevados do que as restantes;
  • No caso dos Estados Unidos, metade das suas exportações vão para países com quem têm acordos comerciais.

A livre circulação de pessoas que é promovida pela globalização trouxe igualmente grandes benefícios. Por exemplo, e de acordo com um estudo da University College citado pelo The Guardian, os imigrantes da União Europeia que chegaram à Grã-Bretanha terão promovido um contributo de mais de 20 mil milhões de libras (22,7 mil milhões de euros) para as contas públicas britânicas no período 2001/2011.

O gráfico do elefante

Um ex-quadro do Banco Mundial, Branko Milanovic, ficou precisamente conhecido por um estudo que pretendeu demonstrar que entre 1980 e 2015, a globalização promoveu a primeira grande queda na desigualdade económica desde o início do século XIX. De acordo com o estudo do economista, citado pelo Financial Times, o rendimento médio global da população mundial subiu, entre 1980 e 2015, cerca de 120%. Contestando assim a conclusão de que as classes médias dos países ocidentais, nomeadamente dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, tenham sido prejudicadas. O estudo ficou conhecido por um gráfico tinha uma linha que evoluía como um perfil de um elefante. Daí o nome: o gráfico do elefante.

A Resolution Foundation, organização não governamental britânica, contestou as conclusões do estudo, argumentando que a inclusão da enorme subida do rendimento da população chinesa (que ninguém contesta) mascarava a descida verificada no rendimento da classe média norte-americana e britânica, particularmente afetadas pelo desemprego. Como pode ler aqui.

A organização britânica não contesta, porém, o sucesso da globalização na erradicação da pobreza nos países em vias de desenvolvimento.

Um estudo de um ex-quadro do Banco Mundial assegura que, entre 1980 e 2015, a globalização promoveu a primeira grande queda na desigualdade económica desde o início do século XIX. O rendimento médio global da população mundial terá subido cerca de 120%.

Os economistas portugueses ouvidos pelo Observador afirmam convictamente que a globalização promoveu o progresso económico mundial.

A globalização permitiu ao chamado ‘mundo subdesenvolvido’, também dito emergente, a mais extraordinária melhoria das condições de vida a que a humanidade alguma vez assistiu – tirando muitas e muitas centenas de milhões de seres humanos da pobreza mais abjeta. Em compensação, permitiu ao chamado ‘mundo desenvolvido’ o acesso a bens e serviços a preços muito mais baixos do que alguma vez poderia ter-se imaginado, impulsionando, por esse via, um aumento considerável do nível de vida”, afirma Daniel Bessa.

O ex-ministro da Economia questiona: “será que um português médio imagina que, sem globalização, compraria um carro, ou um eletrodoméstico ou um computador pelo preço a que hoje lhe é consentido adquirir esses bens?

Augusto Mateus concorda. “A globalização mudou a face do mundo ao longo da última geração, tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza extrema no mundo emergente”, afirma.

Todas estas conquistas são resumidas por Ricardo Reis, professor na London School of Economics, com a vantagem fundamental da globalização: a liberdade. “Quando as pessoas têm liberdade para conhecer outros povos, estabelecer relações comerciais com elas, visitá-las e ir viver para onde querem, ganha a liberdade individual e ganha a prosperidade de todos com o crescimento económico. Uma parte desta liberdade é em relação ao governo da nação, que perde força para impor a sua vontade sobre cidadãos pouco informados que não possam fugir”, diz.

É precisamente isso, a perda do governo da nação, que “os nacionalistas vêm como a desvantagem, na ânsia de ter um governo que os proteja das mudanças no mundo (quer tenham estas algo a ver com a globalização ou não). O medo da mudança e do progresso é uma característica perene das sociedades e o uso do voto ou do governo para tentar impedi-lo não é raro”, conclui o académico.

A outra face da globalização

Augusto Mateus, ex-ministro da Economia, não deixa de alertar que a globalização também “provocou uma nova fragmentação das atividades e tarefas de conceção, produção e distribuição de bens e serviços”, “rompeu os equilíbrios entre a dimensão e natureza dos mercados (cada vez mais globais) e dos controlos públicos (nacionais, na sua maior parte) e, sobretudo, afirmou o poder financeiro e patrimonial sobre o poder “industrial” nascido na economia real”. Tal supremacia do poder financeiro provocou a “avaria” dos “mecanismos que ligam a criação de riqueza, a afetação de recursos e a acumulação de capital”.

A deslocalização dos centros de produção têm outro lado: a desindustrialização de vastas áreas dos países mais desenvolvidos e o desemprego estrutural provocado. Diversos dados exemplificam esta questão:

  • Estima-se que cerca de seis milhões de trabalhadores industriais norte-americanos tenham perdido o emprego entre 1999 e 2011 devido à concorrência chinesa. Muitos não voltaram a encontrar emprego e muitas famílias afetadas votaram agora em Donald Trump. A taxa de desemprego nos Estados Unidos ultrapassou os 15% em 2015.
  • Por outro lado, a aposta em empresas exportadoras que se fixam essencialmente em zonas urbanas, promove uma deslocalização de mão-de-obra qualificada para essas zonas. As zonas rurais que anteriormente tinham atividade industrial ficam com mão-de-obra pouco qualificada e desempregada. Daí a globalização também promover a desigualdade nos países mais desenvolvidos.
  • Na Europa, por exemplo, a taxa de desemprego da população ativa entre 25 e os 54 anos era cerca de 25% na Grécia e em Espanha (dados de 2015), sendo os mais jovens os mais afetados. Neste último país, verificou-se uma ligeira melhoria durante o ano em curso devido ao crescimento económico verificado.
Estima-se que cerca de 6 milhões de trabalhadores industriais norte-americanos tenham perdido o seu emprego entre 1999 e 2011 devido à concorrência chinesa. Muitos não voltaram a encontrar emprego e muitas famílias afetadas votaram agora em Donald Trump. A taxa de desemprego nos Estados Unidos ultrapassou os 15% em 2015.

É por isso que Daniel Bessa afirma que o processo de globalização “envolveu, e envolve, um processo de ajustamento que criou e continuará a criar problemas sérios de desemprego no ‘mundo desenvolvido’, exigindo, para o minorar, políticas provavelmente mais ativas do que aquelas que nos habituamos a utilizar”. O professor de Economia, contudo, não deixa de dizer, contudo, que “no que se refere aos pobres do ‘mundo subdesenvolvido’, o ‘mundo desenvolvido’ nunca se preocupou muito com eles — parecendo, agora, se possível, menos preocupado”, conclui.

As propostas de Trump…

O ponto de ataque de Donald Trump, tal como já tinha acontecido com os adeptos do “Leave” no referendo britânico da União Europeia, passou por explorar o desemprego provocado pela globalização e fazendo das áreas onde a desindustrialização é uma realidade com mais de 20 anos as suas principais bases eleitorais.

O novo presidente dos Estados Unidos fez uma campanha eleitoral com uma narrativa muito crítica sobre os acordos comerciais mais relevantes que vinculam aquele país. Donald Trump manifestou a sua oposição clara a dois acordos importantes para os Estados Unidos:

  • NAFTA — North American Free Trade Agreement. Acordo que criou regras especiais para as trocas comerciais entre os Estados Unidos, Canadá e México;
  • Trans-Pacific Partnership. Acordo que liga os Estados Unidos a 11 estados do Pacífico como a Austrália, Canadá, Japão, Malásia, México, Peru e Vietnam, entre outros.

Trump alega que estes acordos têm sido prejudiciais para a economia norte-americana e quer renegociar os seus termos. Muito provavelmente, as negociações entre os Estados Unidos e a Europa para um Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (conhecido na América como Transatlantic Free-Trade Agreement e na Europa por Transatlantic Trade and Investment Partnership) também permanecerão congeladas.

Mas Trump não se fica por aqui. O seu objetivo, explicitado várias vezes durante a campanha eleitoral, pode passar por impor novas tarifas aduaneiras sobre produtos importados (nomeadamente, chineses e mexicanos), de forma a proteger a industria norte-americana da concorrência externa.

Em 2011, num discurso em Las Vegas, ficou famosa a seguinte frase sobre o tema em apreço:

“Perguntaram-me o que eu quero fazer [sobre a concorrência da China]. É tão fácil. Eu criarei um imposto de 25% sobre produtos chineses [importados para os Estados Unidos]. E aqui o mensageiro é importante. Podemos ter um porta-voz a anunciar: (Trump imita uma voz em falsete) ‘Vamos taxar os vossos produtos em 25%’. Ou eu posso dizer: ‘Oiçam, seus filhos da puta, nós vamos taxar os vossos produtos em 25%!‘”

… e as ideias de Theresa May

No Reino Unido, com muito por definir no que diz respeito ao processo de saída da União Europeia, os sinais do governo conservador liderado por Theresa May ainda não são económicos. Para já, concentra-se na livre circulação de pessoas e bens, com a vantagem da Grã-Bretanha não fazer parte do Espaço Schegen.

No início de outubro, a secretária de Estado da Administração Interna anunciou novas restrinções em termos de vistos de residência para os estudantes estrangeiros. De acordo com o The Guardian, Amber Rudd chegou mesmo a dizer a empresários que os estudantes estrangeiros não deveriam ter a possibilidade de “conseguir empregos que os britânicos devem ter”. Mais tarde rectificou essas declarações.

Trump alega que estes acordos têm sido prejudiciais para a economia norte-americana. Quer renegociar os seus termos e pode impor novas tarifas aduaneiras sobre produtos importados (nomeadamente, chineses e mexicanos), de forma a proteger a industria norte-americana da concorrência externa.

Outra notícia do The Guardian apontava para uma nova política do governo britânico: em vez de consultarem os melhores especialistas da London School of Economics independentemente da sua nacionalidade, o executivo de Theresa May passaria a consultar apenas especialistas com nacionalidade britânica.

Ricardo Reis, que não foi questionado pelo Observador por esta questão relacionada com a sua universidade, diz que “há uma semelhança” entre o movimento Trump e o Brexit. Ambos “assentam num discurso nacionalista e xenófobo, que usa o medo do imigrante para mobilizar e culpar o estrangeiro pelas dificuldades. Ambos apontam para uma reação contra a globalização e contra a liberdade das pessoas”, diz,

Mudanças em vez de morte

Atacar a livre circulação de bens e de serviços ou de pessoas é atacar o âmago da globalização, daí que se imponha a pergunta: A globalização pode acabar?

Ricardo Reis ainda não tem uma resposta. “Donald Trump fez uma campanha populista, no sentido em que disse tudo e o seu contrário, sem nunca ter um plano claro acerca de nada em concreto com um mínimo de detalhe. Tal como fez várias vezes durante a campanha, também agora como presidente suponho que não vá hesitar em voltar atrás na sua palavra, negando permanentemente qualquer contradição e insultando ou ameaçando quem se atrever a sugerir o contrário. Por isso, não faço a mínima ideia do que esperar para a economia”, afirma.

Daniel Bessa diz que "a globalização é um tema maior das propostas políticas da ala mais radical do Partido Republicano, que Donald Trump conseguiu conduzir à presidência dos Estados Unidos". Contudo, o economista, é cauteloso. "Daí a decretarmos «o fim da globalização» vai uma enorme distância".

Daniel Bessa, por seu lado, começa por dizer que a “a globalização é um tema maior das propostas políticas da ala mais radical do Partido Republicano, que Donald Trump conseguiu conduzir à presidência dos Estados Unidos. Não se distingue, desse ponto de vista, de propostas que encontramos no mesmo sentido, à esquerda e à direita, no espectro político europeu”.

Contudo, o economista, é cauteloso. “Daí a decretarmos «o fim da globalização» vai uma enorme distância”.

“Um processo dessa natureza”, continua “radica em razões objetivas”:

  • “tecnologia”;
  • “redução drástica dos custos de transporte, tanto de pessoas como de mercadorias”

“E em razões subjetivas”:

  • “políticas, por exemplo, nomeadamente de ordem regulamentar”

“Com Donald Trump no poder, a única certeza com que podemos contar é com um conjunto de forças subjetivas que, comparadas com as do passado recente, se mostrarão muito menos favoráveis ao processo de globalização”, diz.

Por isso mesmo, Bessa diz que “será difícil” que a globalização “possa continuar a avançar, sendo mesmo previsível algum recuo, nos tempos mais próximos. E, com isso, a economia mundial crescerá menos (uma recessão é outra coisa…) e o nível de vida dos habitantes do planeta (de todos os habitantes do planeta, tanto nos países ricos como nos países pobres) também crescerá mais lentamente, se não regredir”, conclui.

Já Augusto Mateus diz que “a eleição de Donald Trump exprime muito mais um descontentamento do que uma proposta concreta e detalhada de governo. As consequências são, por isso, de difícil explicitação, para além do aumento dos riscos e incertezas que pesam sobre a evolução do mundo. A globalização não vai acabar, mas pode sofrer ajustamentos relevantes”, afirma.

“Aparentemente”, continua o economista, Trump poderá aplicar um “conjunto de medidas que visam fortalecer o papel do controlo nacional sobre os movimentos internacionais de bens, serviços, investimentos diretos e pessoas ou sobre o respetivo conteúdo ambiental e social”. Contudo, alerta Augusto Mateus, ainda nada é certo. “Não se conhece, no entanto, da parte do novo presidente norte-americano, nada de relevante sobre a globalização financeira”, conclui.

"A eleição de Donald Trump exprime muito mais um descontentamento do que uma proposta concreta e detalhada de governo. As consequências são, por isso, de difícil explicitação (...). A globalização não vai acabar, mas pode sofrer ajustamentos relevantes", afirma Augusto Mateus.

Augusto Mateus não tem dúvidas de que, seja através de Donald Trump, seja através do Brexit, “o protecionismo no mundo mais industrializado surge como uma consequência da perda de velocidade do seu crescimento e da aceleração do seu envelhecimento demográfico, associada ao rápido crescimento da produção e das exportações do mundo emergente”. Ao mesmo tempo que “as oportunidades de emprego se rarefazem enquanto as oportunidades de consumo se alargam”. O protecionismo resulta mais da “utilização do “bode expiatório” do comércio internacional globalizado, como explicação das dificuldades, do que uma proposta credível, exequível e eficaz”, conclui.

E a Europa?

Voltamos ao início e ao calendário eleitoral que a Europa tem pela frente — e que não pode ser dissociado do Brexit e da eleição de Donald Trump como 45.º presidente dos Estados Unidos.

As possíveis vitórias de projetos políticos anti-europeus como os de Marine Le Pen ou a ascensão ao parlamento da Alemanha dos irmãos gémeos da AfD, assim como desenrolar do processo do Brexit, deixam os economistas preocupados.

Ricardo Reis diz que "há uma semelhança" entre o movimento Trump e o Brexit. Ambos "assentam num discurso nacionalista e xenófobo, que usa o medo do imigrante para mobilizar e culpar o estrangeiro pelas dificuldades. Ambos apontam para uma reação contra a globalização e contra a liberdade das pessoas".

Augusto Mateus diz que “as próximas eleições na Europa, na ausência do surgimento de programas de política económica efetivamente reformadores pela inovação e pelo respeito pela maioria esmagadora da população, não deixarão de agravar as dificuldades e os descontentamentos, alimentando retóricas simplistas de ‘viragem para dentro’ sem capacidade para mudar o rumo das economias europeias, melhorando a vida das populações”, afirma.

Daniel Bessa vai mais longe. “Protecionismo, nacionalismo, anti-globalização e orientações quejandas são ‘o que está dar’, em termos políticos, sendo provável que a onda venha a ser surfada por quem”:

  • “tem razões de queixa objectivas, porque perdeu o seu emprego ou viu o seu rendimento diminuído pela globalização”;
  • “receia vir a tê-las, pouco importando como criou esse receio”;
  • “é política e ideologicamente contra o processo (com a maior seriedade pessoal)”;
  • “numa postura estritamente populista, vê nele a forma mais rápida de ascender em termos de poder político”.

No caso do Brexit, diz Bessa, “a ameaça” do protecionismo “é evidente e o retrocesso parece provável, sem que isso signifique, uma vez mais, o fim da globalização e do comércio internacional – sem o que os britânicos veriam o seu nível de vida drasticamente reduzido, para não dizer que morreriam de fome dentro da sua ilha”, afirma.

Em jeito de conclusão, o igualmente professor de Gestão afirma: “Há uma onda: não começou com o brexit nem vai acabar com a vitória de Donald Trump, sendo muito provável que se veja reforçada por estes dois eventos”.

Contudo, “a sensatez sugere que não demos a história por acabada, da mesma forma que se enganou quem a deu por acabada aquando da anterior onda favorável à globalização”.

O protecionismo, no seu entender, não é a solução. “Com o tempo, as pessoas perceberão que o fecho das economias não vai resolver o problema do desemprego nem, muito menos, vai resolver o problema de um nível de vida que se recusa a subir de acordo com as melhores expectativas. No que se refere ao nível de vida, tenho mesmo a certeza (no pouco que a Economia pode ainda ter de ciência) de que, com o protecionismo, o nível médio de vida recuará, nos países mais desenvolvidos — a começar pelos Estados Unidos e, por maioria de razão, pela Grã Bretanha”, assegura.

Corrigido o ano em que a percentagem da população mundial que vivia em situação de extrema pobreza desceu de 43% para 21%. Esta meta foi atingida em 2010 — e não em 2000, como, por lapso, tinha sido escrito.

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