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Quando Jay-Z iniciou a promoção do seu álbum mais recente, 4:44, publicou no Facebook um vídeo muito simples, em câmara lenta, com um rapaz a dançar em frente à câmara. A t-shirt que o rapaz veste também é simples, mas diz em letras brancas “stay black” (“mantém-te negro”), um modelo criado pelo designer de moda americano Willy Chavarria para passar uma mensagem positiva: “Depende sempre da leitura, mas a ideia é dizer – não percas a tua cultura, a tua identidade”, explicou num artigo publicado no El País.

Entre os dois, rapper e designer, não houve nenhum acordo sobre esta pequena aparição num vídeo que teve mais de 100 mil visualizações. Foi uma surpresa para Chavarria, que começou de repente a ter uma procura com a qual não contava, mas não é uma surpresa que ambos se cruzem num momento em que a moda assume cada vez mais uma consciência política que ecoa na cultura pop.

“Recentemente, comecei a sentir-me atormentado com o estado de coisas. A minha família na Califórnia tem sido vítima do ódio que está a ser alimentado contra os mexicanos. Parte-me o coração que tenham de lidar com isso, porque vem de uma geração que viveu o movimento em prol dos direitos cívicos. Depois de tanto esforço, e de pensar que já tínhamos feito tantas conquistas, é terrível que nos sujeitem de novo a algo tão doloroso”, acrescenta o designer, que no seu desfile mais recente, na semana da moda de Nova Iorque, também apresentou roupa com mensagens como “silence still equals death” (“o silêncio continua a ser sinónimo de morte”) e “resistance is power” (“resistência é poder”).

A moda sempre arranjou as suas formas de passar uma mensagem. Assim surgiu a minissaia, que mais do que uma forma de libertar as pernas foi uma forma de libertar as mulheres, ou as calças de ganga, uma espécie de democratização em forma de peça de roupa. Mas agora é um tempo de palavras de ordem, frases simbólicas e até, de forma mais direta, de campanha política: como aconteceu nas recentes coleções, para homem e para mulher, em que a Balenciaga incluiu o logo de Bernie Sanders, um dos candidatos à presidência dos Estados Unidos da América.

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Vogue – fazer uma pose pelo orgulho LGBTI

Ao contrário do que se possa pensar, o “Vogue” de Madonna é bastante mais do que o “Vogue” de Madonna. O estilo de dança que inspirou a cantora nos anos 90 para fazer uma das suas músicas mais icónicas, o voguing, esteve na moda bem antes disso, nos anos 70, entre os homossexuais e transexuais do Harlem, Nova Iorque. E é esse estilo que domina também a mais recente campanha da Nike a propósito da coleção BeTrue.

Mas o cunho político da campanha não se fica por aí. É que a protagonista do vídeo publicitário é mais do que uma especialista e professora de voguing – é Leiomy Maldonado, bailarina transgénero e conhecida ativista LGBTI. “Rompe as barreiras. Aceita todos os atletas. Obrigada pela oportunidade e plataforma para poder partilhar a minha história com o mundo”, escreveu Maldonado na sua conta de Instagram ao apresentar a campanha.

Não por acaso, a campanha foi apresentada em junho, mês do orgulho LGBT nos EUA, na sequência da iniciativa de outras marcas (como a coleção All Star com solas coloridas) e até no seguimento de outras campanhas da Nike com cunho político – caso da Equality, para mulheres que fazem desporto com hijab.

Também não foi há muito tempo que a Louis Vuitton assumiu uma posição política em relação à sua coleção de roupa ao convocar Jaden Smith, filho de Will Smith, para uma campanha. Nada de extraordinário até aí, já que é muito comum os estilistas convocarem celebridades para promover os seus produtos. Mas acontece que não só Jaden Smith é conhecido como um dos mais ativos defensores da fluidez de género na altura de escolher a roupa (aparece muitas vezes de vestido e faz legendas nas redes sociais sobre isso: “Vim comprar roupa de mulher. Ou melhor, vim comprar roupa”), como a campanha, apesar de ter como protagonista um rapaz, era da coleção feminina.

A primavera de 2016 trouxe Jaden Smith na campanha da coleção feminina da Louis Vuitton. © Louis Vuitton/Divulgação

Todos devemos ser feministas, até as t-shirts

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie, autora de romances como Americanah ou Meio Sol Amarelo, é muito reconhecida pelo seu trabalho ficcional, mas tem cada vez mais impacto na cultura pop pelo seu ativismo feminista – sobretudo desde que Beyoncé, um pouco como mais acima o seu marido Jay-Z fez com a t-shirt de Willy Chavarria, usou na música “Flawless” um soundbite da Ted Talk de Chimamanda sobre feminismo.

Agora basta olhar para uma das mais recentes campanhas da Dior, onde a atriz Jennifer Lawrence volta a assumir o papel central, para ver mais uma citação de Chimamanda: “We should all be feminists” (“todos devemos ser feministas”), escrito a letras pretas numa t-shirt branca, é uma das propostas da marca, mas é também um livro da escritora americana que é, além disso, um verdadeiro manifesto.

A Dior vestiu Jennifer Lawrence com a famosa t-shirt para a campanha primavera-verão 2017. © Christian Dior/Divulgação

A relação entre feminismo e moda, tratando-se de uma indústria tantas vezes colocada no papel de grande veículo da objetificação da mulher e, por isso mesmo, tantas vezes criticada pelos movimentos feministas, não se tornou intensa só agora. Por exemplo, a t-shirt com as palavras “the future is female”, que causou muito ruído a partir do dia em que Cara Delevingne decidiu passear com ela em Paris, já tinha sido imortalizada em 1975 pela fotógrafa Liza Cowan. Mas a verdade é que os slogans feministas voltaram aos desfiles de moda.

Salvar animais e ovários

Transportar a mensagem já é um bom princípio, mas há casos em que se pode conjugar a peça de roupa com um apoio mais direto a uma causa. Por exemplo, quando vir alguém com uma t-shirt onde se lê “esta t-shirt salva animais”, essa t-shirt foi comprada à União Zoófila – que a vende em diferentes modelos e cores – e o dinheiro investido serviu de facto para a associação gastar com os animais que protege.

Mais do que política, esse tipo de roupa assume um papel social mais interventivo, e há várias formas de usar esse potencial. “Sinto que a moda, sobretudo nesta era das redes sociais, pode ser uma ferramenta muito forte para conseguir apoios, mas também pode funcionar como uma plataforma para chegar a uma audiência mais vasta”, disse a artista plástica Patricia Iglesias à revista Vogue a propósito do seu mais recente trabalho: o Ovaries Project.

As t-shirts do Ovaries Project revertem a favor da Circle of Health International. © Divulgação

Quando estava a ler O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, e por coincidência, a atriz teve de fazer uma série de exames ao sistema reprodutivo e a partir daí sentiu o impulso de pintar sobre coisas que apenas as mulheres enfrentam. Depois Delfina Balda, designer de moda e sua amiga, achou que tudo aquilo se podia transformar numa coleção de t-shirts, e agora essa coleção está à venda e reverte a favor da Circle of Health International, uma iniciativa que trabalha a favor da saúde das mulheres.

“Estamos a fazer este trabalho através da arte e da moda, usando ovários lindos, e podemos carregar a mensagem no nosso corpo e a partir do nosso corpo e levá-la até à sociedade”, conclui a designer, que quer que esta possibilidade de vestir em consciência caia bem em todos os tipos de corpo, independentemente das tendências da estação.