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D.R.

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Zineb, dois anos depois do massacre do Charlie Hebdo: “Não tenho o direito de calar a boca”

Escapou ao atentado contra o Charlie Hebdo e é das mulheres mais protegidas de França. Zineb El Rhazoui falou ao Observador da sua luta contra o que chama de "fascismo islâmico".

Para os crentes, foi graças a Deus que a jornalista franco-marroquina Zineb El Rhazoui se salvou da matança de uma dúzia de companheiros e polícias no dia 7 de Janeiro de 2015 nas instalações do semanário satírico Charlie Hebdo. Para Zineb, uma ateia, foi simplesmente pelo facto de estar em Marrocos, de férias. Militante dos direitos humanos, dos direitos da mulher e defensora da laicidade, esta jornalista de 35 anos saiu entretanto do semanário, e, com uma renovada força, escreveu o livro Détruire le Fascisme Islamique (Destruir o Fascismo Islâmico). Um texto tão curto (70 páginas de uma edição de bolso) quanto frontal, no qual desmonta os argumentos de quem, perante a mínima crítica em relação ao islão, grita ‘islamofobia’ ou ‘racismo’.

Zineb não consegue ser discreta. Desde jovem que corre riscos, seja a fazer oposição ao regime marroquino, seja na forma como se veste (renegando o véu, por exemplo). Até a comer uma sanduíche se revela de enorme coragem. No verão de 2009, o grupo Mouvement Alternatif pour les Libertés Individuelles, fundado por Zineb El Rhazoui e por uma amiga, agitou Marrocos. Marcaram um piquenique em pleno dia durante o Ramadão. O objetivo era protestar contra um artigo do código civil que proibia os marroquinos de quebrarem o jejum em público. O atrevimento não chegou ao fim, porque a polícia interveio, mas Zineb não se livrou de problemas com a justiça nem com os fundamentalistas: recebeu a primeira condenação, de muitas, sob a forma de uma fatwa.

Hoje, a viver em França, continua com a cabeça a prémio.

Zineb

Destruir o Fascismo Islâmico, é o livro mais recente de Zineb

Foi ameaçada de morte. Continua a ser protegida pela polícia?
Sim, dizem que sou a mulher com mais proteção em França. Tenho várias fatwas a condenarem-me à morte, é uma espécie de palavra-passe que permanece com a pessoa. E é a prova que estamos face ao fascismo, face a um totalitarismo. E nunca aceitarei ceder para respeitar qualquer coisa sagrada que é defendida por kalashnikovs. Diria que o nosso dever enquanto espíritos livres é bater-nos contra os ditadores.

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“(Os islamistas) gritam em coro ‘isto não é o Islão’ de cada vez que há um atentado terrorista islâmico, mas ao mesmo tempo tentam impedir a sociedade de combater as manifestações da mesma ideologia criminosa que eles repudiaram hipocritamente (…) os terroristas não representam o Islão mas quem denuncia a sua ideologia é acusado de atingir a totalidade dos muçulmanos.”
pág. 15

Não deve ser fácil viver assim.
Não é nada fácil. Quer dizer que vivo sempre a minha vida, pública ou privada, com outras pessoas, com agentes que me acompanham. Não me vou queixar da proteção que recebo. Considero que pertenço a um país que protege os seus cidadãos. Tenho o dever de continuar a falar porque penso em todos os jornalistas, escritores, intelectuais e cartoonistas que têm a mesma mensagem que eu, mas que vivem em países nos quais os Estados podem ser um pesadelo para eles. Ou penso em jornalistas que trabalham em ambientes muito complicados, como por exemplo no México, onde há uma elevada taxa de assassínios. Ninguém os protege, mas continuam a arriscar a vida enquanto cumprem o seu dever enquanto jornalistas. Por isso, tendo eu esta proteção do Estado, não tenho o direito de calar a minha boca. Tenho de continuar a falar e compreender que esta proteção não é para mim, mas para a minha liberdade de expressão e para as ideias pelas quais luto.

“Numa insuportável complacência, os media ocidentais defenderam o burkini como uma ‘liberdade’ e uma expressão cultural legítima de uma parte da humanidade. Saberão ao menos que nas praias dos países muçulmanos nunca houve burkini? (…) Quem fala do pesadelo que vive uma temerária que decida deambular nas ruas de Argel, Casablanca ou Cairo de saia?”
págs. 65-66

"Dizem que sou a mulher com mais proteção em França. Tenho várias fatwas a condenarem-me à morte, é uma espécie de palavra-passe que permanece com a pessoa. E é a prova que estamos face ao fascismo, face a um totalitarismo."

Há dois anos deu-se o massacre no Charlie Hebdo. Crê que os franceses, bem como os europeus, estão mais conscientes do perigo a que chama fascismo islâmico?
Tenho a certeza de que o povo está mais consciente. As pessoas nas ruas, as pessoas com quem eu falo, sim, mas os políticos nem tanto. Parecem estar conscientes, ao repetirem que ‘agora estamos numa guerra contra o terrorismo’, etc. Mas não estão a tomar as medidas corretas. Certo, estamos numa situação em que é muito importante tomar medidas de segurança e de recolha de informações. Mas não chega. Não se luta contra o fascismo se não o encararmos como tal. Não se consegue eliminar o terrorismo com o código penal comum. No fim da Segunda Guerra, quando se quis erradicar o nazismo, não se quis apenas condenar os nazis que sujaram as mãos. O nazismo não foi tratado como um crime ordinário, mas como uma ideologia, e a Europa proibiu os nazis de darem preleções e também as manifestações pacíficas pela ideologia nazi. Para nos desembaraçarmos do fascismo temos de nomeá-lo e temos de combatê-lo ao nível ideológico e não tanto ao nível militar.

“Os crimes mais abjetos do Estado Islâmico não são mais do que um remake no século XXI do que fizeram os muçulmanos dos primeiros tempos, sob a direção do profeta.”
pág. 24

Como é que se pode destruir o que apelida de fascismo islâmico?
A primeira coisa, logo à partida, é chamar o fascismo pelo seu nome: defini-lo como um fascismo ideológico e não enquanto cultura, ou raça ou identidade étnica. É importante qualificar o fascismo islâmico como todos os outros fascismos que a Europa conheceu e de dizer que possui exatamente as mesmas características dos outros fascismos. Trata-se de um totalitarismo e, como tal, temos de nos libertar dele. Na Europa, há quem esconda os verdadeiros problemas. Começam a dizer, por exemplo, que o terrorismo é um problema social, causado pela pobreza, pelo colonialismo, por problemas psiquiátricos. Tudo isso é falso. A única maneira de fazer a desradicalização é libertar a crítica sobre o Islão. É dizer que não há motivo algum para excluir o Islão do universalismo republicano, do universalismo do pensamento. Voltaire, as Luzes, o cartesianismo, a lógica, a razão, não são exclusivos do Ocidente, são do planeta inteiro, são valores universais. Há que obrigar o Islão a respeitar as leis e os valores da razão, que são os valores da democracia ocidental.

“Negação do pluralismo social, sexismo repressivo contra as mulheres e os homossexuais, manutenção de milícias armadas, adoção de uma bandeira e de uma terminologia… o fascismo islâmico assemelha-se em tudo aos fascismos de extrema-direita tradicionais, mas vingou onde todos os outros falharam: alcançou uma respeitabilidade aos olhos dos inimigos, entre os quais a extrema-esquerda, os intelectuais, os anti-racistas, os políticos e até as feministas.”
pág. 46

"O nazismo não foi tratado como um crime ordinário, mas como uma ideologia, e a Europa proibiu os nazis de darem preleções e também as manifestações pacíficas pela ideologia nazi. Para nos desembaraçarmos do fascismo temos de nomeá-lo e temos de combatê-lo ao nível ideológico e não tanto ao nível militar."

Como é que as propostas do seu livro estão a ser recebidas em França?
Tenho recebido enorme apoio da parte de leitores e de cidadãos que estão de acordo comigo. Evidentemente que há pessoas que não estão contentes sobre o que digo sobre o Islão. São os islamistas e as suas associações, bem como os pseudo-intelectuais, que são na realidade os pregadores do Islão, bem como os idiotas úteis da política, que preferem a demagogia e a hipocrisia intelectual para lisonjearem os islamistas e para poderem manter esta visão de uma sociedade comunitária para poderem ser eleitos pelos votantes islamistas.

“Uma parte da classe política, direita e esquerda por igual, prefere ver a sociedade em parcelas de mercado comunitárias, junto das quais será mais fácil concluir compromissos democráticos para depois comprar votos em segmentos inteiros. Quem melhor que o imã de uma mesquita para dar instruções de voto?”
pág. 47

Quando é que tomou consciência dos temas sobre os quais milita?
Sou uma mulher marroquina, nasci e vivi num país que não respeita os direitos humanos nem os direitos da mulher, que está muito, muito longe de ser uma democracia, é uma ditadura. Há medo do ditador, há um medo religioso. Muito rapidamente compreendi a importância de me interessar por essas questões, que são sobre a nossa dignidade.

“O culto exacerbado da personalidade do profeta vai até à interdição de representá-lo, sob pena de morte. Aqueles que pensam que só um punhado de loucos é capaz de matar por um desenho de Maomé ignoram que, onde quer que o Islão reine como religião de Estado, a caricatura e o cartoon são reprimidos. O rei Hassan II (de Marrocos) (…) rapidamente interditou a caricatura (…) Justificou a decisão pelos mesmos argumentos de exegese que os assassinos de Charlie Hebdo: quem desenha desafia o poder criador de Alá. Hassan II morreu, mas continua a ser proibido fazer caricaturas de Mohamed VI, porque este será um descendente longínquo do profeta.”
págs. 43-44

Mas tinha que idade?
Era adolescente. Mesmo antes, quando era criança, comecei a ter dúvidas sobre a existência de Deus. É uma caminhada que começa muito cedo e que é marcada por duvidar dos valores que nos transmitem. Porque é que as leis de Deus não são justas, porque é que as mulheres estão escondidas debaixo de um manto, prostradas, sem direitos, domésticas? Comecei a fazer as minhas leituras, as minhas pesquisas. E, como não posso livrar-me da ditadura de Deus, tentei livrar-me da ditadura dos ditadores, daquele que executa a ditadura de Deus na Terra. Ao mesmo tempo, não é possível desejar uma democracia e uma sociedade democrática sem nos libertarmos da ditadura religiosa. O totalitarismo político e o totalitarismo religioso estão a par, não nos podemos libertar de um sem nos libertarmos do outro.

“Basta olharmos para os países em que o Islão é aplicado, parcial ou totalmente, para nos darmos conta do pouco caso que os islamistas fazem dos princípios universais de que os próprios se aproveitam em democracia. Em nenhuma teocracia islâmica é concedida a liberdade de consciência e de culto aos seus cidadãos.”
pág. 19

"Como não posso livrar-me da ditadura de Deus, tentei livrar-me da ditadura dos ditadores, daquele que executa a ditadura de Deus na Terra. Ao mesmo tempo, não é possível desejar uma democracia e uma sociedade democrática sem nos libertarmos da ditadura religiosa."

Tornou-se numa muçulmana ateia, o que não é muito comum.
Na verdade, quem nasce em Marrocos é obrigatoriamente rotulado de muçulmano. Não existe escolha, não há leis seculares. As leis que regulam o casamento, o divórcio ou a herança são inspiradas no Islão. A educação religiosa é obrigatória na escola, desde o jardim infantil até ao fim da escola secundária. É uma lavagem ao cérebro. Mais tarde, quando evoluí para o livre arbítrio, passei a ser uma muçulmana ateia, uma ateia de cultura muçulmana. Também há em Marrocos quem seja ateu de cultura católica. Para mim é importante referir que a civilização islâmica também produz pessoas que são livres. O discurso que se ouve hoje na Europa é que não se pode criticar o Islão, porque é racismo. Para mim, a religião e a raça são coisas diferentes. No caso do Islão, a ideologia religiosa não se deve confundir com a identidade étnica ou racial dos povos. É completamente absurdo.

“O islamista trabalha para isolar a sua comunidade, para erguer um muro de vestuário, um muro cultural, linguístico, geográfico e jurídico entre os muçulmanos e os outros, mas é ele quem acusa o mundo inteiro de o odiar.”
pág. 19

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