Como escrevi na semana passada, nem o PM espanhol Rajoy nem o actual governo catalão têm idoneidade para resolver o conflito em curso na Catalunha. E todavia este tem de ser solucionado rapidamente a fim de evitar males maiores. O problema já não é o do referendo sobre a secessão unilateral da Catalunha, ilegal tanto à luz da Constituição espanhola votada em 1978 por 90% dos catalães, bem como do regimento do parlamento catalão, mas sim o risco de um confronto mais violento ainda entre o governo central e os independentistas com consequências imprevisíveis e desde já duradouras.

Neste momento, com ou sem referendo e fosse qual fosse o seu resultado, a tentativa de abafamento policial por parte do governo central funcionou exclusivamente como uma provocação. Se esta não era suscitada de modo deliberado pelo governo catalão, como tudo indica, o facto é que a repressão não fez mais do que estimular os sentimentos nacionalistas e desencadear o protesto da rua. Como era de prever, a agitação está a ser aproveitada pela extrema-esquerda anti-europeia, nomeadamente a Candidatura de Unidade Popular (CUP), a qual garantira uma escassíssima maioria no parlamento catalão aos independentistas históricos na votação tumultuária do início de Setembro.

Não é à toa que evoco o argumento do anti-europeísmo da CUP, pois este não é – ou não era – a posição dos partidos nacionalistas. Isso mostra como as correntes de extrema-direita e de extrema-esquerda convergem para esse processo centrífugo de que a construção da União Europeia sofre desde a grande recessão de 2007. Como em relação ao Brexit, também há anti-europeístas portugueses que encontram motivos para se felicitar com o factor de desagregação que a secessão catalã constituiria para a UE.

Entretanto, os fantasmas da guerra civil espanhola povoam de novo o imaginário da extrema-esquerda. E se é histórica e politicamente errado assimilar Rajoy ao ditador Franco assim como equiparar o sistema político espanhol a uma ditadura, o certo é que Rajoy foi incapaz de resistir à presente ameaça verbal de secessão catalã, assim como já havia agravado seriamente a situação, porque isso lhe dava votos junto da direita espanhola, quando o anterior presidente da Generalitat, Artur Mas, falhou em 2014 a primeira tentativa de referendo independentista, bem mais moderado aliás nos seus termos do que o actual.

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Era nessa altura que Rajoy e o seu partido deveriam ter antecipado o que se preparava. Era então que teriam de adoptar como iniciativa prioritária rever o estatuto político e financeiro da Catalunha restringido pelo próprio governo do PP. A comissão, que agora o governo central anuncia mas teve de ser promovida pelo PSOE, deveria pois ter sido constituída imediatamente após o referendo falhado de 2014 com a missão de aproximar o estatuto de autonomia catalã das exigências da situação. Tal comissão teria de incluir, obviamente, não só os dirigentes catalães, fosse qual fosse o seu grau de independentismo, como o conjunto dos partidos representados no parlamento espanhol, a fim de o novo estatuto ser eventualmente submetido a referendo nacional.

Assim se densificaria o carácter federal da Constituição espanhola bem como das modalidades de integração das diferentes «nações», embora sem o chamado «direito à auto-determinação», o qual, nas condições históricas presentes, seria algo muito diferente daquilo que foi proclamado na ONU depois da 2.ª Guerra Mundial, a pensar então nos antigos territórios coloniais. Não é por acaso que tal direito não existe na esmagadora maioria dos países da União Europeia, do mesmo modo que o Reino Unido, caso não tivesse ocorrido entretanto o Brexit, se teria oposto à entrada da Escócia na UE se porventura a independência escocesa tivesse sido votada no referendo de 2014, mas que agora o parlamento de Londres já não concederia à Escócia…

Com efeito, se é certo que a Catalunha é hoje tudo menos uma «colónia», estatuto que aliás nunca teve, sem ignorar as suas tentativas passadas de independência reprimidas pelos governos centrais da época, não é menos verdade que o federalismo fiscal em Espanha é dos mais equitativos da Europa, compreendendo não só as autonomias mas também as províncias e os concelhos. É em todo o caso muito mais generoso do que a percentagem do PIB distribuída pelo Estado português às nossas autarquias!

Agora, porém, os dados rolaram, reavivando aliás outras pretensões independentistas, a começar pelo País Basco. Devido à política obtusa e repressiva de Rajoy e do PP, uma boa parte dos catalães pretende mais do que equidade fiscal, como o governo aparentemente lhe propõe agora em troca do cancelamento do pseudo-referendo. Agora quer a independência e a república. Da parte do actual governo central não as terá de certeza e, se as obtivesse, ficava fora da UE e num no man’s land internacional. A persistência deste perigoso enfrentamento nada auspicia de bom e não é só para a Catalunha e a Espanha — é para a Europa inteira!