Durante quanto mais tempo vamos continuar a fazer as nossas vidinhas enquanto centenas, milhares de crianças, homens e mulheres dão às nossas costas já cadáveres? Quantas mais dezenas têm que ser encontradas mortas num camião TIR abandonado numa berma de estrada para que alguma coisa aconteça? Quantas vidas desesperadas terão que se perder, porque ficam pelo caminho ou são mandadas de volta para as suas guerras, até que a Europa tenha um plano decente e o execute?

Sim, pelas piores razões o drama dos migrantes e refugiados presta-se à indignação fácil e lugares comuns respectivos. Também se presta à demagogia dos extremos. A Europa não pode ter uma política de portas escancaradas, que funcionaria como uma chamada global a milhões de pessoas que querem fugir da guerra, de regimes facínoras, de ditadores corruptos que espalham a miséria entre os seus ou, simplesmente, da fome e de uma vida sem os mínimos de dignidade.

Também não pode trancar a fortaleza, construir muros e patrulhar a costa com o único objectivo de repelir todos esses que aqui procuram refúgio.

Mas, sobretudo, não pode deixar de actuar perante uma crise humanitária que não começou apenas há um mês ou dois.

A posição de Jean-Claude Juncker, expressa num artigo publicado esta semana em vários media europeus – entre os quais o Observador – é, a esse nível, exemplar: este é o tempo de agir e não de procurar manobras dilatórias, convocando mais uma e outra cimeira para discutir o tema pela enésima vez.

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O presidente da Comissão Europeia coloca o assunto no sítio certo: o dos valores da Europa, a região do Mundo com os padrões humanistas mais elevados e que melhor trata os seus cidadãos. E os “seus” cidadãos não podem ser senão todos que cá estão.

Sabemos que os tempos são de crise, que a prosperidade e o emprego não são os de outros tempos. Sabemos também que é em tempos difíceis como estes que as propostas extremistas encontram terreno fértil para medrar, como mostram o crescimento e consolidação dos nacionalismos xenófobos que têm nos imigrantes um dos principais alvos da sua retórica política. Argumentam que os estrangeiros chegam para roubar os nossos empregos que já são escassos e para usufruir da nossa segurança social que já não chega para as encomendas.

O pior que pode acontecer a líderes políticos moderados, democratas e humanistas é ficarem reféns deste tipo de argumentação e caírem na armadilha de um pragmatismo político que é paralizante. Em nome da intenção de tentarem travar o avanço desses discursos xenófobos acabam por praticar políticas que os satisfazem.

A Europa nunca se fez de facilidades e de conformismos. Quando lutou e derrotou o nazismo na Segunda Guerra – com a fundamental ajuda americana -, quando derrubou o Muro de Berlim e reunificou a Alemanha ou quando se alargou aos países do Leste Europeu, as lideranças agiram em nome de valores intangíveis que eram mais altos do que as dificuldades terrenas imediatas. É para isso, parece-me, que servem os estadistas: para fazerem o que deve ser feito ainda que isso possa desagradar, no curto prazo, a uma parte importante dos cidadãos eleitores.

Se os argumentos dos valores, da solidariedade e do altruísmo não chegam para sustentar políticas de acolhimento e de imigração mais generosas, a envelhecida Europa deve, pelo menos, ponderar se práticas correctas de integração de cidadãos de outras paragens que a procuram não podem ajudar a atenuar o Inverno demográfico. Este é o argumento racional.

A imigração económica é sobretudo feita por jovens que, na sua larga maioria, querem trabalhar, integrar-se e usufruir de direitos, estando também disponíveis para cumprir os seus deveres.

É claro que integrar devidamente é custoso, exige método e políticas de longo prazo e, sobretudo, dá argumentos fáceis aos populistas xenófobos.

É mais fácil barrar a entrada, segregar ou desperdiçar, como fizemos na década de 90 em Portugal com milhares de imigrantes do Leste da Europa que aqui chegaram com elevadas qualificações mas que preferimos pôr a trabalhar nas obras ou em limpezas. Se aqui estavam disponíveis para trabalhar muito em tarefas braçais pouco qualificadas e ganhar pouco, uma vez que nos seus países ganhavam muito menos, para quê ter o incómodo de os colocar em empregos em que os benefícios mútuos seriam maiores? Uma ucraniana mestre em piano a ensinar no Conservatório não impressiona tanto como tê-la a engomar as nossas camisas.

Ao longo da história, milhões de migrantes fizeram os países que os acolheram e ajudaram aqueles onde nasceram com as suas remessas.

Hoje, não faz sentido que o mundo seja mais globalizado para tudo – dinheiro, bens, serviços, turismo – excepto para os cidadãos.

A resposta terá de vir de políticas de imigração responsáveis mas efectivas, o que é diferente de políticas de fronteiras fechadas ou próximo disso.

E em relação à crise humanitária dos refugiados, que é disso que se trata nos dias que correm, a Europa não pode fazer outra coisa senão ter um plano de acolhimento e de ajuda dentro e fora das suas fronteiras. Se a Europa não serve para isto, então não serve para nada.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com