A Hora mais negra, que agora anda pelos cinemas à espera de um Óscar para Gary Oldman, não é um documentário histórico, mas apenas um filme, e, como filme, pouco mais do que estimável. Mas como será visto por muito mais gente do que aquela que alguma vez há-de ler Maurice Cowling (The Impact of Hitler), John Charmley (Chamberlain and the Lost Peace), Andrew Roberts (Eminent Churchillians) ou Graham Stewart (Burying Caesar), talvez justifique algumas reflexões. Porque a Primavera de 1940 não foi apenas a origem da lenda de Churchill, mas um dos momentos que definiu o mundo contemporâneo.
Para a elite inglesa, tratava-se de saber se fazia sentido continuar a guerra, depois de Hitler ter subjugado quase toda a Europa ocidental. O filme faz, como é costume, depender a decisão de Churchill. Ao contrário do costume, porém, sugere que não foi fácil. Churchill ainda não era um herói, mas apenas um político desacreditado por trapalhadas e deslealdades. Há porém dois equívocos que o filme mantém. Ao contrário do que parece sugerir, Chamberlain e Halifax, os contrapontos de Churchill, não estavam simplesmente intimidados pelo poderio da Alemanha, nem Churchill alguma vez poderia ter apelado, para desfazer as dúvidas da elite, a uma qualquer opinião popular (que a elite concebia, aliás, como algo relevante, mas controlável através de propaganda e de administração).
Chamberlain e Churchill, cuja rivalidade prolongava a dos respectivos pais, ficaram como o contrário um do outro. Mas Churchill nunca poderia ter sido primeiro-ministro sem o apoio de Chamberlain (mais decisivo do que o do rei ou dos passageiros do metro no filme). Essa é a chave desta história. Os conservadores tinham conseguido salvar o Reino Unido da ruína da I Guerra Mundial e do colapso da ordem mundial a partir de 1929. Chamberlain, porém, sabia que mais uma grande guerra europeia, fosse qual fosse o seu desfecho, comprometeria de vez o Império Britânico e a ascendência conservadora na Grã-Bretanha. Por isso, tentara tudo para evitar uma guerra.
Churchill, um feroz imperialista e anti-socialista, não era menos apegado ao mundo conservador. Mas estava convicto de que a Inglaterra não podia tolerar um continente dominado pela Alemanha. De facto, Chamberlain pensava o mesmo. Por isso, declarara guerra em 1939, quando se tornou claro que era impossível negociar com Hitler, entretanto reforçado com a aliança da União Soviética. Em 1940, Chamberlain não cedeu por causa da retórica ou de outros apoios de Churchill, mas porque sabia que o seu rival estava certo: era impossível ao Reino Unido aceitar a situação de um Estado cliente da revolução nazi, sem negar tudo aquilo em que, enquanto conservadores, ambos acreditavam.
A continuação da guerra não foi o resultado de sondagens de opinião, mas da afirmação de uma liderança. Em 1940, Churchill não disse que se sentia em sintonia com a opinião popular, ao contrário do que o filme sugere, mas a “caminhar com o destino”, isto é, com a interpretação providencialista que um grande aristocrata como ele tinha da história do Reino Unido e do seu Império. Para Churchill, aquela era uma batalha que a elite conservadora não podia evitar, custasse o que custasse.
A hora mais negra não foi apenas um momento difícil. Foi a hora mais trágica. Chamberlain estava certo: os conservadores perderam o poder em 1945, e quando voltaram, em 1951, já não havia Índia e as grandes indústrias tinham sido nacionalizadas. O mundo imperial e conservador de Churchill e de Chamberlain desaparecera, e não o devemos confundir com o “atlanticismo” da Guerra Fria. Mas ao sacrificar esse mundo na resistência contra Hitler, Churchill conseguiu isto: associar o velho espírito da liberdade conservadora a um momento de heroísmo, e assim fazer passar esse espírito, transfigurado e desamarrado da sociedade que o cultivara, para o novo mundo – um mundo que já não o percebe, mas ainda o sente, pelo menos numa sala de cinema.