Chora-se aquele que muitos definem como pai da democracia. Seja a designação adequada ou não – e este não é certamente o momento certo para o discutir – resta a evidência de que Portugal sempre enalteceu e cobriu de flores na hora da morte os que viu como seus pais e fê-lo ainda com mais fervor quando mais dramático se adivinhava o tempos dos filhos.

Há décadas que Portugal vive aprisionado entre o imaginário do tempo dos pais e a realidade do tempo dos filhos. Os pais sonham impérios e Europas, estados corporativos e socialistas e esperam que os filhos cumpram o seu papel nesses desígnios superiores em que o regime é um fim em si mesmo.

Em 1910, acreditava-se (ou acreditavam as elites urbanas, que é o mesmo que dizer que acreditava o país) que a República regeneraria Portugal, faria de nós uma potência colonial e uma pátria ilustrada. À República não faltaram pais nem lágrimas por eles. Em 1926 triunfou a fé numa ditadura que resgatasse a República dos seus vícios e dos seus fracassos. E, claro, também o Estado Novo teve o seu pai. Em 1974 (ou mais propriamente após o 25 de Novembro de 1975) acreditou-se que a democracia faria de nós um país rico, desenvolvido, culto… E mais uma vez o regime precisou de um pai. Acabou por encontrá-lo em Mário Soares.

Depois, porque a vida sempre se cumpre, os pais morrem e os filhos organizam com cerimonial o seu luto. E organizam-no com tanto mais aparato quando sabem que dias difíceis os esperam. Difíceis pelas circunstâncias de um regime que achou que bastava legislar para erradicar os problemas. Difíceis porque os erros se repetem num mimetismo sinistro: a geração que questionou a pátria una do Minho a Timor achou que nos íamos sentir fraternalmente europeus do Algarve à Estónia. Mas difíceis também e sobretudo porque agora, ao contrário do que aconteceu no passado, mudar de regime – logo arranjar outro pai – já não é a solução.

É este o drama do nosso tempo: temos memória suficiente para saber que não devemos voltar a ser o que já fomos mas dificilmente podemos continuar ser o que somos. Agora que os militares estão nos quartéis e os golpes passaram das ruas para os ataques informáticos, os políticos usam as urnas para se tornarem nos novos pais nem eles sabem bem do quê pois os pais do que está para vir, ao contrário dos do passado, definem-se unicamente pelo que não querem: há quem não queira a UE, há quem não queira o euro…

Enquanto os jornalistas e as elites se despedem daquele que é definido como pai do regime, a grande questão é mesmo essa: será que Portugal vai procurar um novo pai? E para quê?

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