Enquanto o 25 de Novembro não possuir o mesmo estatuto do que o 25 de Abril, andaremos a admitir a existência de meias verdades na História recente de Portugal. Se celebramos a queda de uma ditadura de direita, por que razão é que não fazemos o mesmo em relação à data em que foi travada a imposição de uma ditadura da extrema-esquerda?
Não há dúvida que a maioria dos portugueses devem muito ao movimento dos capitães de Abril, que entrou na História como uma forma exemplarmente pacífica de pôr fim a uma longa ditadura de direita, dando origem à construção da democracia no país. Mas também é verdade que alguns desses militares, apoiados por um grande leque de forças políticas, travou a queda de Portugal no precipício da ditadura comunista opondo-se a outros militares “de Abril”.
Livrámo-nos de uma ditadura e alguns de nós queriam meter-nos noutra (aqui emprego nós porque, naquela altura, eu estava do lado dos que queriam lançar Portugal numa perigosa experiência política e social). Só por isso, o 25 de Novembro merecia igual tratamento do 25 de Abril. Mas como há alguns que continuam a considerar que não é assim porque fascismo e comunismo são coisas diferentes, tendo este último regime um “carácter mais humano”, até “progressista”, coloco a pergunta: qual a ditadura comunista do século XX menos sanguinária do que o regime que caiu em Portugal com o 25 de Abril?
Podem acusar-me de querer rever a História de Portugal e aceito essa acusação se se considerar que é preciso pôr fim a esta e outras meias verdades, acabar com o “partidarismo” da História, conceito defendido pela extrema-esquerda comunista para deturpá-la e justificar as maiores barbaridades. Aqui deve apenas haver um critério: a verdade dos factos.
Outra das meias verdades é o papel do Partido Comunista Português na nossa História. Ninguém põe em dúvida que essa força política esteve na vanguarda da luta contra o Estado Novo, mas isto é apenas metade da verdade porque, como é sabido, esse partido sempre lutou e continua a lutar por uma sociedade totalitária e nunca se demarcou de muitas posições vergonhosas tomadas no passado. O PCP nunca condenou a existência do Muro de Berlim, mas lamentou e lamenta a sua queda; nunca levantou a voz contra os crimes internos e externos da URSS, mas lamentou e lamenta a sua queda, como se ainda existissem dúvidas acerca de qualquer regime totalitário de extrema-esquerda.
Por coincidências ideológicas, e também por dinheiro, o PCP e o seu dirigente máximo, Álvaro Cunhal, estavam dispostos a sacrificar Portugal em prol do imperialismo soviético. E por falar em Cunhal, o critério de análise da vida e obra deste homem não deve também ficar por meias verdades. Era um antifascista, um tradutor de Shakespeare e um escritor; mas, por outro lado, era um político demagogo, autoritário e narcisista. Não suportava ninguém que lhe fizesse sombra na direcção do PCP.
Mas tudo isso poderia ser tema de discussão apenas para historiadores, não fosse a importância de alguns factos no momento actual. E o mais importante é que não se vai assinalar o 40º aniversário do 25 de Novembro da mesma forma que se celebrou o 40º aniversário do 25 de Abril. Porque será que o Partido Socialista acredita, ou quer-nos fazer acreditar, que o actual PCP é diferente, embora saibamos que os comunistas nunca reconheceram erros na sua política durante o PREC e viram no 25 de Novembro o início de uma contra-ofensiva contra as “conquistas de Abril”?
Não duvido que haja oportunismo da parte do PSD e do CDS-PP quando pretendem assinalar agora o 25 de Novembro — afinal podiam ter acordado mais cedo. Mas considero que, também da parte do PS, nem tudo é claro e transparente. A proximidade do poder parece cegar os políticos.
P.S.: Se em Lisboa existe uma Avenida Álvaro Cunhal, deveria também haver outra com o nome do dirigente soviético Leonid Brejnev, pois foi ele que mandou parar “a transformação da revolução burguesa em revolução proletária”.