Enquanto Lula espera a decisão do Supremo Tribunal Federal para saber se pode assumir o cargo de primeiro-ministro do governo da presidente Dilma, tornando-se no homem forte de um Brasil em agonia; enquanto o Brasil inteiro aguarda um ou dois meses para saber se a Câmara de Deputados abre ou não o processo de demissão (impeachment) da presidente e se o Senado apoia essa decisão; em suma, enquanto estivermos suspensos dos procedimentos constitucionais do afastamento de Dilma, as coisas não ficarão no entanto paradas. Há duas hipóteses para responder à pergunta do título: como vai o Brasil sair do impasse actual e recomeçar, eventualmente, a ser governado de novo, por quem e de que maneira?

A primeira hipótese remete a resposta final àquela interrogação para uma pergunta prévia formulada indirectamente n’O Globo de domingo passado, a saber: o que é de esperar quando um partido político de origem marxista, marcado pela experiência soviética como todos eles; com o apoio desse oxímoro que é a esquerda católica, em especial a estirpe sul-americana, a da chamada «teologia da libertação» (representada em Portugal por sectores do BE); quando estes dois pilares desiguais mas aliados e convergentes, são por sua vez amparados pelos sindicatos corporativos, como são todos e particularmente os da estirpe «getulista», bem como pela intelectualidade brasileira da esquerda anti-militar; em suma, o que acontece quando tais alianças ocorrem, como sucedeu com a formação do PT praticamente no final da ditadura militar em 1980, e quando tal partido chega ao poder pelo voto, como sucedeu com a conquista da presidência da República em 2002, repetindo-se até hoje? É lícito perguntar: vai este partido abandonar as rédeas do poder sem luta?

Tendo alguns dos principais dirigentes do PT sido guerrilheiros e prisioneiros dos militares, desde a própria presidente Dilma até ao ubíquo José Dirceu, não é de excluir uma resistência tenaz da parte de um partido feito daquela têmpera. Com efeito, o PT, embora tenha apenas 17% do voto popular (Câmara dos Deputados), tem controlado efectivamente o governo, assim como uma porção muito superior àquela do orçamento e do emprego público. Não é de excluir, portanto, que a crise o faça degenerar para uma versão sofisticada do «bolivarismo» venezuelano: a verdade é que este último já perdeu as eleições e ainda não saíu do poder…

Uma possibilidade a encarar é, pois, que o PT resista por todos os meios ao seu alcance a abandonar o poder. Em todo o caso, já mostrou ser capaz, quando precisou disso, de montar o mega-esquema de corrupção partidária, o famoso «Mensalão» pelo qual o homem de mão de Lula, José Dirceu, foi condenado. E posteriormente, já com Dilma na presidência, uma parte não despicienda da classe política – uma vez mais com o envolvimento de Dirceu – sentou-se à mesa da Petrobrás com as grandes construtoras civis para enriquecerem com o mega-processo de corrupção em curso!

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A segunda hipótese para a saída da crise seria aquela que advoga, segundo a entrevista que deu no domingo ao «Estado de S. Paulo», o antigo presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC), homem que sempre se considerou de Esquerda, expulso da universidade pela ditadura militar e exilado pela ditadura, que acabou por consolidar o regime democrático após o impeachment de Collor de Mello (1992), ao mesmo tempo que preparou o terreno económico e político para a chegada ao poder do PT através da eleição de Lula em 2002. Com a lucidez de sempre, FHC pronunciou em Julho passado na Gulbenkian uma conferência em que afastou claramente o espectro do impeachment. Mais tarde, com o agravar da crise de legitimidade do governo, chegou a evocar a possibilidade de Dilma renunciar à presidência a fim de abrir caminho a uma possível solução. Só no domingo passado se pronunciou finalmente a favor da demissão da presidente.

Nesse dia, as sondagens davam 67% contra Dilma, enquanto instituições de peso como a FIESP e outras associações patronais, mas também a Ordem dos Advogados Brasileiros, que encabeçara em 1992 o pedido de impeachment contra Collor, tomavam posição pública a favor do afastamento de Dilma e, por arrastamento, de Lula. E o que fazer se e quando Dilma fosse afastada do poder e o PT a seguir a ela. FHC, eminência parda do PSDB, já se manifestou a favor da solução constitucional da subida à presidência do actual vice, Michel Temer do PMDB, líder do grande partido ainda aliado do PT no claudicante governo. Temer parece já estar a preparar a ascensão ao topo da hierarquia do Estado brasileiro e a constituição de uma nova aliança partidária, incluindo o PSDB, com a missão de atacar simultaneamente a reforma política e a profunda crise económica.

O Brasil não vai deixar de ser o Brasil, mas a conjunção da corrupção desbragada com a brutal recessão económica funcionou como o multiplicador da crise gerada pelas eleições presidenciais de 2014. O PT ainda falou de «uma grande reforma política» mas revelou-se incapaz de abrir mão do autoritarismo e da demagogia populistas. Uma mega-crise como esta já não tem solução com a actual aliança presidencial. É sem dúvida necessária outra e não é impossível alcançá-la no quadro da Constituição, se necessário para actualizar esta última posteriormente. Neste sentido, a situação de Portugal, da Espanha e da Grécia não é tão diferente do Brasil como possa parecer!