Todos sabemos que a esmagadora maioria dos pais dedica mais tempo ao trabalho do que aos próprios filhos. É a vida. Os que têm a sorte de ter trabalho, trabalham em full-time e são pais em part-time. É o sistema.

Para compensar o déficit em que se sentem perante os filhos, muitos pais excedem-se e fazem coisas por eles que talvez não fosse preciso fazer. Os sentimentos de culpa são muito empobrecedores e, devido a estes mesmos sentimentos, acabam por dar em excesso numa tentativa de cobrir o déficit.

E o que é que damos em excesso? Coisas. Gadgets. Bens materiais. Atenções e gentilezas por vezes dispensáveis. Os pais modernos são capazes de carregar a mochila dos filhos até à sala de aula para os aliviar dos pesos, mas nem sempre conseguem desligar o seu próprio telemóvel em casa para lhes aliviar o dia e terem mais tempo de qualidade com eles. Também lhes enfiam bolos, chocolates e doces na lancheira, mas nem sempre esse cúmulo de mimos tem expressão no quotidiano familiar.

Como referiu Eduardo Sá num primeiro grande encontro sobre Educação, promovido pela Direcção de Cultura e Serviço de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, “muitas das nossas crianças e jovens trabalham das 8h às 8h e cumprem horários de 55/60h semanais”, ou seja vivem praticamente desprovidos de tempo para brincar, para descansar, para se distraírem. Os recreios, a partir de certas idades, são escassos e há demasiados jovens com 5’ de pausa entre aulas expositivas de 90’. Uma barbaridade.

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Provocador, Eduardo Sá diz que se continuarmos neste ritmo, e neste registo, corremos o risco de estar a contribuir para criar uma linha de montagem de jovens tecnocratas de fraldas e de mochilas, uns desde o berço e outros a partir do primeiro ciclo, mas todos na mesma lógica. É assustador e não está assim tão distante da realidade como gostaríamos. Senão vejamos.

Alguns dos excessos que os pais cometem por amor aos filhos têm a ver com a exigência precoce da aprendizagem. A procura dos melhores colégios e escolas é legítima e boa, note-se, mas muitas vezes revela-se demolidora no sentido em que exigem logo no pré-escolar que os filhos aprendam a ler, para chegarem à escola já na linha da frente e, daí em diante, obterem a pole position das notas de forma a garantirem sempre um lugar no podium e recolherem os respectivos louros académicos. Tudo isto numa ânsia brutal para chegarem ao mercado de trabalho altamente qualificados de modo a ascenderem às primeiras linhas das empresas e organizações.

O excesso de pressão e o amontoado de expectativas que os pais têm sobre os seus filhos dão origem a muita frustração mútua e a grandes desvios de rota. Os filhos querem, gostam e precisam de coisas completamente diferentes daquelas que os pais pensam ser as melhores para eles, e nem tudo corre bem. As expectativas, de parte a parte, nem sempre são realistas. Muito pelo contrário!

Em idades escolares acresce a tudo isto uma outra exigência: os TPC. Enquanto para uns são uma verdadeira abominação, para outros são o que têm que ser. Pais, filhos e professores nunca se entenderam quanto aos TPC e desconfio que nunca se cheguem a entender enquanto não houver bom senso.

António Quaresma, investigador e professor do primeiro ciclo, outro dos oradores deste encontro sobre Educação, deu um enquadramento histórico, por assim dizer, e recordou que os TPC faziam especial sentido nos tempos em que a escola tinha horários duplos. Nos anos 60 e 70 as crianças e jovens iam à escola pública de manhã ou de tarde, mas não passavam lá o dia nem traziam de lá mil e um afazeres que trazem hoje e os massacram, mas também esgotam os pais em casa.

Os TPC serão sempre um eterno dilema e mesmo os que são radicalmente contra ou extraordinariamente a favor convergem na compreensão do seu potencial: reforçar matérias e competências, criar hábitos de estudo e, sempre que possível, envolver os pais ou quem os substitui no acompanhamento escolar das crianças e jovens. Acontece que nos dias que correm facilmente os TPC se revelam excessivos, ou desfasados, na medida em que acabam por ser feitos entre berros e correrias, numa agitação erosiva, numa tensão insuportável e num stress brutal. É a realidade.

Mais ou menos torrenciais, conforme o entendimento dos professores e educadores, os TPC merecem uma boa discussão pública e quase uma regulamentação, pois se há quem exagere na conta, também há quem desperdice talentos na poupança, só pelo facto de evitar os trabalhos de casa.

Sobre tudo isto e muito mais se falou durante uma tarde inteira perante uma plateia de centenas de pessoas onde havia pais, filhos, professores, educadores, psicólogos e investigadores. Maria João Craveiro Lopes, doutorada em Ciências da Educação e muito habituada a remar contra a maré por apostar na educação pelas artes, garantiu o que alguns já sabem: é possível ensinar Matemática, Geografia, Línguas e todas as matérias através da arte.

Susana Gomes da Silva responsável por toda a programação educativa do Museu Gulbenkian, reforçou esta certeza sublinhando que só podemos ensinar depois de perceber o que é que as crianças já sabem. E isso implica ouvi-las, conhecê-las, tê-las em conta e ajudá-las a encontrar sentidos novos na aprendizagem diária. “O que levas para casa hoje?” foi a pergunta que ficou a fazer eco em Susana, desde que o professor que mais a influenciou na juventude lhe ensinou que se aprende melhor aquilo que é significativo na vida de cada um. É uma pergunta que devia ficar a fazer eco em nós, também.

Voltando ao início, à inquietante certeza de que passamos mais tempo no trabalho do que com os nossos filhos, e à angustiante realidade das crianças e jovens que trabalham entre 55 e 60h semanais (contando com actividades dentro e fora da escola, mais os transportes e menos os intervalos ou pausas para brincar) Eduardo Sá deixou vários desafios interpeladores, mas um deles bate mais certo com as reivindicações sindicais dos crescidos, quando lutam por horários laborais de 35h semanais: brincar é património da humanidade, todos têm direito a poder brincar e esquecer a escola durante algumas horas por dia!

Sem moralismos nem artificialismos (e, muito menos, pistas infalíveis) vale a pena ouvir José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, citado neste encontro por António Quaresma, quando diz que “temos uma escola do séc. XIX, com professores do séc. XX, para alunos do séc. XXI”. O desfasamento é chocante e fracturante. Devia ser motivo de preocupação de pais, educadores e professores mas, de uma forma especial, dos legisladores a quem cabe promover colaboração e complementaridade entre todos. Só assim se chega ao podium. Só assim se conseguem níveis de excelência e competitividade. Só assim se percebe que só avança quem descansa*.

* (Só avança quem descansa é o título de um livro de Vasco Pinto de Magalhães)