Portugal é um país profundamente conservador. Repito e esclareço: um país conservador e não me refiro só a políticos, partidos e pessoas; refiro-me aos portugueses. A mim, aos leitores, a todos nós, os cerca de dez milhões que vivem neste jardim à beira mar plantado (há quanto tempo não ouvíamos esta expressão?).
O conservadorismo também emigra: os nossos compatriotas além-fronteiras (mesmo se já não há fronteiras na Europa) transportam consigo o fatalismo e o conformismo atávicos apreendidos no berço. Felizmente, demonstram também outras características do nosso povo, a capacidade de adaptação a ambientes adversos e uma qualidade profissional que surpreende anfitriões e sobretudo os próprios portugueses. Um país conservador, que resiste à mudança: só assim se explica, num Mundo e numa Europa em que emergem a cada momento novas forças políticas, entre propostas radicais e movimentos de cidadãos, que entre nós a alternativa de governação continue a ser… PSD e PS (mais o PP/CDS, mas isso é outra conversa). Como no início de 80 (com a excepção de curta vida do PRD e PPM), nos anos 90, e em todo o século XXI até hoje.
É um cenário político curioso. À esquerda parece só existir o PS, que não se coliga com ninguém ou com quem ninguém se coliga desde os anos 70, aquando do governo PS/CDS de Soares; depois, o mais que sucedeu foi o apoio pontual, também do CDS (e não do PP, que sendo o mesmo partido é completamente diferente), para fazer passar orçamentos de governos minoritários: aconteceu no 1º de Guterres e, na versão individual, com os 2 liminanos, de 2001 e 2002. Fora esses casos, os socialistas ou governam com maioria absoluta, caso único do primeiro governo Sócrates, ou em minoria, como na versão suicida do seu 2º governo e nos 2 de Guterres, com empate nos deputados do segundo, o XVI constitucional.
Entre os dois partidos da direita as diferenças são grandes. Como o PS, o PSD aspira sempre ao governo e governa sozinho com maioria absoluta, ou com o apoio, ante ou pós-eleitoral, do PP: houve a AD (incluindo fugazmente o PPM), o governo Balsemão (idem, CDS e PPM) e os de Barroso e Passos. É a aliança mais natural e habitual, já anunciada como coligação eleitoral para as legislativas do Outono deste ano. E houve ainda o Bloco Central: uma só vez, entre 1983 e 1985, durante 2 curtos anos, os 2 grandes partidos do regime entenderam-se e governaram juntos. A democracia portuguesa enfrentou uma das suas piores crises e superou-a, aderindo à CEE no final desse período de governação “consensual”.
A história da democracia constitucional em Portugal e o papel dos partidos políticos está por fazer, mas valerá a pena reflectir sobre o percurso acima grosseiramente esboçado para uma 1ª conclusão: fora do contexto de grandes desígnios – ou crises – nacionais, os poucos governos minoritários (ou sem apoio maioritário, como quiserem) foram socialistas e tiveram vida difícil e curta. Foi o caso dos segundos governos Guterres e Sócrates. Minoritários com vida longa – ou prolongada – só os de Cavaco Silva ou Guterres no primeiro mandato: estava em causa a adesão à CEE, no primeiro caso, e ao euro, no segundo. Neste último, foi notório o apoio (ou a abstenção construtiva, permitam-se abusar da expressão) por parte do PSD liderado na altura por Marcelo Rebelo de Sousa, a permitir a passagem de sucessivos orçamentos com o argumento do interesse nacional.
Valerá então a pena revisitar a sugestão de há uns anos de Marques Mendes, defendendo que “devia ser proibido um governo minoritário” em Portugal, o que só pode ser imposto com alteração da Constituição? É possível? E será desejável? Sinceramente duvido, em ambos os casos: e isto porque, com o conservadorismo vigente a impor um rotativismo governativo há quase 40 anos, não há da parte dos partidos envolvidos vontade política para discutir essa possibilidade com possibilidade de êxito; e, em segundo lugar, porque mais do que impor à força governos maioritários, o que me parece verdadeiramente importante é a renovação do sistema político, dos partidos e dos políticos. Ou seja, o contrário do que sucede em concreto.
Não falei dos restantes partidos, a começar pelo PCP, cuja presença na vida política portuguesa é uma espécie de mistério embrulhado num enigma. Nem do Bloco, aparentemente condenado a ser uma alternativa sem futuro (ou é desta que o PS…?). E dos outros, de que não reza a História (mesmo dos novos, Livre e quejandos?).
Os portugueses, no fundo, encaram a política como o futebol: 2 ou 3 grandes com aspiração a campeões, e os demais na luta pela manutenção. De vez em quando, como este ano, aparecem a tentar conquistar um lugar na 1ª Liga algumas equipas vindas do nada que, a conseguirem-no, por ali se manterão uns anos até voltarem a uma irremediável não relevância (o PRD?). A futebolização da política deu nisto: Benfica, Porto e Sporting… perdão PSD, PS e PP disputam os lugares que dão acesso à governação, os restantes tentam sobreviver no Parlamento. O governo é o prémio maior – a conquista da Liga -, mas de vez em quando ganha relevo a Taça de Portugal – perdão, a Presidência da República – e há até portugueses capazes de competir nas competições internacionais (Durão, Guterres?).
A política portuguesa é um constante futebol. Alimentam-na jornais e televisões ávidas das notícias da pequena política, dos escândalos pequenos ou grandes servidos aos (também) ávidos leitores com o molho da vida pessoal dos protagonistas, aliás quase sempre os mesmos. Pelo meio emergem dramas, pessoais ou políticos, relacionados com corrupção, tráfico de influências, más práticas, nepotismo, abuso de poder. Mas os actores permanecem os mesmos; muda o calendário, mudam os desafios, muda a Europa e o Mundo, e em Portugal tudo continua a girar em volta de alguns nomes conhecidos.
Cavaco Silva, Passos Coelho, António Costa, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa, Marcelo, Rui Rio e alguns outros: quantas décadas de militância, de protagonismo, quantos milhares de caracteres nos jornais e agora nas redes sociais? Os poucos rostos novos, de homens e mulheres (muito mais aqueles do que estas) são insuficientes para gerar a mudança. Um país, como as pessoas, tem de se reinventar em permanência, para não ser ultrapassado pelo que à sua volta se vai modificando. Todo o Mundo é composto por mudança, escreveu o poeta.
A longo prazo, podemos esperar que os protagonistas se reinventem ou sejam substituídos por caras novas, com novo dinamismo; que instituições e partidos se renovem, com propostas novas e programas coerentes e factíveis (que acabem as “promessas incumpríveis para ganhar eleições”, por exemplo); que haja mais programas “out of the box”, capazes de projectar Portugal para níveis de competitividade compatíveis com os tempos actuais. A curto prazo, o quê? Talvez novas alianças e, porque não, a proclamada política do consenso tão insistentemente reclamada por Cavaco Silva, e a que Rebelo de Sousa voltou a fazer referência, com os partidos principais, os tais que jogam para o título, a aliar-se para enfrentar a complexa situação actual, da União Europeia e da crise do euro à ameaça jihadista, passando pela imigração ou o TTIP.
Portugal terá um dia de mudar, para que nada fique na mesma. Ou não, caso em que tudo ficará muito pior.
PROFESSOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA