Porque falham as nações” devia ser a nossa bíblia. O problema nos bancos, o fim da PT, os défices públicos excessivos e o endividamento do país convergem todos para uma conclusão: as nossas elites são incompetentes ou são medíocres, cobardes ou populistas. Não temos populismo porque ele já por cá anda há muito tempo. Enquanto se engana o povo com papas e bolos, há um grupo, basicamente o mesmo, que nem o 25 de Abril de 1974 destruiu, que atravessa todos os partidos e que extrai rendas da sociedade. Quando já não há mais nada para parasitar, chama-se as “troikas” e há um menu variado para essas elites: fogem para o Brasil, fazem desaparecer o que têm para não pagarem as dívidas ou vendem as suas empresas aos estrangeiros.

O caso da PT, agora relembrado por causa do fim das marcas, é o exemplo mais completo dessa parasitagem disfarçada de “interesse nacional” e de “centros de decisão nacionais”, expressões que ao longo dos últimos anos foram narrativas para encher os bolsos de alguns com o aplauso do público. É impressionante que parte do país ainda se deixe arrastar por discursos de interesse nacional, que são basicamente interesses privados, quando ainda há memória viva do que passaram no Estado Novo, com o sacrifício de uma geração marcada por uma guerra em África que estava perdida, pelo exílio ou pela prisão por razões políticas. Por vezes parece que o fascismo saiu de Portugal mas Portugal não saiu do fascismo. Mais uma vez e provavelmente porque as elites não são muito diferentes.

O caso da PT está relatado no livro “A implosão da PT” de Alexandra Machado e Alda Martins. Tivemos de tudo. Políticos que actuaram por acção ou omissão, gestores que se deixaram mandar sem coragem para dizer “não” e accionistas que usaram a PT para manter o poder e garantir um rendimento que não tinham, como foi o caso da família Espírito Santo. Foi um tempo de poder com muito poucos a terem coragem de criticar o que se ia vendo e percebendo na PT. À sua volta pululavam os mais variados grupos, uns criados pelo accionista de referência, o GES, outros alimentados pelo próprio Estado. E a eficaz máquina de comunicação fazia o resto. Hoje é fácil criticar, mas muitos dos que o fizeram no passado sofreram com isso.

Uma das lições a tirar do caso PT é que a empresa, feita de trabalhadores e da sua organização, conseguiu resistir aos danos que lhe foram infligidos pelas lideranças. O facto de a Altice ter comprado a PT revela isso mesmo: a empresa sobreviveu à parasitagem de que foi alvo. Ter sido comprada, estar a funcionar e a integrar-se agora numa marca global que se posiciona, exageradamente ou não, como um jogador ao nível do Facebook e do Google, acaba por ser um destino positivo. Porque a alternativa era o seu colapso arrastada pelos accionistas brasileiros que eram o espelho, para muito pior, dos seus parceiros portugueses.

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A PT até podia ter sido vendida à mesma, num cenário alternativo em que os seus accionistas e os governos tivessem feito tudo de acordo com as regras de criação de valor e não de parasitagem e ganância. O mais certo é que isso viesse a acontecer face à tendência de concentração do sector das telecomunicações. Mas todos teríamos ficado melhor: os accionistas poderiam ter acumulado mais capital para investir noutras áreas, por exemplo, ou teriam posições mais reduzidas na empresa.

Quando pensamos nas razões pelas quais Portugal não consegue acumular capital – tanto acesso a riqueza que já tivemos na nossa história – conseguimos perceber, pelo caso da PT, algumas dessas causas. A esmagadora maioria das nossas elites não são líderes que criam valor, comportam-se como novos ricos, vivem verdadeiramente acima das possibilidades. E nós deixamos, andamos à volta deles.

O que se passou nesta última década e meia em matéria de finanças públicas é outro dos exemplos da falta de elites aqui, reforçado pelo populismo político. Nos 18 anos de união monetária, andámos 15 a entrar e a sair do Procedimento por Défices Excessivos. E de cada vez que saímos parece que tudo fazemos para voltar a entrar, anunciando medidas que, ou significam mais despesa, ou menos receita. Andamos em círculos, sem ter aprendido nada. Vejamos os casos.

“Trata-se de uma grande vitória para Portugal”. Quem disse isto? Não, não foi este mês de Maio de 2017. A declaração é do ex-primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso, a 28 de Abril de 2004, quando anunciou a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) em que tinha entrado em 2002. Quando tomou posse acusou o Governo do PS de António Guterres de ter deixado “o país de tanga” e pediu ao então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, para avaliar as contas públicas. E assim Portugal foi o primeiro Estado-membro do euro a violar o Pacto de Estabilidade.

O que prometeu Durão Barroso logo nessa Primavera de 2004? Aumentos aos funcionários públicos. A decisão da Comissão Europeia, disse, vai agora permitir “aumentar os salários da generalidade dos funcionários públicos, já no próximo ano” como se pode ler na notícia da altura aqui. Rumou depois para a Comissão Europeia, não ficou para cumprir a promessa.

Um ano depois, no Outono de 2005 Portugal regressa aos défices excessivos, agora pela mão do governo do PS de José Sócrates. O guião foi o mesmo do seguido pelo PSD: pediu ao governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio para analisar as contas públicas e chegou à mesma conclusão: agora tinha sido o PSD a deixar défices escondidos. Levámos três anos a sair deste processo. Em Março de 2008, com a primeira notificação do INE José Sócrates congratula-se com os resultados e anuncia a descida do IVA, de 21% para 20%, como veio a acontecer a 1 de Julho de 2008. Ainda antes da decisão do Conselho, que só aconteceu a 3 Setembro de 2008, escassos dias antes do colapso da Lehman Brother’s que agravou ainda mais a crise financeira que se desenhava desde o Verão de 2007.

Depois foi o que ainda nos lembramos bem. A nacionalização do BPN a 1 de Novembro de 2008, uma crise financeira que se transformou numa crise de dívida na Zona Euro e em 2010 Portugal estava outra vez em Procedimento por Défices Excessivo, o terceiro em escassos oito anos (2002 foi o primeiro). Estamos agora a sair desse longo processo, em 2017. Dia 22 de Maio de 2017 a Comissão recomendou a saída do défice excessivo, mais de sete anos depois e esperando-se agora a formalização por parte do Conselho.

Algumas palavras de celebração são as mesmas (“Foi um vitória de Portugal, dos portugueses”). Era bom ter a certeza que não se vai cair no mesmo erro do passado, festejando o rigor passado com indisciplina financeira.

O primeiro-ministro António Costa deixa-nos a promessa de não nos fazer passar por outro processo tão “traumático”. Pode estar a referir-se à era da troika mas podia perfeitamente apontar para os décadas de políticas orçamentais erradas desde a era de Cavaco Silva.

Embora António Costa esteja a ser prudente e Mário Centeno tenha até introduzido no seu discurso mensagens mais assertivas de rigor orçamental, é preciso ver para crer. A única coisa que pode evitar que o Governo caia na repetição do passado, na tentação do bodo aos pobres mesmo sem dinheiro, é o travão da dívida pública associado ao novo objectivo de subida do ‘rating’.

Mas olhando para trás não temos razões para ser optimistas. O exemplo da PT –a que se soma, entre outros casos, o BPN, o BES, os empréstimos a falsos empresários que agora afinal nada têm para pagar as dívidas – e a gestão que se fez do dinheiro do Estado, tudo se conjuga para olharmos para o futuro com cepticismo. A probabilidade de voltarmos a cometer os mesmos erros é enorme, mesmo que agora as elites tenham menos ferramentas para se enriquecerem a si próprias, empobrecendo o país – afinal boa parte das empresas estão em mãos estrangeiras.

Vivemos décadas de lideranças que são na melhor das hipóteses incompetentes e, na pior, medíocres, cobardes ou populistas. Por isso é que a educação e a formação, a participação cívica são tão importantes. Porque precisamos de ser mais exigentes connosco e com os outros. Parece moralismo mas não é. Um país desenvolvido não se faz a mexer em impostos e subsídios, a construir com betão ou cimento isto ou aquilo. Como se viu pelo nosso passado recente. Era bom que esta fosse verdadeiramente a hora do desenvolvimento.