Pedro Soares, do Bloco de Esquerda, não poupou nas palavras nas violentas críticas que dirigiu ao Governo por causa do flagelo dos fogos florestais: “Este é o terceiro pior ano dos últimos dez em matéria de fogos florestais. Já ardeu uma área de 28 780 hectares, quando, no ano passado, por esta altura, tínhamos 7 575 hectares ardidos”. Antecipando as habituais justificações com base em condições meteorológicas extraordinárias, acrescentou taxativamente: “Sabemos que as condições meteorológicas constituem uma variável importante no número de ocorrências de fogos florestais, mas não é legítimo responsabilizar apenas as condições meteorológicas como o Governo está a tentar fazer”.
Por isso o responsável bloquista declarou, em tom grave, que “a incompetência do Governo não pode encontrar justificação na meteorologia”, salientando: “Sabemos que a região sul da Europa e Portugal têm condições da floresta e meteorológicas propícias para a deflagração de incêndios, mas compete a um Estado competente colocar um dispositivo no terreno que permita contrariar os efeitos, tanto ao nível do ataque direto como da prevenção”.
Faltou apenas acrescentar que as declarações de Pedro Soares são de uma notícia de 12 de Agosto, mas de… 2015. Um exemplo, entre muitos, das duras críticas dirigidas ao Governo por parte dos partidos mais à esquerda há apenas um ano atrás. Já em Agosto de 2016, com mais de 93.000 hectares consumidos pelas chamas em Portugal e situações calamitosas em vários pontos do país, as declarações são bem mais brandas e as críticas muito mais contidas.
O que poderá justificar esta flagrante e desavergonhada duplicidade de critérios? A resposta mais provável é estarmos perante mais uma manifestação do “efeito geringonça”. Como oportunamente assinalou Maria João Marques, aparentemente os incêndios socialistas queimam menos do que os outros, embora os últimos vestígios de consistência e integridade moral da extrema-esquerda tenham sido prontamente consumidos pelas chamas.
Por parte do Governo, o panorama também não se recomenda. Numa demonstração espectacular de mau timing e falta de tacto, o ministro do Ambiente João Matos Fernandes ainda há poucos dias achou por bem destacar a “redução muito significativa” da área ardida em comparação com “anos anteriores”. Um risco que não correu a ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa que prudentemente evitou pronunciar-se sobre o assunto enquanto estava no Algarve.
Relativamente à questão de fundo dos incêndios e suas causas, não tenho muito a acrescentar ao que outros já escreveram, nomeadamente José Manuel Fernandes e Henrique Pereira dos Santos, que alertaram para o excesso de investimento no combate a incêndios em contraste com a ausência de políticas eficazes, ambientalmente racionais e economicamente sustentáveis para a sua prevenção. Ou às pertinentes conclusões da dissertação de mestrado de Ascenso Simões, ex-secretário de Estado de António Costa na Administração Interna, que reconheceu em 2014 que deixar cair o plano que apostava na prevenção contra incêndios em 2005 foi um “erro grave”.
Infelizmente, o mais provável é que nos próximos tempos se vá enterrar ainda mais dinheiro público nas estratégias falhadas que nos conduziram até aqui – para gáudio dos lobbies que delas beneficiam. O que tristemente é notório neste Agosto de 2016 em que vastas zonas de Portugal sofrem o flagelo de incêndios florestais descontrolados (no momento em que escrevo, no Porto há fumo no horizonte em todas as direcções e o ar está carregado de cinzas) é que com a “geringonça” Portugal arde mais docemente.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa