“Se votarem em partidos que não respeitam os princípios fundamentais da União Europeia, isso afectará as relações com os outros países”. Foi assim que, em 2000, António Guterres, então primeiro-ministro de Portugal e presidente em exercício da UE, se pronunciou sobre o facto de a coligação que governava a Áustria passar a integrar um partido de extrema-direita, o FPÖ.

Em 2000 chegou mesmo a falar-se em suspensão da Áustria dentro da UE e foram aprovadas sanções contra aquele país: além da suspensão dos contactos políticos bilaterais, os 14 parceiros da Áustria na UE decidiram não apoiar qualquer candidatura austríaca a cargos internacionais e restringiram ao “nível técnico” todos os contactos com os embaixadores de Viena nas 14 capitais. “Uma lição para o mundo” – explicava Guterres a quem tivesse ainda dúvidas sobre a determinação da UE em combater a afronta da entrada do FPÖ no governo da Áustria.

Quando em Fevereiro de 2000 teve lugar em Lisboa uma reunião dos ministros dos Assuntos Sociais da União Europeia, a presidência portuguesa decidiu manter o convite à ministra austríaca mas foi suspensa a parte social da reunião de modo a que nenhum dos outros ministros passasse pela constrangedora situação de ser visto ao lado da senhora. Mesmo assim houve quem, como a então ministra belga do Emprego, discordasse da brandura da posição portuguesa e anunciasse que em Lisboa consideraria a sua homóloga austríaca “inexistente”. Ou seja, não a cumprimentaria nem lhe falaria. Já o então Presidente da República portuguesa, Jorge Sampaio, transmitiu ao seu homólogo austríaco a decisão de adiar a visita de Estado àquele país “em conformidade com as decisões do Governo português”. Dentro do mesmo espírito, os Madredeus cancelaram o concerto que tinham agendado para Março desse ano em Viena. Quanto aos jornais portugueses, estes ferviam de indignação com a presença da extrema-direita num governo da UE. As recordações dos massacres perpetrados pelos nazis eram um ponto obrigatório nos textos de opinião e reportagens dedicadas à Áustria nesse ano de 2000. Isto para nos ficarmos apenas pelas manifestações de repúdio dentro de portas, porque pelo mundo elas abundaram e sobraram.

O nome do líder do FPÖ, Haider, que nem sequer fazia parte do governo para evitar maior crispação internacional, não podia ser pronunciado sem dois ou três adjectivos pejorativos (depois Haider foi ligeiramente reabilitado quando passou a dizer mal de Bush, mas essa é outra história).

Quinze anos depois, na Grécia, a extrema-esquerda e a extrema-direita formaram um governo. Se já estamos habituados a que o totalitarismo da extrema-esquerda seja negligenciado, tratado quase como se não passasse de um traço distinguée – logo nem em sonhos se poderia supor que a eleição do extremista Tsipras gerasse uma reacção similar à gerada pela entrada do FPÖ no governo austríaco ou que alguém referisse os massacres levados a cabo pelos ídolos ideológicos do novo primeiro-ministro grego – o que não esperávamos, ou pelo menos eu não esperava, era ver como a extrema-esquerda lava branco tão branco que não se lava apenas a si mesma, como também lava a extrema-direita.

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