Ariana Grande voltou a Manchester duas semanas depois do atentado que fez 22 vítimas mortais à saída do seu concerto. A cantora não hesitou em voltar ao local do crime para dar um espectáculo em honra das vítimas, mas o seu público também não hesitou em corresponder ao gesto, e os 50 mil bilhetes para o concerto esgotaram em seis minutos. Muitos dos que pagaram para a ouvir tinham lá estado no dia do atentado e ficamos a conhecer a história de jovens fãs corajosos, um deles internado no hospital que saiu directamente da enfermaria para a arena, para também prestar tributo aos mortos e ser solidário com os feridos. Ariana angariou muito dinheiro para apoiar as famílias das vítimas, apesar de este seu concerto ter acontecido poucas horas depois do segundo atentado terrorista, desta vez em Londres.

Ariana Grande não esteve em palco apenas com a sua banda. Desafiou músicos como Robbie Williams, Justin Bieber, Coldplay, Katy Perry e Miley Cyrus, entre outros, a estarem com ela. Eles corresponderam e, juntos, cantaram a esperança e celebraram a coragem. Todos vimos e ouvimos, não podemos ignorar.

Por cada má notícia há e haverá sempre pelo menos uma boa notícia, também sabemos isso. Os media podem não se ocupar das boas notícias tanto como se ocupam das más, mas isso não quer dizer que só haja más notícias. Muito pelo contrário! Basta recuarmos ao dia 11 de Setembro de 2001 para recordarmos o que aconteceu imediatamente a seguir ao holocausto: um mar de gente, ou melhor, um oceano de voluntários acorreram ao Ground Zero, dispostos a arriscar a sua própria vida ou, no mínimo, a comprometer a saúde dos seus pulmões a troco de resgatar vidas e socorrer vítimas e famílias.

Embora as televisões de todo o mundo continuassem a transmitir as imagens das torres gémeas incendiadas, a ruírem após o embate dos aviões terroristas, havia outras imagens para mostrar. Nomeadamente as da onda de solidariedade que se gerou, bem como os testemunhos de coragem de todos os que se empenharam no resgate de vidas e bens. As Torres caíram apenas uma vez, mas a repetição das imagens, em loop televisivo, davam a ideia de que o ataque continuava a acontecer. Debaixo do choque, o mundo assistiu mil vezes à queda das torres e às terríveis imagens dos mais desesperados que se atiraram pelas janelas. Percebo e não me ocorre julgar ninguém porque todos tínhamos necessidade de perceber que aquilo era mesmo verdade, de tal maneira a realidade ultrapassava a ficção, mas já não me faz sentido que não se tivesse dado o mesmo tempo de antena às imagens dos que salvaram e reconstruíram.

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Em tempos como estes, tão marcados pela perversidade de estruturas e movimentos extremistas que formam terroristas e activam bombistas suicidas, é preciso dar ainda mais atenção às notícias resgatadoras. Tudo o que se constrói no mundo, constrói-se pela esperança! E a esperança só é possível se consolarmos os que sofrem, se ajudarmos os que perderam tudo, se estivermos atentos e próximos dos que foram ameaçados ou destruídos. As boas notícias também são notícia, não podemos esquecer-nos disto. Nem podemos confundir boas notícias com notícias fúteis. Essas pertencem a outra casta e são dadas em modo torrencial por revistas e meios de comunicação perfeitamente identificados. Não há que enganar.

Boas notícias são notícias como esta do segundo concerto quase imediato de Ariana Grande, mas também outras que felizmente as redes sociais acabam por tornar virais, tal é a sede de esperança e a fome de relatos que fazem acreditar que o mundo ainda é um lugar possível. Sempre existiram e hão-de continuar a existir pessoas em quem podemos confiar, gente capaz de nos elevar a outros patamares, homens e mulheres cuja marca é a humanidade.

Nos atentados de Paris chocaram-nos os acontecimentos, mas também nos surpreenderam algumas reacções. Falo do homem que perdeu a sua mulher grávida e escreveu uma declaração-de-não-ódio aos terroristas para que nem ele, nem o seu filho pequeno, que ficou órfão, ficassem para sempre reféns deste mesmo ódio. No rescaldo dos atentados de Paris houve outro pai e outro filho que declararam a paz, quando podiam ter perpetuado sentimentos de guerra e retaliação. Falo do pai que explicou tranquilamente ao filho que “os terroristas têm as armas, mas nós temos as flores e as velas”, ajudando-o a distinguir valores e motivações, fazendo-o perceber que trazemos em nós a capacidade de recomeçar tentado fazer a paz, em vez de perpetuar a guerra.

Se, por um lado, os atentados são sempre uma realidade que ultrapassa a ficção, estas respostas e reacções também têm o mesmo impacto. Ninguém espera, ninguém conta que alguém seja capaz de responder desta maneira. E de agir em conformidade. Neste sentido, também estas e outras declarações de paz ultrapassam a ficção e só acreditamos nelas por serem reais. Autênticas, genuínas e, acima de tudo, livres.

Ariana Grande foi muito mais uma pacifista ‘make peace not war’ do que uma cantora. Robbie Williams, com os seus gritos ‘no fear!’ também mobilizou as massas e contagiou a multidão. Se fizermos bem as contas, naquele estádio de Manchester não estiveram apenas 50 mil pessoas. Estivemos todos os que quisemos estar. Não falo dos sete mil milhões que somos, porque não posso nem quero contar entre nós terroristas, bombistas e outros malfeitores, mas falo da esmagadora maioria da Humanidade que acorda e adormece dia após dia tentando encontrar estratégias de sobrevivência material, moral e emocional.

As contas nunca se fazem a partir da contagem exacta de quem esteve presente na arena, mas da certeza das multidões que influenciam muitas outras multidões. Neste caso e porque os media e as redes sociais amplificaram de tal maneira o acontecimento, muita coisa mudou em nós durante o tempo que durou o concerto. Ver aquela gente no palco, naquele palco, rodeada de gente na plateia e cantar, a dançar e a gritar slogans de paz interpela e renova a coragem. Refunda sentimentos profundamente humanos. Ouvir depois, nas horas de rescaldo, entrevistas e testemunhos, faz-nos acreditar nas gerações presentes e futuras que vivem apostadas em (re)construir.

Não fui ao concerto, mas é como se tivesse lá estado.